CONTRIBUIÇÃO A GEOGRAFIA LACUSTRE NO BRASIL: ESTUDO DE CASO DA LAGOA FEIA/RJ

Autores

Santos Lima, V. (UFF) ; Alonso Alves, L. (IFF) ; Ribeiro Miro, J.M. (IFF) ; Nascentes Coelho, A.L. (UFES)

Resumo

O Brasil é um país de ocorrência de inúmeras lagoas, algumas delas mananciais. Objetivou-se aqui, compreender a lagoa através da contribuição da Geomorfologia. O trabalho foi dividido em aquisição de material bibliográfico, cartográfico, interferométrico e orbital e tratamento geográfico dessas informações espaciais. Os resultados indicam que a forma como as lagoas vêm sendo tratadas às colocam em perigo, por isso devem ser repensadas enquanto uma feição geográfico- geomorfológica.

Palavras chaves

Geografia Lacustre; Geomorfologia Ambiental; Lagoa Feia

Introdução

O estudo de lagoas vem sendo realizado por diferentes ramos do conhecimento, notadamente na limnologia e na oceanografia, sem que seja dada a sua devida atenção por parte da ciência Geográfica e da Geomorfologia ao tema no território brasileiro. França (2002) indica que a importância dessas entidades se dá, primeiro em função da sua marca na paisagem e, segundo, por se tratarem de importantes fontes de recursos hídricos para as populações humanas, muitas das quais ocupam áreas de Faixa Marginal de Proteção (FMP). A FMP é definida a partir do Projeto de Alinhamento de Orla (PAO), que corresponde ao espelho d’água da lagoa em períodos de cheia. Não há uma definição clara na legislação nacional a respeito do que é o PAO. A Lei n° 650 de 11 de janeiro de 1983 dispõe sobre a política estadual de defesa e proteção das bacias fluviais e lacustres do Rio de Janeiro e em seu Art. 3º, consideram- se instrumentos de controle do sistema de proteção dos lagos e cursos d’água o Projeto de Alinhamento de Rio - PAR, o Projeto de Alinhamento de Orla de Lago - PAO e a Faixa Marginal de Proteção - FMP. Dentre o conhecimento produzido sobre ambientes lacustres pouco há de contribuição da Geografia/Geomorfologia. Para os limnólogos, lagoas são definidas em função do seu espelho e coluna d’água e da produção de matéria primária. Pouco se discute sobre a geomorfologia da entidade, e quando se discute limitam-se em dizer que lagoas são depressões preenchidas por água (ESTEVES, 1998; GUERRA, 2010). Neste sentido, objetiva-se aqui compreender a entidade física “Lagoa” do ponto de vista da Geografia Lacustre e da Geomorfologia, assumindo-se como estudo de caso a lagoa Feia, maior corpo lêntico de água doce do estado do Rio de Janeiro. Para tanto, se têm o seguinte questionamento central: quais parâmetros geográfico-geomorfológicos tornam uma lagoa, lagoa?

Material e métodos

Para que o questionamento fosse respondido e o objetivo alcançado foi necessário seccionar o trabalho em distintas fases metodológicas, quais sejam: 1)Aquisição de Material Bibliográfico, tais como: livros, teses, dissertações, artigos em periódicos e anais de congressos. Aquisição de Material Cartográfico, como a Carta Corográfica e Administrativa da Província do Rio de Janeiro e do Município Neutro datada de 1846 e o modelo evolutivo da Planície Costeira do rio Paraíba do Sul, elaborado por Martin et al. (1993). Aquisição de Produtos Orbitais e Interferométricos, como uma imagem LANDSAT-5/TM de resolução espacial de 30 metros, com passagem em 05/02/2009 e órbita/ponto 216/075 adquirida junto ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); ainda nesta etapa foi realizado download do Modelo Digital de Elevação (MDE) junto a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa), com resolução espacial de 90 metros e dos Planos de Informações (PIs) junto ao Instituto Estadual do Ambiente do estado do Rio de Janeiro (INEA) com escala de 1:100.000. 2)Para os Produtos Cartográficos históricos foi realizado o processo de Georreferenciamento por Pontos de Controle Terrestres (PCTs) e posterior edição vetorial com o fim de extrair a sua área e perímetro. O Processamento Digital das Imagens (PDIs) foi realizado utilizando-se, inicialmente, o procedimento de Georreferenciamento das imagens de satélite LANDSAT-5/TM e posterior retificação das mesmas através dos PCTs, seguida da composição (composite bands) das imagens nas bandas no espaço RGB colorido falsa-cor com a combinação da banda 3 associada ao filtro azul, banda 4 ao filtro verde e a banda 2 ao filtro vermelho (3B; 4G; 2R), correspondendo, respectivamente, aos comprimentos de ondas vermelho, Infravermelho próximo e verde. Através do processo de fotoidentificação e fotointerpretação as imagens foram analisadas, conforme propostas de Jensen (2009) e IBGE (2009).

