As terras-caídas no Careiro de Várzea e as implicações para os moradores da comunidade Miracauera no Paraná do Careiro (Careiro da Várzea-AM).
Autores
de Araújo Matos, J. (UFAM) ; Regina Batista Nogueira, A. (UFAM)
Resumo
O termo terra-caída é uma classificação regional atribuída à erosão fluvial presente nos rios amazônicos, o fenômeno se caracteriza como um processo de erosão natural que envolve vários fatores. Esses fenômenos decorrentes da dinâmica geomorfológica geram impactos para os moradores das faixas marginais dos rios amazônicos. Nesse sentido, a pesquisa buscou descrever as principais implicações para os moradores da comunidade Miracauera partindo dos relatos dos moradores e das observações em campo.
Palavras chaves
“Terras-caídas”; Erosão fluvial; Dinâmica geomorfológica
Introdução
As terras-caídas no ambiente de várzea apresentam sucessivas deposições aluviais a partir da remoção de material inconsolidado situado na faixa marginal dos principais tributários que compõem o complexo de rios amazônicos. O termo terra- caída é uma classificação atribuída à erosão fluvial presente nos rios amazônicos. Conhecido também como erosão fluvial ou migração das laterais, o fenômeno se caracteriza como um processo de erosão natural que envolve vários fatores. Esses fenômenos decorrentes da dinâmica geomorfológica geram impactos para os moradores das faixas marginais dos rios amazônicos. Nosso objetivo foi descrever as principais implicações das terras-caídas para os moradores da comunidade tendo em vista que o processo de erosão acelerada ocorre na margem côncava do canal depositando os sedimentos na margem convexa do canal fluvial, esse processo consiste no “solapamento da parte inferior da margem, retirando o suporte do pacote, desestabilizando-o” (CARVALHO, 2006), retirando o material basilar. Trata-se, portanto de um amplo processo deposicional denominado de sedimentação ou deposição aluvial. A erosão acelerada e a deposição alteram a composição da paisagem, pois além da remoção de sedimentos há o surgimento de micromeios e restingas fluviais resultantes do processo deposicional, pois a carga de sedimentos em suspensão se deposita não apenas na calha do leito, mas também onde o fluxo da correnteza é mais lento e na frente do terreno formando áreas com cotas elevadas mais elevadas, dessa forma, tem-se além da deposição, a formação de depósitos após a cheia. Em relação à atuação constante da dinâmica fluvial e seus impactos, é necessário também refletir sobre a questão do risco que os moradores estão sujeitos nos locais onde há a ocorrência de terras- caídas, por isso nossas interpretações estão baseadas também na percepção que os moradores têm deste fenômeno, assim, ouviu-se os relatos dos moradores sobre as principais consequências das terras-caídas.
Material e métodos
A pesquisa foi realizada a partir das observações direta em campo com visitas in loco, sendo de natureza exploratória e dialogada. Quanto aos procedimentos técnicos a pesquisa consistiu em um levantamento bibliográfico a partir de artigos já publicados que abordam a temática do trabalho, tais como: periódicos, dissertações e teses. Realizamos um levantamento em campo por meio das visitas in loco e constantes idas a campo para realizar registro fotográfico e compor um recorte temporal para um melhor entendimento e representação da atuação da dinâmica fluvial e seus impactos na área em estudo bem como o processo de evolução das terras-caídas no ambiente de várzea. Associou-se também a percepção dos moradores do local, onde foram feitas entrevistas com questões abertas direcionadas por um roteiro previamente definido, dessa maneira, pôde-se também identificar as mudanças na área de estudo e por meio dos questionários foi possível estabelecer a relação dos moradores com os eventos de terras-caídas e suas implicações no modo de vida da comunidade. Partindo do pressuposto de que os fenômenos “devem primeiro ser vividos para serem compreendidos como eles realmente são” (RELPH, 1979) e compreender as relações estabelecidas na comunidade, nossas interpretações foram realizadas a partir da fenomenologia considerando o que diz Merleau-Ponty (1996) “o mundo não é aquele que penso, mas aquilo que eu vivo”, e a partir da abordagem fenomenológica, enfatizamos a percepção dos moradores do local em relação aos fenômenos que influenciavam no seu cotidiano bem como as relações afetivas com o lugar, denominada por Tuan (2012) como Topofilia, onde o autor nessa obra expõe a relação de sentimento e de apego das pessoas em relação aos lugares, “manifestações específicas do amor humano por lugar” (TUAN, 2012, p.135).
Resultado e discussão
O ambiente de várzea é caracterizado pela dinâmica de erosão e deposição
aluvial, a remoção de material inclui fatores que envolvem “desde os processos
mais simples a altamente complexos” (CARVALHO, 2006, p.55) abrange também outros
fatores como a pressão da hidrodinâmica, velocidade da descarga fluvial, o
impacto da força da água na barra lateral e as características do solo de
várzea, como o hidromorfismo. Conforme Carvalho (2005) o processo erosivo é
classificado em 4 categorias; escorregamento, deslizamento, desmoronamento e
desabamento. Na várzea amazônica a cada vez que acontece esse fenômeno, nos
deparamos com mudanças na configuração da paisagem fazendo com que ocorram
mudanças no modo de vida das comunidades. De acordo com Sternberg (1998, p.1) “a
planície amazônica contém duas ordens de paisagens inteiramente diferentes: as
várzeas e as terras-firmes”. Nossas interpretações fazem alusão ao ambiente de
várzea pelo processo de erosão (figura 1) e deposição que tem provocado mudanças
na configuração da paisagem (figura 2) na várzea pela ação da dinâmica do rio.
