DINÂMICA MORFOLÓGICA DO IGARAPÉ DO SERINGÃO, ABAETETUBA/PA, ENTRE 1945 E 2014

Autores

Rodrigues Ribeiro, S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ) ; Ferreira de França, C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ)

Resumo

Nos rios a morfodinâmica manifesta-se através do trabalho de erosão, transporte e deposição que influenciados por variações sazonais e hidrológicas implica nas condições morfológicas do canal. À luz dessa perspectiva, a morfologia do igarapé do Seringão em Abaetetuba/PA mostra-se exemplar, pois processos morfodinâmicos e geomorfológicos atuantes levaram ao deslocamento e o abandono de um meandro no canal principal entre 1945 a 2014, cabendo ao objetivo deste trabalho representá- la e descrevê-la.

Palavras chaves

Geomorfologia fluvial; morfodinâmica; meandramento

Introdução

Em termos hidrográficos, o Norte do país é abundante. A bacia Amazônica, segundo estudos comparativos, tem 1/5 de toda água doce do mundo. Essa ideia remete não apenas ao fato da riqueza hídrica da região, mas à assertiva de que há um sem número de corpos d’água de tamanhos distintos, entre igarapés, paranás-mirins, furos, etc., que drenam sua extensão territorial e respondem pela diversidade paisagística, portanto pela constituição vegetal e faunística, pelas formas de relevo, uso e ocupação antrópica, economia e cultura. O rio é substancial ao homem. Enquanto agente modelador do relevo, a morfodinâmica fluvial manifesta-se através do trabalho de erosão, transporte e deposição. O trabalho fluvial se distribui desigualmente ao longo dos leitos maior, menor e de vazante, sob o controle das variações sazonais da vazão e da velocidade do fluxo. As mudanças operadas no leito incidem diretamente nas características morfológicas do canal, que são representadas, sobretudo, pela largura, profundidade, rugosidade e gradiente. A sub-bacia do Seringão, em Abaetetuba/PA possui uma cobertura de floresta densa pouco antropizada, mas de considerável aproveitamento extrativista. Em alguns setores, há roçados e pequenas monoculturas de cana-de-açúcar. Dentre as práticas extrativistas, além daquelas ligadas à pesca, destaca-se a exploração mineral em virtude do abundante depósito de silte e argila. No canal principal, um conjunto de processos hidrodinâmicos e geomorfológicos atuantes ao longo dos últimos 80 anos, ocasionou a formação, o deslocamento e o abandono de um meandro, alterando assim a dinâmica e o trabalho do igarapé e apontando processos e formas, os quais, à luz da geomorfologia fluvial, podem ser analisados e explicados. Diante do exposto, o objetivo deste artigo é descrever a dinâmica morfológica do igarapé do Seringão, entre 1945 e 2014, no setor meandrante do canal, com base em relatos de extrativistas e através de interpretação de imagens.

Material e métodos

Frente ao objetivo, foram adotados os procedimentos requeridos tais como: a) revisão teórica e bibliográfica dedicadas à geomorfologia fluvial nos acervos físicos e também em periódicos eletrônicos e informacionais e de natureza afim ao objetivo; b) Com imagens de satélite Google Earth do ano 2013 e recursos oferecidos pelos softwares Quantun Gis e ArqGIS elaborou-se o mapa de localização do igarapé do Seringão; c) trabalho de campo para coleta de dados morfométricos do canal fluvial, registro fotográfico e entrevista com extrativistas e moradores mais antigos; d) trabalho de laboratório: em papel tipo A4, a partir da oralidade e memória dos entrevistados, foi reconstituída a fisiografia e a fisionomia do canal, de 1945 até 2014, relacionando-se as mudanças do leito com datas históricas, representando e caracterizando os sucessivos estágios de deslocamento do meandro; interpretação de imagem e confecção de mapa de localização.

