Análise hidrossedimentar de canais embrejados desenvolvidos em compartimentos de colinas no Médio Vale do Rio Paraíba do Sul

Autores

Ribeiro, A.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO(UFRJ)) ; Cesario, F.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO(UFRJ)) ; Peixoto, M.N.O. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO(UFRJ)) ; Dias, J.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO(UFRJ))

Resumo

O estudo objetiva analisar a sedimentação em trechos de canais fluviais embrejados de bacias hidrográficas tributárias do Médio Vale do Rio Paraíba do Sul, de modo a contribuir para a apreensão do seu papel na conectividade hidrossedimentar. A análise das características geomorfológicas e da vegetação e a mensuração dos parâmetros Turbidez e Sólidos Totais Dissolvidos permitiram identificar importantes relações com a posição na rede de drenagem e a densidade de raízes da vegetação de brejos.

Palavras chaves

canais embrejados; transferência de sediment; evolução dos sistemas de

Introdução

O presente estudo busca contribuir para a apreensão da dinâmica hidrossedimentar em bacias hidrográficas desenvolvidas nos domínios colinosos do Médio Vale do Rio Paraíba do Sul, visando sua aplicação na proposição de estratégias de recuperação e reabilitação dos recursos hídricos na região em estudo. Os sistemas hídricos regionais têm sofrido drásticas transformações em virtude da instalação de voçorocas remontantes em cabeceiras e sub-bacias entulhadas por sedimentos alúvio-coluviais holocênicos (Moura et al., 1991), resultando em modificações no balanço sedimentar (Pelech, 2013), na formação e expansão dos brejos ao longo das incisões erosivas e canais formadores, além da re- hierarquização hidrográfica. Além destas alterações, as atividades econômicas e a expansão das áreas urbanas têm gerado diversos impactos nas redes de drenagem, evidenciados pela deterioração da qualidade e quantidade das águas, alterações no regime hídrico e no aporte de sedimentos, e pela instalação e/ou intensificação de processos erosivos nas áreas contribuintes e/ou nos próprios canais fluviais, entre outros, intensificando as transformações na estrutura e funcionamento dos sistemas hídricos. A necessidade de entendimento da dinâmica hidrossedimentar associada à identificação de diferentes padrões morfológicos, de estrutura e funcionamento dos canais fluviais torna-se, deste modo, relevante para a conservação e gerenciamento dos recursos hídricos na região. Isto é especialmente importante considerando-se a quase inexistência de informações, na literatura nacional e nos trabalhos sobre a região em foco, sobre o papel dos canais embrejados na dinâmica de estocagem e evasão de sedimentos nas bacias, e, ainda, a alta sensibilidade das bacias formadoras às transformações em curso, representadas pelo ajustamento dos sistemas de drenagem ao encaixamento dos coletores e esvaziamento dos fundos de vale e reentrâncias de cabeceiras e sub-bacias entulhadas.

Material e métodos

A fase inicial do estudo se concentrou na bacia hidrográfica do córrego Santa Rita, afluente da margem Norte do Rio Paraíba do Sul no município de Volta Redonda (RJ), selecionada por ser representativa de bacias com alto índice de esvaziamento dos fundos de vale e cabeceiras de drenagem. A metodologia adotada compreendeu as seguintes etapas: A)Avaliação das sub-bacias hidrográficas de 1ª a 3ª ordem integrantes da bacia do córrego Santa Rita, e seleção de trechos embrejados utilizando os critérios: uso e cobertura da terra; hierarquia e confluência dos canais; ocorrência de processos erosivos; estilos de rio a montante e a jusante, conforme Mello (2005) com base em Brierley & Fryirs (2000) e Brierley et al. (2002); perenidade dos fluxos; e acessibilidade. Esta análise foi efetuada com base em mapas elaborados por Del Pozo (2011) e em reconhecimentos de campo. B)Mensurações e coletas em seções ao longo do canal embrejado, definidas considerando a diversidade da vegetação de brejos. Os parâmetros declividade, largura e comprimento do canal embrejado foram obtidos a partir do uso do software ARCGis e através de mensurações com trena em campo. Coletas de sedimentos do leito foram efetuadas utilizando tubos de PVC com 150 cm de comprimento e 4 cm de diâmetro. A vegetação foi analisada em áreas de amostragem com 2,5m², sendo mensurados: a altura média dos indivíduos; a densidade das raízes, dividindo-se o peso em kg das raízes coletadas, lavadas e secas pela área; a quantidade e o diâmetro das raízes, classificados com base em Quadros (2000). Foram ainda efetuadas coletas de amostras de água para análise dos parâmetros Turbidez e Sólidos Totais Dissolvidos (STD) em laboratório especializado, de acordo com Standard Methods (2000).