Conforme Sternberg (1998, p.1) “os rios de várzea fluem através de formações
sedimentares que eles mesmos depositaram”, portanto, removendo ou adicionando
sedimentos nas faixas marginais, deram origem ao solo de várzea, e devido às
características do Gleissolo pela sua composição com alto teor de silte, argila
e material orgânico (EMBRAPA, 2009) é sujeito à ação dos processos erosivos.
Durante as constantes idas a campo a partir de 2008, pôde ser observada mudanças
na paisagem promovida pela ação erosiva ao longo do tempo como demonstraram as
imagens anteriores. Esse é apenas um dos impactos para a comunidade, pois a
margem instável (côncava) recebe a “agressão” do fluxo da correnteza que vem da
montante, essa barra lateral recebe toda essa correnteza e muda no curso do rio
à jusante no momento do contato da água com a faixa marginal, que sofre
constantes retoques removendo sedimentos inconsolidados e transportando para
outra margem onde o fluxo da correnteza é menor, possibilitando sucessivas
deposições sedimentares. No que tange aos impactos e as implicações para os
moradores da comunidade Miracauera destaca-se os aspectos que foram citados
durante as entrevistas, tais como a perda constante de terreno, os riscos
oferecidos aos moradores pela ação das terras-caídas e a perda das plantações
situadas nas restingas fluviais. Alguns impactos são enumerados por Carvalho
(2006, p.128-131) “perda da propriedade, mudança da residência, risco de morte”.
Segundo Sternberg (1998, p.62) esse “fenômeno arrebatam boas terras marginais
tragando [...] pastagens, ameaçando as moradias e engolindo-as, quando os
proprietários não as recuam a tempo”. Sternberg (1998, p.14-15) destaca que “em
áreas como a várzea do Careiro, entretanto, elas não apenas esculpem as formas
do relevo, [...] removendo o material [...], mas são responsáveis pela própria
criação do terreno, o qual submetem a constantes retoques” provocando alterações
na configuração do ambiente, conforme Matos & Cursino (2012, p.516) “essas
mudanças estão presentes no cotidiano do ribeirinho, que veem suas terras ser
levadas pelos processos erosivos perdendo suas terras e plantações”.
Essas mudanças foram relatadas pelos moradores, que afirmaram que antes os
terrenos possuíam uma extensão maior, e foram perdendo parte de suas
propriedades com o avanço das terras-caídas, dessa forma é comum encontrar
moradores com seus relatos de como era antes e como está hoje a situação de suas
propriedades, como cita um morador “o rio leva e trás, é a natureza”, nessa
proposição Tocantins (2000) destaca que “o rio comanda a vida”. Os moradores
estabeleceram uma relação vivida a partir das experiências com o ambiente
utilizando os componentes geográficos como destaca Claval (2010) a partir das
“práticas, as habilidades e os conhecimentos indispensáveis a qualquer vida
social têm componentes geográficos: aqueles que são imprescindíveis".
A figura 1 apresenta o início da erosão na margem em 2008 e a evolução do processo erosivo até 2010. Autor: MATOS, J.A.
A figura 2 mostra a perda de terreno (2011) e a paisagem transformada (2013) devido à ação erosiva. Autor: MATOS, J.A.
Conclusões
A Geomorfologia Fluvial permite embasamento para a compreensão dos processos e formas relacionados aos cursos d’água e sua dinâmica, que tem produzido uma intensa transformação na paisagem de várzea na área estudada, portanto, os processos fluviais atuantes vêm produzindo novas paisagens, e que se diferem quando dos períodos das cheias e vazantes, ambos contribuindo de forma significativa para a ocorrência dessas mudanças, associadas aos fatores que atuam para a atuação do processo erosivo das terras-caídas. Conforme Sternberg (1998) “há que se considerar a atividade geológica do rio. E o resultado desse trabalho [...]”. Destaca-se a percepção que os moradores têm da ocorrência das terras- caídas e a relação simbólica com o rio, pois o mesmo condiciona em certos momentos o modo de vida na comunidade. Os moradores da comunidade observam a dinâmica do ambiente, como destaca Nogueira (2001, p.11) acrescentando “as novas informações que aparecem” resultantes das deposições constantes.
Agradecimentos
Agradecimentos a CAPES pela concessão da bolsa e possibilitar o financiamento da pesquisa de mestrado (2012-2014). O que se apresenta aqui é fruto de um trabalho de campo da dissertação de mestrado em Geografia apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Geografia da Universidade Federal do Amazonas. Agradecimentos à Drª Amélia Regina Batista Nogueira, orientadora da pesquisa de mestrado. Agradecimentos também aos moradores da comunidade Miracauera.
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