ÍNDICE DE GRADIENTE DE CANAL EM ROCHAS VULCÂNICAS ÁCIDAS: EM BUSCA DOS PADRÕES
Autores
Lima, A. (UNICENTRO) ; Kominecki, A. (UNICENTRO)
Resumo
Identificar padrões de incisão fluvial é útil para identificar anomalias de declividade e sua interpretação geológica. O estudo sobre o índice de gradiente (SL), desenvolvido em três rios que correm sobre rochas vulcânicas ácidas, na Bacia do Paraná, revelou que a tendência de SL rio abaixo (em função de L), em segmentos côncavos, varia no coeficiente de L entre 0,0013 e 0,0028 (R² ≈ 0,9). Esse intervalo é interpretado como indicativo preliminar de um padrão geomorfológico para essas rochas.
Palavras chaves
Índice de gradiente; rochas vulcânicas; erosão fluvial
Introdução
O uso de informações geomorfológicas, sobretudo fluvial, para detecção e entendimento de deformações neotectônicas, tem sido amplo. Desde informações sobre os padrões e anomalias de drenagem (p. ex. Howard, 1964), passando pelas análises dos perfis longitudinais (p. ex. Seeber e Gornitz, 1983), até análises mais elaboradas de modelos de incisão (p. ex. Wipple e Tucker, 1999), a extração de informações tectônicas tem muitos desafios e está sujeita a erros (Wobus et al. 2006; Lima, 2013). Uma das dificuldades é a falta de informação básica sobre a erosão fluvial de longo prazo. Isso é crucial, sobretudo, no caso de rios de leito rochoso, pois são neles que os processos superficiais interagem diretamente com o substrato geológico. Em todas as abordagens a informação neotectônica advém das anomalias. Considerando em termos espaciais, uma anomalia é detectável pelo fato de o comportamento geomorfológico destoar das condições de entorno. Contudo, em se tratando de morfologias do perfil longitudinal de um rio ou do ajuste da geometria hidráulica, uma anomalia somente pode ser identificada se for conhecido o padrão sem interferências tectônicas. Este artigo apresenta alguns resultados preliminares sobre a tentativa de obter o padrão erosivo fluvial em rochas vulcânicas ácidas da Bacia do Paraná, traduzido no índice de gradiente de canal (stream gradient index). Esse índice foi desenvolvido por Hack (1973) e tem sido usado para detecção de deformações neotectônicas em diversos lugares (p. ex. Seeber e Gornitz, 1983; McKeown et al., 1988; Etchebehere et al. 2006), utilizando um conceito arbitrário de anomalia. A área analisada no presente estudo encontra-se no domínio das rochas ácidas Tipo Chapecó, composta por dacitos e riodacitos, da Formação Serra Geral, no centro sul do estado do Paraná.
Material e métodos
Inicialmente selecionou-se a área a partir do mapeamento efetuado por Nardy et al. (2008). Foram extraídos os perfis longitudinais de rios em carta topográfica digital na escala 1: 50.000 (Folha SG 22 V-D-V 3, MI 2852-3). O procedimento foi efetuado em ambiente do Quantum GIS (versão 1.8.0), sendo os dados manipulados em planilha eletrônica. Vários perfis foram extraídos para que, finalmente, fossem selecionados aqueles que apresentassem concavidade desenvolvida e por extensão significativa (> 5 km). A concavidade foi avaliada a partir do perfil convencional. A homogeneidade litológica dos perfis foi conferida em campo.O índice de gradiente (produto da declividade de um trecho, S, pelo comprimento medido da origem do canal até o ponto intermediário do trecho em análise, L) foi calculado baseado no procedimento padrão de Hack (1973) e observando as sugestões feitas por Lima (2013). Para a análise da tendência longitudinal do índice foi usada a plotagem SL x L.
