A IMPORTÂNCIA DE UMA CAVERNA ARENÍTICA PARA A CONSERVAÇÃO DO CERRADO SUDESTE MARANHENSE

Autores

dos Santos Fernandes, B. (IFMA) ; Urbano B. Pinheiro, C. (UFMA) ; Policarpo Costa Neto, J. (UFMA) ; Líbio Caldas dos Santos, C. (UFMA)

Resumo

A caverna “Toca do Inferno”, localizada no município de Barão de Grajaú, Maranhão, representa a maior cavidade natural subterrânea identificada no Estado, um importante abrigo para morcegos e demais animais. Este estudo objetivou caracterizar a caverna e avaliar sua importância para a sustentabilidade do ecossistema. Foram realizadas coletas de dados ambientais, além de inventários biológicos na caverna e no seu entorno.

Palavras chaves

Sustentabilidade; Flora; Morcegos

Introdução

A formação das cavernas é resultado de ações físicas e químicas sobre a rocha. Características relacionadas à extensão, largura, altura de condutos e relações geométricas estão relacionadas às estruturas geológicas existentes nas rochas encaixantes e à dinâmica do fluxo da água que atuou no processo de formação (CARVALHO, 2012). Por apresentar características distintas do meio epígeo, o ambiente subterrâneo exibe particularidades que denotam funções ecológicas, históricas e culturais passíveis de investigação científica. Este ambiente é vulnerável a alterações ambientais por apresentar elevado grau de endemismo, em geral pouco tolerante a fatores de estresse (poluição química e flutuações ambientais), dependência de nutrientes importados do meio externo, e com populações frequentemente pequenas e com baixa capacidade de recuperação, como consequência de suas estratégias de ciclo de vida (BARR & HOLSINGER, 1985; TRAJANO & BICHUETTE, 2006; DONATO & RIBEIRO, 2011). Assim, a conservação das cavernas não pode ser desvinculada do ambiente externo, já que os organismos cavernícolas são em sua maioria dependentes de recursos alóctones como o guano (excremento de morcegos), carcaças, detritos vegetais e raízes (SILVA & FERREIRA, 2009). O município de Barão de Grajaú – MA foi selecionado para a pesquisa por apresentar a maior cavidade natural subterrânea já identificada no Maranhão, a Toca do Inferno, com 151m de desenvolvimento horizontal. Adicionalmente, a cavidade, por ser arenítica, pode ser considerada uma “caverna de morcegos” (bat cave), constituindo importante abrigo para morcegos e demais animais em uma área de cerrado (TRAJANO & MOREIRA, 1991; TRAJANO, 1995). Estas particularidades conferem à cavidade expressivo destaque como um elemento-chave para a sustentabilidade local. Desse modo, o trabalho objetivou caracterizar a caverna “Toca do Inferno” e avaliar a sua importância para a sustentabilidade do ecossistema e seus elementos relacionados à fauna e à flora.

Material e métodos

O município de Barão de Grajaú – MA está localizado na mesorregião Leste Maranhense (MARANHÃO, 2002). Foram realizadas 4 campanhas distribuídas entre 2011 e 2012 em 4 localidades circundantes à caverna. As coletas objetivaram caracterizar a macrofauna associada à caverna e seu entorno, bem como verificar a sua variação sazonal. Na primeira campanha, foram feitas 2 coletas na caverna e 2 nas comunidades (Faveirinha e Urubu). Já na segunda campanha, foi realizada 1 coleta na caverna e 2 nas comunidades (Lajes e Canto do Buriti). Os insetos foram coletados com armadilhas luminosas, das 18:00h às 6:00h totalizando 7 noites. Na caverna as armadilhas foram dispostas em árvores próximas à entrada e nos salões interiores. Nas comunidades as armadilhas foram instaladas no peridomicílio. Os insetos foram armazenados em tubos plásticos para posterior identificação, até o menor nível taxonômico possível. Esta fase foi desenvolvida no Laboratório de Entomologia e Vetores da UFMA. A captura de morcegos foi feita com o auxílio de redes de neblina (12m x 2,5m), armadas ao nível do solo após o crepúsculo. Na caverna, a captura foi realizada utilizando-se 1 rede de neblina, das 18:00h às 20:00h. Já nos povoados, foram utilizadas 6 redes, instaladas das 18:00h às 22:00h, em pares dispostos próximos a abrigos de animais, clareiras e trilhas na vegetação no peridomicílio. A identificação da quiropterofauna foi realizada de acordo com a classificação taxonômica apresentada por Gardner (2007). Os testemunhos das espécies estão guardados na coleção do laboratório, conforme a autorização do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade número 360171. A análise fisionômica do ambiente foi elaborado a partir de uma imagem de satélite Landsat 5/TM correspondente à órbita ponto 219/65. Nesta, foram localizados pontos de coleta dentro no raio de 8km a partir da caverna, abrangendo uma área total de 201,13Km². Concomitante às coletas foram aplicados questionários.