Resultado e discussão

Para o presente estudo foram selecionadas 2 sub-bacias do médio curso do córrego Santa Rita, inseridas em compartimentos de morros e colinas e em um contexto de uso e cobertura da terra predominantemente de pastagem, com pluviosidade média anual em torno de 1.300mm. A Sub-bacia A apresenta um único canal de primeira ordem, com variação considerável da declividade e da vegetação ao longo de seu curso (Quadro 1). O canal encontra-se predominantemente em ambiente de vale não confinado (com planícies extensas), havendo confinamento do vale apenas no seu médio curso. Observa-se nas análises efetuadas em 3 seções do canal embrejado, que a turbidez aumenta para jusante do canal nas duas mensurações efetuadas, enquanto os Sólidos Totais Dissolvidos (SDT) apresentam-se semelhantes nas seções montante (P1) e jusante (P3), reduzindo no trecho central (P2), onde há confinamento do vale. A densidade de raízes apresenta redução também no trecho central de canal embrejado (P2). Os sedimentos fixados nas raízes da vegetação nas 3 seções analisadas são argilosos. Na Sub-bacia B o trecho de canal embrejado analisado está situado no baixo curso da Sub-Bacia, constituindo um trecho do canal de 3ª ordem localizado a jusante de um trecho de canal inciso, conforme classificação de Mello (2006) - Quadro 2. O trecho analisado está inserido em ambiente de vale não confinado, havendo pouca variação na declividade e da vegetação. Observa-se na Sub-bacia B maiores valores de Turbidez e Sólidos Totais Dissolvidos, e um significativo decréscimo da Turbidez para jusante, acompanhado pela redução do SDT. Os altos valores de SDT e Turbidez em P1 indicam um aporte significativo de sedimentos oriundos do trecho a montante, onde o canal fluvial está erodindo seu leito. O declínio expressivo da Turbidez de P1 para P2 indica uma intensa decantação, favorecida pela baixa declividade. O papel da declividade e do encaixamento do canal também pode ser observado na Sub-Bacia A, pois o aumento da declividade entre P1 e P2, onde o canal está encaixado, parece contribuir decisivamente para o aumento da turbidez e a manutenção dos valores de SDT a jusante. A Densidade de Raízes também se mostra importante na retenção de sedimentos em canais embrejados. Documentamos maiores valores de Densidade de Raízes na Sub- bacia B, que se mantêm nas seções analisadas, contrastando com valores menores e com redução para jusante na Sub-bacia A. Estas características da vegetação podem estar associadas às variações na velocidade dos fluxos em ambientes de brejos, como indica o comportamento observado no intervalo entre os pontos P1 e o P2 da Sub-Bacia A, onde a diminuição da Densidade de Raízes acompanha o encaixamento do canal provocado pelo aumento da declividade. Apesar de o estudo encontrar-se em fase inicial, podemos observar, pelo exposto, importantes relações entre as características morfológicas e da vegetação na sedimentação dos canais embrejados analisados. Espera-se alcançar, com a continuidade dos monitoramentos e a ampliação das áreas de estudo, um melhor conhecimento sobre a dinâmica hidrossedimentar nos trechos de canais embrejados situados em diferentes contextos dentro da rede hidrográfica (Brierley & Fryirs, 1999) e em relação aos graus de conectividade lateral e longitudinal (Del Pozo, 2011), de modo a produzir informações que possam auxiliar no direcionamento de ações, projetos e programas de manutenção, recuperação e uso sustentável dos recursos hídricos na região em foco.

Quadro 1

Esquema representativo do canal embrejado de 1ª ordem da Sub-bacia A, tributária do médio curso do córrego Santa Rita, Volta Redonda (RJ), e dados dos parâmetros geomorfológicos, da vegetação e da água analisados nas 3 seções de estudo.

Quadro 2

Esquema representativo do canal embrejado de 3ª ordem da Sub-bacia B, tributária do médio curso do córrego Santa Rita, Volta Redonda (RJ), e dados dos parâmetros geomorfológicos, da vegetação e da água analisados nas 2 seções de estudo.

Conclusões

As análises efetuadas na bacia do córrego Santa Rita, tributária do Médio Vale do Rio Paraíba do Sul, constituem uma primeira aproximação sobre o papel dos canais embrejados na retenção de sedimentos em uma região que tem experimentado profundas transformações nos sistemas de drenagem. Ainda que o monitoramento dos parâmetros hidrológicos e da vegetação estejam em fase inicial, foi possível identificar importantes relações entre os Sólidos Totais Dissolvidos e a Turbidez com as variações na declividade do canal e na Densidade das Raízes da vegetação identificada nos canais embrejados. Com a continuidade do monitoramento serão obtidos dados de vazão e da entrada de sedimentos provenientes das encostas, das variações granulométricas dos sedimentos depositados em diferentes seções dos canais, e também ampliadas as sub- bacias de estudo, visando um melhor entendimento da dinâmica hidrossedimentar de canais embrejados em diferentes contextos nos sistemas de drenagem regionais.

Agradecimentos

Os autores agradecem a colaboração do geógrafo MSc. Fernando Amaro Pessoa nas técnicas de coleta e análise da vegetação, e do geógrafo Ricardo Borges da Silva nos levantamentos de campo. Também agradecemos o apoio da empresa CAF Química, do Rio de Janeiro, que disponibilizou instrumental para as coletas de água e possibilitou a execução das análises de Turbidez e Sólidos Totais Dissolvidos em seu laboratório.

Referências

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