Resultado e discussão

Um dos fenômenos mais comuns, resultantes da morfodinâmica fluvial, é o meandramento, que reflete a instabilidade do leito em áreas de composição sedimentar recente. O mecanismo de formação de meandros depende da diferença de velocidade da água dentro do canal. A corrente de maior velocidade incide sobre a margem côncava, erodindo-a e aumentando gradativamente o raio de curvatura (CHRISTOFOLETTI, 1981). Concomitantemente e em oposição, na margem convexa do meandro, incide a corrente de menor velocidade, favorecendo a deposição de aluviões e o desenvolvimento de barra em pontal. Os processos que agem de modo inverso, entre as margens côncava e convexa, promovem o deslocamento do meandro. Nos casos de acentuado meandramento, pode ocorrer isolamento de alça de meandro devido à aproximação e justaposição de duas margens côncavas e à interrupção de fluxo hídrico pelo crescimento de barras em margens convexas. Com efeito, o fluxo torna-se retilíneo ou sinuoso, enquanto que a alça isolada deixa de receber a corrente fluvial, transformando-se num corpo hídrico lêntico, classificado como lago de meandro abandonado. O igarapé do Seringão de baixa hierarquia e que drena áreas de relevo aplainado, constituído por baixos platôs e planícies alagáveis, afluente do rio Larianduba no município de Abaetetuba, Pará, é um dos muitos exemplos que retratam essa dinâmica fluvial acrescida de uma particularidade própria das zonas costeiras: a influência das marés. Isto significa que o trabalho fluvial não depende apenas da sazonalidade pluviométrica, mas, também, do fluxo e refluxo diário promovido pelas marés semidiurnas, que alcançam amplitude média entre 1 e 2 m, neste ponto do estuário marajoara. No trecho planiciário, o leito é escavado em substrato siltoso e argiloso. A hidrodinâmica é determinada pelo regime de marés, cuja altura máxima pode chegar a 2,5 m, o que acarreta o desenvolvimento de correntes de maré com velocidades maiores durante as vazantes. O Seringão desenvolve um canal meandrante com curvatura muito acentuada a cerca de 800 metros a montante da embocadura (Mapa 1). Neste setor, considerado o mais dinâmico, o talvegue migrou aproximadamente 17 metros na direção sudeste, durante um período de 79 anos (1945 a 2014). Ao longo deste intervalo temporal, é possível distinguir três fases ou estágios representativos da dinâmica morfológica fluvial. O primeiro inicia-se em 1945 e se estende até 2008, é caracterizado pela migração do canal em direção sudeste e aumento da curvatura das alças meandrantes. O segundo vai de 2008 a 2010, é marcado pela aproximação das margens e aumento do acúmulo sedimentar nas barras em pontal. E o terceiro, de 2010 ao presente, culmina com a justaposição das margens e colmatagem do leito na altura do meandro mais recurvado, isolando-o da corrente fluvial (Figura 1). Esta é desviada e segue pela nova incisão aberta pelo talvegue, cujas medidas revelam a largura de 4,90 m e profundidade de 2,70 m (Figura 1). O fenômeno descrito acima é de conhecimento da população local e, principalmente, daqueles que historicamente utilizam o igarapé como território extrativista e via de circulação e que mesmo com a morfologia alterada mantém a funcionalidade. Se por um lado a morfologia atual tornou prática e ágil a circulação reduzindo o trajeto, tendo em vista a dispensa do contorno ao meando, ao reverso, aponta aspectos negativos avaliados por proprietários das terras naquela seção devido ao processo erosivo que consome as margens desestabilizando-as e consumindo-as e ameaçando o tombamento sobre o rio de várias espécies vegetais, danos à propriedade e à trafegabilidade além de pequenos embaraços na demarcação das terras antes feita pelo talvegue do igarapé do meando, o qual está desaparecendo devido ao processo de deposição e colmatação.

Mapa 1

Localização do Igarapé do Seringão em Abaetetuba/PA.

Figura 1

Estágios representativos da dinâmica morfológica do Igarapé do Seringão em Abaetetuba/PA entre os anos de 1945 a 2014.

Conclusões

O conjunto dos processos morfodinâmicos fluviais que modificaram a fisionomia do igarapé Seringão continua em franca atuação. O meandro pesquisado apresenta características de abandono pelo crescente processo de colmatagem. Nele a dinâmica e velocidade das águas não mais atuam como no passado. As condições corroboram para a deposição da matéria orgânica que desprendendo-se das árvores das margens ou flutuando na superfície, bem como para os sedimentos erodidos e transportados na enchente e vazante, especialmente o silte. Todo esse material ao aproximar-se do meandro abandonado é depositados em maioria devido à velocidade quase nula do canal naquele perímetro. Outro aspecto relevante neste trabalho é a valorização aos estudos de rios e igarapés do contexto da vida ribeirinha, respondendo aos acontecimentos geomorfológicos que acontecem em escala local, descrevendo-os, monitorando-os e acompanhando seus reflexos hidrodinâmicos no presente e projeções futuras.

Agradecimentos

À Prof. Drª Camena França pela orientação e saber compartilhado em todo o tempo. A Wellingtton Fernandes pelo suporte e cooperação na elaboração do mapa e a incrível equipe de campo: Sr. Raimundo Ribeiro, Cilza Ribeiro e ao Jessé Mendes os quais contribuíram sobremodo para a elaboração deste trabalho.

Referências

CHRISTOFOLETTI , A. Geomorfologia fluvial. Volume I – O canal fluvial. São Paulo: Edgard Blücher, 1981.

Manual técnico de geomorfologia / IBGE, Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais. – 2. ed. - Rio de Janeiro : IBGE, 2009. 182 p. – (Manuais técnicos em geociências, ISSN 0103-9598 ; n. 5)


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