Resultado e discussão

A Toca do Inferno possui litologia arenítica, 15m de largura na entrada e 10m de altura aproximadamente. É composta por 3 salões conectados, sendo de difícil exploração. Foi constatada variação de 7,1°C entre as médias de temperatura de ar considerando todos os espaços e de 13,9°C entre as médias de temperatura de solo. Fora da caverna as temperaturas (de solo e de ar) são mais elevadas devido à incidência dos raios solares; em contraponto, em seu interior a temperatura tende a reduzir. A partir do primeiro salão a temperatura do solo cai, apresentando-se sempre mais baixa do que a temperatura do ar. A diferença entre as médias de temperatura do solo e do ar foi relativamente alta, fora da caverna e nos primeiros salões, porém com tendência ao equilíbrio no final da caverna. No primeiro salão, a diferença foi de 6,3°C, e no último salão, de 1,1°C. Na Toca do Inferno, foram contabilizadas 8 ordens de insetos. Na primeira campanha, foram coletados na entrada da caverna 784 espécimes e 2.363 no interior da cavidade. Já na segunda campanha, o quantitativo reduziu acentuadamente na entrada (255) e aumentou no interior (2.661). A ordem mais representativa nas duas campanhas foi a Diptera (com 5.551 espécimes), provavelmente devido ao método de coleta adotado, que facilita a atração destes pela luminosidade das armadilhas. Dentre os dípteros coletados na cavidade Toca do Inferno e nas comunidades, 67,48% são da família Psychodidae, representados pelos flebótomos, conhecidos popularmente como mosquito-palha, vetores responsáveis pela transmissão da leishmaniose. Ciente disto, a proteção contra impactos à cavidade deve ser uma prioridade, caso contrário, estes possíveis vetores da doença podem se espalhar para as áreas domiciliares e infectar os visitantes e moradores das localidades próximas. A análise da abundância dos dípteros na Toca do Inferno, nos dois períodos do ano, aponta uma diminuição nos povoados e na entrada da caverna durante o período seco. Já dentro da caverna a presença aumentou consideravelmente neste período, fato que pode ser associado principalmente a dois fatores: a diminuição na abundância de morcegos insetívoros no período seco, proporcionando menor predação sobre estes insetos; e uma provável dispersão dos insetos para dentro da caverna, que neste período, apresenta temperatura mais amena e maior umidade relativa do ar em relação ao meio epígeo, fato que revela significativa importância da caverna enquanto abrigo para tais componentes da fauna. Foram registrados 181 morcegos pertencentes a 16 espécies de três famílias (Mormoopidae, Natalidae e Phyllostomidae), representando cinco guildas alimentares (frugívoro, insetívoro, hematófago, nectarívoro e onívoro). Na caverna foram registrados 126 indivíduos de oito espécies e nas comunidades, 55 morcegos de 15 espécies. Do total de indivíduos capturados, 153 indivíduos são pertencentes à primeira campanha (período chuvoso) e 28 à segunda (estiagem). Houve uma diminuição do total de morcegos capturados na segunda campanha. Este fato pode ser relacionado ao período de estiagem, durante o qual as queimadas são mais frequentes, e consequentemente o quantitativo de recursos alimentares para a fauna em geral é reduzido. Provavelmente, a quiropterofauna se dispersou em busca de outros abrigos que lhes proporcionassem oferta de alimento próximo. Na análise fisionômica do ambiente no entorno da caverna, registra-se ainda mais de 50% de cobertura com vegetação de cerrado arbóreo denso (46,53%) e arbóreo aberto (8,02%), números expressivos para condições de cerrado. O entorno da caverna Toca do Inferno é marcado pela prática de queimadas, principalmente, no segundo semestre do ano. Dentre os entrevistados, 59,26% afirmaram realizar queimadas para otimização da lavoura, atividade culturalmente presente no meio rural. O problema evidencia-se, quando por conta de fatores atmosféricos, como a umidade relativa do ar baixa, contribui para o alastramento do fogo.

