CARACTERIZAÇÃO GRANULOMÉTRICA DOS DEPÓSITOS DE PREENCHIMENTO DE VALE COMO BASE À PROPOSIÇÃO DE UMA TIPOLOGIA DE ELEMENTOS DE DESCONEXÃO NA BACIA DO RIACHO ARARAS/PB

Autores

Barros, A.C.M. (UFPE) ; Souza, J.O.P. (UFPB) ; Correa, A.C.B. (UFPE)

Resumo

No nordeste semiárido a transmissão espasmódica de sedimentos criam situações de vales preenchidos. Assim, este trabalho buscou fazer uma caracterização granulométrica destas áreas de desconexão para fornecer uma ferramenta que auxilie na compreensão destas áreas. As análises foram divididas em peneiramento seco e separação de finos em granulômetro a laser. Os resultados obtidos permitiram distinguir os vales preenchidos, criando uma tipologia inicial para os mesmos.

Palavras chaves

análise granulométrica; caracterização; vales preenchidos

Introdução

No contexto do Nordeste semiárido, condições de fluxos espasmódicos de energia, representadas pela concentração interanual e baixa frequência da precipitação, a transmissão de sedimentos frequentemente é incompleta, criando situações em que os sedimentos não chegam a ser depositados sobre o nível de base local. Desta forma, a estocagem de sedimentos passa a ocorrer no que Lang & Honscheit (1999), chamam de “bacias” de acumulação temporária, que correspondem às concavidades da paisagem. Sob a perspectiva da (des)conectividade (BRIERLEY et al., 2006), a estocagem de sedimentos que preenchem todo o vale fluvial, configuram-se como formas que restringem a entrada de sedimentos das encostas para a rede de canais (FRYIRS et al., 2007). Neste contexto, Graf (1988) coloca que evidências sedimentológicas ao longo de canais de ambiente semiárido podem fornecer indicadores de processos em vigência no passado. Assim, os sedimentos que compõem as áreas de acumulação em questão guardam registros de processos que controlaram a evolução da desconexão na bacia. Portanto, para que se possa ter uma compreensão acerca dos sedimentos que preenchem os vales, criando áreas de desconexão, a análise granulométrica constitui uma ferramenta primordial para a caracterização mais precisa destes sedimentos, podendo revelar características que permitam inferir sobre a gênese destas áreas de acumulação (SUGUIO, 2003) e ainda auxiliar o estudo da dinâmica hidrossedimentológica em bacias. Portanto, este trabalho buscou realizar uma caracterização granulométrica dos sedimentos de preenchimento de vale na bacia do riacho Araras, com o intuito de criar uma tipologia inicial destas áreas que sirva como uma ferramenta na compreensão da evolução da desconexão na bacia.

Material e métodos

Este estudo foi realizado na bacia do riacho Araras, localizada no município de Manaíra, sertão paraibano. A bacia possui cabeceiras de drenagem no maciço da Serra da Baixa Verde e a rede de drenagem, composta predominantemente de canais de 1ª e 2ª ordem, segue o padrão regional NE-SW do sistema Piancó/Piranhas. Os depósitos de preenchimento de vale são condicionados pelas concavidades da paisagem, com uma solução muito clara entre os espaços de acomodação e as soleiras rochosas, formando pequenos alvéolos de acúmulo de sedimento, possivelmente refletindo flutuações climáticas, mas também respostas neotectônicas. As coletas de sedimentos foram realizadas tentando seguir uma distribuição que abrangesse desde as áreas de acumulação mais próximas da área fonte àquelas mais próximas da foz do riacho Araras, tendo sido coletadas amostras superficialmente nas margens dos canais e rampas adjacentes. Foram escolhidos para amostragem, quatro pontos morfologicamente representativos de categorias previamente observadas na bacia. Para a análise de granulometria, realizada no Laboratório de Geomorfologia do Quaternário da UFPE, foram combinados métodos distintos para a análise de frações grossas e finas, assim como sugerido por Suguio (1973), tendo por conveniência o limite de entre ambas a granulação de 63μm (ou 0,062mm). Assim, optou-se por utilizar o peneiramento seco para as frações de areia e cascalho, com base no método de Gale & Hoare (1991), enquanto que a quantificação das frações de silte e argila foi feita através de granulômetro à laser com sistema óptico de captação da marca Ingke Scientific/Wurtech, com base na metodologia adotada no Laboratório de Geografia Física da University College London (UCL). A classificação dos valores de granulometria, grau de seleção, assimetria e curtose foi feita utilizando o software Sysgran 3.0, de acordo os parâmetros estabelecidos por Folk & Ward (1957).

