Mudanças na morfologia de meandros: o rio do Peixe, oeste do estado de São Paulo
Autores
Morais, E.S. (UNESP-FCT) ; Rocha, P.C. (UNESP-FCT)
Resumo
O estudo identificou os tipos de mudanças na morfologia de meandros do rio do Peixe, SP. As análises do canal foram realizadas em 4 trechos com o uso de fotografias aéreas e imagens de satélite entre os anos de 1962, 1978, 1997 e 2008. Os resultados demonstram intensa mobilidade do canal com os processos de corte de pedúnculo e migração. Enquanto que mudanças no desenvolvimento de meandros como lóbulos e novos meandros tiveram menor ocorrência.
Palavras chaves
mudanças de canal; rio meandrante; rio do Peixe
Introdução
Rios meandrantes em vale aluviais apresentam dinâmica fluvial com mobilidade do canal e o registro na planície com lagos, paleocanais e bacias de inundação. No entanto, o comportamento dessas mudanças do canal, incluindo a variação temporal e espacial, ainda permanece em amplo debate. As discussões abrangem a influência, por exemplo, do regime hidrológico e a sedimentologia da planície (Gilvear et. al. 2000; Zaconpé et al. 2009; Micheli & Larsen, 2011; Kiss & Blanca, 2012), assim como, evidências de auto-regulação do sistema fluvial com ordenamento controlado de processos como resposta a manutenção da sinuosidade do padrão meandrante (Stolum, 1996; Hooke, 1994). A classificação dos tipos de mudança indica aspectos da evolução do canal e possibilita comparar sua ocorrência quanto a variações temporais e espaciais. Desse modo, compreender preliminarmente as características dessas mudanças possui relevante interesse para a interpretação de mecanismos que atuam na transformação da morfologia do canal. Estudos como de Cândido (1971) e mais recente de Zaconpé et al. (2009) apresentam notórias contribuições sobre os tipos de mudanças em rios meandrantes e a relação com a geomorfologia do vale aluvial. No vale aluvial do rio do Peixe nota-se típico padrão de canal meandrante, com sinuosidade do canal (>1,5), predomínio do transporte de sedimentos em suspensão e a presença de barras em pontal (Morais & Rocha, 2012; Morais, et al. 2013; Santos, et al. 2013). Nessa porção o rio flui por 64 km desde os municípios de Dracena e Ribeirão dos Índios até a foz com o rio Paraná. O preenchimento de depósitos quaternários no baixo curso (Etchebehere et al. 2005; Sallun et al.2007) resultou na formação do vale aluvial com feições de paleocanais e lagos que evidenciam a mobilidade do canal. Desse modo este estudo propõe-se a identificar os tipos de mudanças nos meandros e apresentar sua relação com a evolução morfológica do canal do rio do Peixe.
Material e métodos
O estudo foi realizado com uso de fotografias aéreas e imagens de satélite. As fotografias aéreas utilizadas são referentes aos anos de 1962, 1978 e 1997, com as respectivas escalas de 1:25.000, 1:20.000 e 1:35.000. Adicionalmente, imagens do satélite CBERS 2B, sensor HRC, do ano de 2008 e resolução espacial de 2,7 metros. A avaliação foi realizada em 4 trechos de 4km cada, distantes 8km entre si ao longo do vale aluvial. Os produtos cartográficos foram inseridos no SPRING 5.2, georreferenciados e realizada a interpretação das mudanças morfológicas do canal nos trechos. Os meandros foram numerados da montante em direção à jusante assim como os trechos, denominados de trecho 1, 2, 3 e 4 (Fig. 1). A análise de mudanças nos meandros foi realizada conforme a proposta de Hooke & Harvey (1983). Essa classificação da morfologia do canal compreende a identificação de novos meandros, crescimento, retração, migração, migração confinada, lóbulo, duplo lóbulo, corte de pedúnculo, mudanças complexas e meandros estáveis. Os resultados são apresentados sumariamente, com indicação da variação temporal entre os períodos de 1962-1978, 1978-1997 e 1997-2008 bem como a variação espacial nos 4 trechos analisados. Ressalta-se a inexistência de análise no trecho 4 durante o período de 1997-2008, devido a inundação provocada na região da confluência pelo reservatório da Usina Hidrelétrica Eng. Sérgio Motta iniciada no ano de 1998.
Resultado e discussão
A evolução dos meandros identificada pelos tipos de mudanças do canal apresenta
o predomínio de forte transformação da morfologia entre o intervalo de 1962 e
2008. A intensidade dessas mudanças é representada pelos 48 corte de pedúnculos
que compõe 23% das mudanças de canal. Esse é o mais importante mecanismo de
controle da sinuosidade em rios meandrantes (Hooke, 2004) e fundamental processo
para formação de lagos e áreas úmidas em planícies (Constantine & Dune, 2008).
