A CONSTRUÇÃO DE RESERVATÓRIOS COMO FATO GERADOR DE BACIA HIDROGRÁFICA ANTRÓPICA NO SEMIÁRIDO: O CASO DO SISTEMA FLUVIAL DO RIO GAVIÃO NO SUDOESTE DA BAHIA
Autores
Oliveira, M. (UNEB)
Resumo
A construção de reservatórios na bacia do rio Gavião pereniza parte do curso principal, alterando a dinâmica natural do sistema fluvial. A análise é delimitada por hipótese que aponta a instalação dessas obras como fato gerador de bacia hidrográfica antrópica. O artigo visa discutir o assunto, utilizando contribuições de referenciais como Bertrand (1972), Gregory and Park (1974), Sotchava (1977), Petts (1989), Cunha (1995) e Brandt (2000). Metodologicamente, segue-se a abordagem geossistêmica.
Palavras chaves
Rio Gavião; Reservatórios; Bacia hidrográfica antróp
Introdução
A adoção progressiva de técnicas humanas ao longo da história revelou diversas possibilidades de se interferir no ambiente e dele explorar recursos naturais que lhe trazem lucro e riqueza, não importando com consequências de determinadas ações, o que resulta na antropização de paisagens. Como os fenômenos estão interligados numa espécie de rede, impactos ambientais em níveis regional e local tornam-se relevantes no nível nacional ou no global, a exemplo do que acontece na bacia hidrográfica do rio Gavião (BHRG) no centro sul do Estado da Bahia. Ações humanas nesse ambiente, especialmente com a construção de reservatórios de água (barragens e açudes ), visando o desenvolvimento socioeconômico, têm causado impactos que alteram a dinâmica natural do sistema, influindo na formação de uma bacia hidrográfica antrópica. O texto está dividido em quatro subitens (Características da área em estudo, Fundamentação teórica, Base metodológica e Resultados e discussão), além da introdução e da conclusão. O estudo tem como objetivo apresentar ao X SINAGEO aspectos das modificações ambientais e sociais verificadas nessa bacia hidrográfica, e se justifica por duas razões: ser de grande interesse pessoal para o pesquisador, que tem curiosidade de compreender a relação homem/natureza na região; e por almejar que a contribuição teórica nele contida, mesmo que modesta, possa ser utilizada na promoção de discussões geográficas, seja nos programas de pós-graduação, nos cursos de graduação ou na complementação de materiais didáticos da rede de ensino básico.
Material e métodos
Na pesquisa tem-se como concepção metodológica a abordagem geossistêmica, devido ao fato de a unidade de estudo ser uma bacia hidrográfica, compreendida como um todo complexo, um sistema. Esse método baseia-se na ideia de que unidades de paisagens em lugar de serem constituídos de um aglomerado de partes desconexas, representam, na verdade, sistemas organizados, sedes de contínuas mudanças, movimentos e interações que ocorrem naturalmente ou impulsionados por ações antrópicas (BRANCO, 2002). Ao seguir esse método tem-se o intuito de analisar dados/fatos que se organizam e interagem como um conjunto de subsistemas (geofácies), dinâmico em sua complexidade e totalidade. Nesse sentido, busca-se compreender a inter-relação envolvendo os componentes geologia, geomorfologia, clima, solos, vegetação e ação antrópica. Inferências sobre geossistema aplicado no estudo de unidades de paisagens foram feitas por diversos autores, a exemplo de Bertrand (1972), Sotchava (1977), Christofoletti (1999) e Monteiro (2000). Entre eles, considera-se o russo Sotchava o que mais contribuiu na elevação do geossistema à condição de importante pressuposto metodológico para o desenvolvimento de pesquisas, fato que fez dele uma referência singular para os demais pesquisadores que passaram a utilizar essa metodologia. Entretanto, no Brasil, segundo Ross (2006), foi por meio do francês Bertrand que, inicialmente, se conheceu o conceito de geossistema com a obra Paisagem e geografia física global: esboço metodológico, que segue os princípios defendidos por Sotchava. Na proposta de Sotchava, o termo geossistema foi utilizado com a preocupação de estabelecer uma tipologia aplicável aos fenômenos geográficos, enfocando características integradas dos elementos naturais, sendo, portanto, a concepção metodológica mais indicada para pesquisas na Geografia Física. Em termos de procedimentos, este estudo envolveu a priori uma reflexão bibliográfica acerca de conceitos teórico-metodológicos inerentes à
Resultado e discussão
Na bacia do Gavião foram instalados 3.830 açudes e pequenas e médias barragens,
além de 2 barragens de grande porte - as de Anagé e de Tremedal. Cerca de 15
dessas barragens, inclusive a de Anagé, foram construídas no canal principal da
bacia.