Resultado e discussão
Foram selecionados três perfis longitudinais para esta análise (Figura 1). Os
três rios fluem, de modo geral, para NW e são aproximadamente paralelos entre
si. Em cada um dos perfis ocorre uma zona de ruptura (knickzone) que quebra a
continuidade dos segmentos côncavos desenvolvidos à montante. A natureza dessas
zonas de ruptura ainda não foi investigada. Os levantamentos de campo não
detectaram transições litológicas ao longo desses canais. É mais provável que as
zonas de ruptura sejam resultado de perturbações tectônicas. A partir da carta
topográfica é possível verificar a presença de vários lineamentos estruturais
que cruzam a área, produzindo várias anomalias na drenagem (trechos retilíneos,
alinhamentos de canais, curvas em cotovelo). A concavidade dos segmentos à
montante das zonas de ruptura é variável entre os perfis selecionados. O perfil
do rio Pontão é o mais côncavo, seguido pelo rio Mangueiras e finalizando com o
rio Bracatinga, que se apresenta quase retilíneo. A primeira plotagem do índice
SL foi feita para o perfil integral de cada um dos canais (Figura 2A), incluindo
as zonas de ruptura. Nos rios Pontão e Mangueiras a individualização das zonas
de ruptura é nítida, devido aos valores elevados de SL. No rio Bracatinga a zona
de ruptura aparece com menor expressão. Essa plotagem inicial permite
identificar a tendência positiva-ascendente dos valores de SL e sua consistência
de ajuste no caso dos segmentos côncavos. No rio Pontão o último trecho, a
jusante da zona de ruptura, alinha-se com os trechos anteriores à zona de
ruptura. O mesmo acontece no rio Mangueiras e no rio Bracatinga, com a diferença
que neste último há três trechos à jusante da zona de ruptura. A segunda
plotagem de SL (Figura 2B) é feita eliminando-se as zonas de ruptura. Aos
trechos restantes é ajustada uma linha de tendência. O grau de ajuste é elevado,
como demonstrado pelos coeficientes de determinação (R²). As equações que
definem as linhas de tendência mostram coeficientes de L variáveis de 0,0013 a
0,0028. O menor valor pertence ao perfil do rio Pontão, que apresenta a
concavidade mais desenvolvida, e o maior valor pertence ao rio Bracatinga, com
perfil quase retilíneo. Intermediariamente, tanto em concavidade quanto no valor
do coeficiente (0,0022), está o rio Mangueiras. O elevado ajuste das linhas de
tendência indica que as concavidades formadas por trechos desconectados são
morfologias consistentes, fato já identificado em basaltos (Lima, 2012). Isso
traduz o fato de os trechos de jusante serem esculpidos na mesma litologia que
os trechos de montante, como verificado em campo. Além disso, as zonas de
ruptura representariam ou interferências tectônicas localizadas, como falhas
transversais ao canal, ou trechos transientes produzidos pela migração
remontante a partir de rebaixamento no nível de base (ver, por exemplo, Crosby e
Whipple (2006)).Muitas variáveis podem controlar a concavidade do perfil de um
rio, incluindo o seu comprimento, o relevo disponível, bem como as
características dos sedimentos, em termos de distribuição temporal ou espacial
(Knighton, 1998). No caso dos rios analisados o comprimento e o relevo
disponível são diretamente proporcionais ao grau de concavidade dos perfis
(Figura 1). Relevo e comprimento do canal estão relacionados, respectivamente, à
declividade e à vazão, dois componentes fundamentais da potência do escoamento.
O próprio índice SL é um substituto para a potência do escoamento. Desse modo,
as tendências de SL encontradas representariam as tendências da potência do
escoamento em determinadas condições de relevo e vazão, mas tendo constante o
clima e a litologia. O intervalo estreito dos coeficientes de L nas equações
mostradas na Figura 2B pode representar o intervalo de variabilidade evolutiva
da concavidade dos perfis desenvolvidos sobre as rochas ácidas tipo Chapecó, ou
seja, um padrão geomórfico para incisão fluvial nessas rochas.
Perfis longitudinais dos rios estudados. Escala horizontal em quilômetros e vertical em metros.
Distribuição dos valores de SL plotados contra os valores de L para canais integrais (A) e sem as zonas de ruptura (B).
Conclusões
A busca pelos padrões de incisão, traduzidos no perfil longitudinal dos rios, é importante para a adequada identificação das anomalias de declividade e sua consequente interpretação. O estudo envolvendo a tendência do índice de gradiente (SL), desenvolvido em rios que correm sobre as rochas ácidas tipo Chapecó, na Bacia do Paraná, começa a revelar o padrão erosivo-fluvial para essa litologia. A tendência de SL rio abaixo (em função de L), em segmentos côncavos, mostra uma variação no coeficiente de L entre 0,0013 e 0,0028. Isso indica como ocorre o ajuste da declividade em função do aumento da vazão rio abaixo. Os resultados, contudo, ainda são incipientes. São necessários mais levantamentos em outros canais para que os resultados iniciais possam ser avaliados convenientemente e possa ser confirmado ou não esse padrão.
Agradecimentos
Os autores agradecem a Diego M. Flores, Junior J. Carneiro e Samira F. Fanti, pelo auxílio nos levantamentos de campo.
Referências
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