Em similar abordagem, Zaconpé et al. 2009 encontraram percentual similar deste
processo em apenas um dos dois trechos analisados do rio Mogi-Guaçu. A formação
de novos meandros teve menor quantidade, com 4% e concentração no período de
1978-1997. No trecho 3 a ocorrência desses processo no período de 1978-1997
decorreu da sequencia de meandros abandonados e avulsões do período anterior. O
processo de crescimento de meandros ocorreu em todos os trechos e representa 12%
do total de mudanças. No trecho 2 a ocorrência de crescimento de meandros no
período de 1962-1978 procedeu cortes de pedúnculo do período seguinte de 1978-
1997. Ainda neste trecho houve o crescimento de meandros no período de 1997-
2008, após o canal atingir a morfologia com menor nível de sinuosidade no ano de
1997 de 1,52.
Especialmente no trecho 4, o processo de crescimento tornou-se mais evidente no
período 1978-1997, devido as maiores proporções dos meandros à jusante do rio do
Peixe e a quantidade de 5 ocorrências. Como parte do desenvolvimento de
meandros, o processo de crescimento pode ser constatado anterior o corte de
pedúnculos. Além de ambos os processos de crescimento e formação de novos
meandros demonstraram importante papel durante o desenvolvimento inicial da
morfologia, implicando no aumento da sinuosidade do canal.
O processo de migração contribuiu com 14% das mudanças para a transformação na
morfologia do rio do Peixe, principalmente no trecho 4 durante o período de
1978-1997. A identificação da maior quantidade de migração ocorrida neste trecho
pode ser associada ao tamanho dos meandros e a ampla planície neste trecho. Por
outro lado, notou-se no processo de migração confinada ocorrências mais
restritas com apenas 4%, sem expressiva concentração em período ou trecho. Porém
notou-se a colaboração deste processo na retomada da atividade do trecho 3 no
período de 1997-2008, após este trecho ter experimentado fortes mudanças na
morfologia em períodos anteriores.
O processo de duplo lóbulo, lóbulo e retração de meandros ocorreram de modo
pouco expressivo na morfologia dos meandros, comparado, por exemplo, com
processos de migração e corte de pedúnculos. Duplo lóbulo e lóbulo em meandros
tiveram a ocorrência de 1 e 4%, respectivamente, e corroboraram em conjunto com
o processo de migração confinada para o retorno da atividade no trecho. Já o
processo de retração de meandros representou 6% das mudanças nos trechos
analisados. Ocorrências desse processo no trecho 1 no período de 1978-1997, além
de corte de pedúnculo, contribuíram para suavizar meandros com morfologias
complexas e com isso diminuir a sinuosidade em sequencia de meandros. Apesar de
ocorrem em menores proporções nota-se ocorrência graduais mudanças na
morfologia, como lóbulos e novos meandros, puderam ser identificadas nos
intervalos entre 19 e 11 anos.
A ausência de mudanças na morfologia do canal foi encontrada no rio do
Peixe, denominada de meandros estáveis, representando 24%. Porém notou-se que
não houve a repetição de períodos com ausência de mudança em nenhum meandro. As
ocorrências com mais de uma mudança no meandro ou alterações em sua morfologia
divergente desta classificação foram atribuídas a mudanças complexas. Essas
ocorrências estão associadas a forte transformação na morfologia do canal,
ocorrendo somente nos primeiros dois períodos e em total de 5%.
Note nos trechos a dinâmica fluvial de alta mobilidade do canal fluvial entre os anos de 1962, 1978, 1997 e 2008.
Em A reocupação de paleocanais, em B ocorre sequencia de corte de pedúnculos, em C migração confinada e em D meandro com duplo lóbulo.
Conclusões
O estudo identificou a migração e o corte de pedúnculo como os principais processos que atuam na mudança da morfologia dos meandros do rio do Peixe. Esses processos predominaram nos períodos de 1962-1978 e 1978-1997, enquanto que processos com suaves alterações na morfologia, como a formação de novos meandros e lóbulos, tiveram maior ocorrência no período de 1997-2008. O comportamento dessas mudanças, portanto, possibilitou conhecer nessa escala temporal a velocidade das alterações na morfologia do canal e a variação dessas mudanças ao longo dos trechos do rio do Peixe.
Agradecimentos
Os autores agradecem à FAPESP, processo nº 2011/11208-6 e ao CNPq, processo nº 477564/2010-0.
Referências
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