Resultado e discussão

Distintos pesquisadores empreenderam esforços para definir e classificar lagoas, a exemplo de Amador (1986), Trindade (1996), Esteves (1998), Suguio (2003) e Alves et al. (2013). A Geografia Lacustre abordada sob o ponto de vista da Geomorfologia, aliada às modernas ferramentas do Sistema de Informações Geográficas e Sensoriamento remoto auxiliaram na produção dos resultados aqui apresentados. Martin et al. (1993) propuseram um modelo evolutivo da Planície Costeira do rio Paraíba do Sul a partir de datações por radiocarbono e análises granulométricas em distintas seções. Desse modo, eles construíram um modelo geológico/paleogeomorfológico da lagoa Feia o qual mostra uma área de espelho d’água substancialmente maior do que a que existe hoje. Obras de engenharia foram realizadas na Planície Costeira do rio Paraíba do Sul, levando a variação, no sentido de redução, do espelho d’água da lagoa Feia. No ano de 1846 a lagoa Feia possuía 336 km² de área e 151 km de perímetro de superfície líquida (Figura 1), aproximando-se em dimensão espacial da baía de Guanabara, que possui 380 km². Contudo, uma rede de mais com 1.200 km de canais artificiais foi construída, drenando inúmeras lagoas que contribuíam para a lagoa Feia. Soma-se a isso o processo de aterramento da lagoa por parte dos agropecuaristas para ampliar suas áreas agricultáveis e de pastoreio, fazendo com que hoje a lagoa possua apenas 200 km² de área e 110 km de espelho d’água. No entanto, pensar uma lagoa, a exemplo da lagoa Feia, somente por sua área de superfície líquida (assumida no período de estiagem), como vem sendo feito historicamente representa riscos de dimensões ambiental (dado à fragilidade desta entidade que naturalmente tende ao processo de colmatação), social (com risco de perda de vidas ou disseminação de doenças em momentos de grandes cheias) e econômica (com danos ao patrimônio público e privado em eventos extremos de precipitação). Falar em ambientes naturais implica entender que possuem funcionalidades próprias. A dinâmica de cheia e estiagem é própria de lagoas, contudo, as cheias possuem diferentes magnitudes. A maior cheia registrada na lagoa Feia dos últimos 30 anos ocorreu em 2008 (LIMA, 2014), fazendo com que as águas preenchessem antigas depressões já esquecidas na paisagem. Nesse sentido, faz-se necessário entender e tratar as lagoas, sob os parâmetros geográfico-geomorfológicos como uma forma, tal como um “copo” que pode estar totalmente preenchido ou não com água. Assim os ordenadores do território poderão gerir melhor esses ambientes e suas áreas adjacentes. Na Figura 2 é apresentada a mancha de inundação ocorrida no verão de 2008/2009, remetendo-se a área de superfície líquida que a lagoa Feia possuía no ano de 1846. A partir do processo de fotoidentificação e fotointerpretação entendeu-se que a lagoa Feia não se limita a sua área de superfície líquida em suas estiagens prolongadas ou mesmo nas pequenas cheias, posto que a forma, ou seja, o “copo” está registrado na paisagem. Logo, a depressão existe e isso independe se hoje está ou não totalmente preenchida por água. Infere-se, a partir da análise das imagens de radar, que possibilitaram a leitura e interpretação do relevo, e da análise das imagens de satélite nos períodos inundados, que evidenciaram a água preenchendo as porções mais deprimidas, a exemplo do braço perdido da lagoa Feia que era paralelo à linha de costa (ver Figura 1), que a água (em extremos períodos de cheias) é um indicador geomorfológico de dimensões espaciais da entidade lagoa. Ao analisar a maior inundação na lagoa Feia dos últimos 30 anos com o auxílio das modernas técnicas de SIG e SR pode-se notar que a lagoa Feia expande a sua superfície líquida para áreas que já foram pertencentes a ela no passado recente, corroborando a forma inicial da lagoa no modelo proposto por Martin et al. (1993) ou mesmo em seus antigos produtos cartográficos.

Figura 1: Carta Corográfica e Administrativa da Província do Rio de Ja



Figura 2: Manchas de Inundação na lagoa Feia no maior período de preci



Conclusões

A Geografia não tem dado a devida atenção aos ambientes lacustres, que em alguns casos, como a lagoa Feia é fonte de abastecimento para cidades. Entende-se como Geografia Lacustre o ramo da ciência Geográfica que estuda os ambientes lênticos, como as lagoas, lagos, lagunas, brejos, pântanos etc, na relação com as suas áreas adjacentes. A Geomorfologia contribui para melhor pensar esses ambientes a partir dos parâmetros: forma, origem e processos atuantes. Lagoas são “copos”, ou condutos geográfico-geomorfológicos para onde vazam águas de uma bacia hidrográfica, mas que não devem ser pensadas somente em função do alcance espacial de seu espelho e profundidade da coluna d’água em cheias de pequeno intervalo de retorno. Entendendo a água como um indicador geomorfológico, propõe-se como definição de lagoas e Alinhamento de Orla o alcance máximo do seu espelho d’água registrado, num período equivalente a uma normal climatológica (30 anos).

Agradecimentos

Referências

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