A maior disponibilidade de água promove alteração na tonalidade da paisagem de
trechos da BHRG. O leito seco do rio e a cor cinzenta típica da caatinga dão
lugar a espelhos d’água, ao verde da fruticultura irrigada e de capineiras.
Segundo a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR) o governo
baiano construiu 110 barragens, mas essas obras representam em torno de 10% do
total de reservatórios construídos na bacia a partir dos anos de 1970.
Na BHRG, até os anos 1980, vivenciava-se uma situação de busca pela
quantidade de água. Na condição de rio temporário, o Gavião não ofertava água
nos períodos de estiagem, cabendo aos moradores a tarefa de abrir cacimbas no
leito seco do rio para encontrar o recurso. Porém, a ampliação na oferta do
produto fez surgir o problema da qualidade da água, principalmente por conta da
quase que total inexistência de saneamento básico nos municípios da bacia.
Conceitos de bacias hidrográficas geralmente dão destaque a sistemas perenes,
marcantes em regiões úmidas, onde se localiza a maior parte de bacias estudadas.
Entretanto, no caso de bacia formada por rios intermitentes perenizados
artificialmente com a construção de reservatórios, a dinâmica passa a ser
manipulada por ações antrópicas.
Desse modo, há que se considerar diferenças na forma e na gênese dessas bacias.
Ou seja, uma é naturalmente perene e a outra apresenta perenização gerada por
ação antrópica - não natural -, considerando o homem um ser afastado desse
contexto por ser capaz de planejar suas ações e de transformar o ambiente onde
vive.
Insere-se nesse contexto o reajuste conceitual da BHRG, pois as alterações mais
relevantes que nela aconteceram nas últimas três décadas foram promovidas pela
ação antrópica.
O Gavião foi considerado um dos maiores rios temporários do mundo até o momento
da construção da Barragem de Anagé (em 1989) e de mais 14 barramentos menores no
leito principal a sua montante. Esses reservatórios perenizaram cerca de 330
quilômetros a jusante e a montante dessa barragem, ficando intermitente cerca de
50 quilômetros. Os reservatórios armazenam sedimentos - além de água -, provocam
reajustes no leito em trechos perenes, diminuindo a largura e aumentando a
profundidade, enfim, alteram a morfometria de canais da rede de drenagem. Isso
desencadeou outras modificações no processo de urbanização, no uso da terra, no
nível de base da rede de drenagem e na elevação do lençol freático em alguns
lugares.
As mudanças na paisagem refletem no dia-a-dia das pessoas que vivem no entorno
de barramentos. Onde as opções de lazer eram restritas a tradições locais outras
possibilidades apareceram, e o transporte, que antes era feito utilizando
animais, em várias barragens isso se realiza por meio de canoas e barcos.
Portanto, com a instalação de barragens e açudes na bacia modificou-se
artificialmente o equilíbrio dinâmico natural de cursos d`água, alterou-se a
geometria de vertentes, mexeu-se com a morfologia de canais e causou-se
reorganização na fauna e em fatores edafoclimáticos. Criaram-se novas feições na
paisagem que, sem a atividade antrópica, não aconteceriam na mesma intensidade.
Diante disso, considerando a presença constante de água, é que se denomina a
BHRG como bacia hidrográfica antrópica, entendendo que o processo de
intervenções artificiais, humanas, supera a ação de indicadores naturais de
forma tal que determina a transformação da gênese naturalmente estabelecida no
sistema. Então, desse ponto de vista, uma bacia hidrográfica antrópica é formada
por uma rede de drenagem naturalmente intermitente, típica de regiões
semiáridas, e que tenha sido perenizada artificialmente por meio da instalação
de reservatórios de água.
Conclusões
A construção de reservatórios artificiais de água transformou o sistema temporário da BHRG. A alteração na morfologia de canais, as modificações na flora e na fauna nativas, o rompimento de elos culturais anteriormente estabelecidos, entre outros aspectos, são determinantes na promoção de uma nova inter-relação até então estranha a esse ambiente. A água permanente, plantações, negócios, pessoas e tradições são elementos - atuantes na atualidade - incorporados no processo de (des)estruturação do sistema. Essa nova dinâmica de um sistema que, pela intensidade de impactos humanos passa de uma condição intermitente para outra perene, sugere uma especificação na forma de abordagem. É o que se propõe com a utilização do conceito de bacia hidrográfica antrópica do rio Gavião, uma adequação conceitual que pode ser estendida às outras bacias hidrográficas estabelecidas no semiárido e que foram perenizadas ou passam pelo processo de perenização como é o caso, por exemplo, das bacias dos rios Ja
Agradecimentos
Referências
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