Resultado e discussão

O ponto de amostragem com recorrência de fácies (RF) localiza-se a 740m de altitude, na confluência de um tributário de primeira ordem e do riacho Araras, bastante próximo da área fonte. Há a presença de um canal aluvial temporário, confinado em seus próprios depósitos. Dentro do vale o perfil apresenta quatro fácies visivelmente distintas, com alternância de suas propriedades, havendo uma intercalação entre as fácies (Figura 1). O ponto de amostragem com fácies única (FU) localiza-se a 700m de altitude, na confluência de um canal de segunda ordem com o riacho Araras. O perfil localizado dentro do vale apresenta um pacote único, indicando a possibilidade de remoção de um depósito antes de um novo preenchimento. O ponto de amostragem com dois níveis de depósitos (DN) está localizado a 650m de altitude, no terço inferior do riacho Araras. Neste setor, há a presença de um canal temporário já estabilizado, cujas margens apresentam- se em dois níveis, com a aparência de terraços. Os perfis são formados por duas fácies distintas cada, mas bem menos visíveis do que dos demais pontos de amostragem. O ponto de amostragem de fácies aleatórias (FA) está localizado a 750m de altitude, em uma confluência de canais de primeira e segunda ordem. Este ponto é formado por uma área extensa de preenchimento, onde só é observado um canal bastante incipiente em decorrência do espalhamento do fluxo na área. Os resultados obtidos neste trabalho revelam que as áreas amostradas são compostas majoritariamente de areia fina e silte, este comumente excedendo os 30% por amostra. Isto reflete o resultado de uma quebra imperfeita dos minerais primários que comumente não chegam a ser transformados em argila sob condições de clima semiárido. Estas concentrações de silte foram mais expressivas no ponto de amostragem que se localiza mais próximo da área fonte (RF), onde a fração silte chega a 70% das amostras, corroborando a ideia de que a esta elevada proporção poderia indicar uma contribuição pretérita de materiais de encosta no preenchimento. Nos pontos RF e FA foi identificado um maior número de fácies dentro do vale, o que remete à atuação de microciclos de mobilização de sedimentos, o que não foi observado nos demais depósitos. O grau de seleção manteve um padrão geral, de modo que 80% das amostras foram classificadas como muito pobremente selecionadas e 20% pobremente selecionadas. Segundo Camargo Filho & Bigarella (1998), graus de seleção pobre ou muito pobre revelam a heterogeneidade de frações por amostra, indicando que o tipo de transporte do material não foi capaz de selecionar os grãos. Em relação à assimetria, parâmetro que indica a natureza do fluxo, unidirecionais quando positivas e bidirecionais quando negativas (CAMARGO FILHO & BIGARELLA, 1998), 87,5% das amostras apresentaram uma variação desde aproximadamente simétricas a assimetrias muito positivas, enquanto que 12,5% das amostras apresentaram valores negativos de assimetria. Assim, pode-se considerar que no ambiente deposicional houve o predomínio de fluxos com tendência unidirecional, característicos de ambientes fluviais. A curtose, parâmetro que mede o grau de achatamento da distribuição granulométrica em relação àquela de distribuição normal, geralmente relacionado com o grau de seleção (McCANNUS, 1988), apresentou uma grande variação, em contraste com o grau de seleção, que apresentou muito pouca variação para os pontos amostrados na bacia.

Tabela de dados sedimentológicos



Mapa de Elementos de Desconexão Encosta-Canal na bacia do riacho Arara



Conclusões

Os resultados obtidos permitiram fazer uma individualização das áreas de preenchimento de vale, dividindo-as pelo número de fácies, e não necessariamente por diferenças texturais, visto que as características texturais são controladas pela dinâmica de transporte em pulsos. Assim, foram classificados três tipos de depósitos. O primeiro são os de fácies única, tal como o ponto FU, onde há apenas um tipo de processo de sedimentação e ao mesmo tempo há a possibilidade de remoção de um depósito, antes de um novo preenchimento. O segundo seria os de fácies múltiplas e alternantes, onde há o preenchimento a partir de um mesmo mecanismo, mas em momentos distintos, ora mais úmidos e ora mais secos, o que gera alternância de características nos depósitos; estas áreas apresentam baixa declividade possibilitando a conservação das fáceis. Por fim o terceiro tipo apresenta múltiplas fáceis com características diversas, resultante da presença de diversas fontes de sedimento, tal qual afluentes.

Agradecimentos

Referências

BRIERLEY, G.; FRYIRS, K. A. Geomorphology and River Management: Applications of the River Styles Framework. Oxford: Blackwell Publishing, 2005.

BRIERLEY, G.; FRYIRS, K. A.; JAIN, V. Landscape connectivity: the geographic basis of geomorphic applications. Area, v. 38 (2), p. 65-174, 2006.

CAMARGO FILHO, M. & BIGARELLA, J. J. Correlação de parâmetros estatísticos de sedimentos de vertentes, rampas de colúvio-alúvio e terraço de várzea da bacia do Bananas – Guarapuava – PR. Geosul, v.14, p.438-442, 1998.

FOLK, R. L. & WARD, W. Bazos River bar: a study in the significance of grain size parameters. Journal of Sedimentary Research, v. 27, p.3-26, 1957.

FRYIRS, K. A. et al. Buffers, barriers and blankets: The (dis)connectivity of catchment-scale sediment cascades. Catena, v. 70, p. 49-67, 2007.

GALE, S. J. & HOARE, P. G. Quaternary sediments: petrographic methods for the study of ulithified rocks. Londres: Bethaven Press, 1991.

LANG, A.; HONSCHEIT, S. Age and source of colluvial sediments at Vaihingen-Enz, Germany. Catena, v. 38, p.89-107, 1999.

McCANNUS, J. Grain size determination and interpretation: In: TUCKER, M. Techniques in sedimentology. Cambridge: Blackwell, pp.63-85, 1988.

SUGUIO, K. Introdução à Sedimentologia. São Paulo: Edgar Blücher, 1973.
SUGUIO, K. Geologia Sedimentar. São Paulo: Edgar Blücher, 2003.

UCL, SediGraph Method. Disponível em: <http://www.geog.ucl.ac.uk/about-the-department/support-services/laboratory/laboratory-methods/particle-size analysis/sedigraph-method> Acesso em 20 de jan. 2014.


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