Conclusões

A caverna Toca do Inferno destaca-se por ser um abrigo estratégico para morcegos e demais animais. Por considerar a caverna uma bat cave, não é aconselhável aos visitantes a exploração completa, principalmente nas zonas mais distantes da entrada, pois a abundância de insetos vetores de doenças, bem com o excesso de guano pode ser prejudicial à saúde dos visitantes. O espeleoturismo não é apropriado nesta cavidade, contudo o turismo científico e atividades no entorno como o turismo contemplativo de cavernas e a prática da observação de voo dos morcegos no crepúsculo pode ser realizada. Para tanto, deve ser priorizado a elaboração de planos de ações conservacionistas que incluam inventários da biodiversidade local, com investigações ampliadas para a zona de transição centro- leste maranhense. Um problema observado foi o não reconhecimento desta caverna, enquanto patrimônio, por parte da população. Desta forma, seria necessário um trabalho de sensibilização conservacionista.

Agradecimentos

Ao Laboratório de Entomologia e Vetores – LEV/UFMA. À Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Maranhão – FAPEMA.

Referências

BARR, T. C; HOLSINGER, J. R. Speciation in cave faunas. Ann. Rev. Ecol. Syst. 16, 313-337p, 1985.
CARVALHO, F. A. O Estado de Conservação do patrimônio Espeleológico Brasileiro. In: CAVALCANTI, L. F. et al (organizadores). Plano de ação nacional para a conservação do patrimônio espeleológico nas áreas cársticas da Bacia do rio São Francisco. Brasília: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Instituto Chico Mendes, 2012. 17-62p. (Série Espécies Ameaçadas nº 27).
DONATO, C. R.; RIBEIRO, A. S. Caracterização dos impactos ambientais de cavernas do município de Laranjeiras, Sergipe. Caminhos de Geografia. Uberlândia, v. 12, n. 40. 243-255p. Dezembro de 2011.
GARDNER, A.L (ed). Mammals of South America: marsupials, xenarthrans, shrews and bats. Volume 1. The University of Chicago Press, Chicago, 2007. 690p.
MARANHÃO. GEPLAN. Atlas do Maranhão. LABGEO – UEMA. São Luís: GEPLAN, 2002. 39p.
SILVA, M. S.; FERREIRA, R. L. Estrutura das comunidades de invertebrados em cinco cavernas insulares e intertidais na costa brasileira. Espeleo-Tema. Campinas, SP. v. 20, n. ½, 25-36p. Dezembro de 2009.
TRAJANO, E.; BICHUETTE, M. E. Biologia Subterrânea: introdução. São Paulo: Redespeleo, 2006. 92p.
TRAJANO, E.; MOREIRA, J. R. A. Estudo da fauna de cavernas da província espeleológica arenítica Altamira-Itaituba, Pará. Revista Brasileira de Biologia. São Paulo, 51 (1): 13-29p. 1991.
TRAJANO, E. Protecting caves for the bats or bats for the caves? Chiroptera Neotropical. 1(2), Dezembro de 1995.


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