O papel da lito-estrutura do carste na morfodinâmica cenozóica da Serra Geral de Goiás (GO/TO/BA): aproximações iniciais

Autores

Cherem, L.F.S. (UFG) ; Varajão, C.A.C. (UFOP)

Resumo

Esse trabalho discute a morfodinâmica de uma borda planalto/chapada, a cuesta denominada S. Geral de Goiás, nordeste do estado, que corresponde ao interflúvio entre as bacias hidrográficas dos rios São Francisco e Tocantins. A região é compartimentada (altimetria, declividade, forma do relevo, drenagem e geologia) e a interpretação inicial permite-nos propor um modelo regional, onde 4 diferentes morfologias dependem do desenvolvimento do relevo cárstico na bacia do Rio Tocantins.

Palavras chaves

Carste; lito-estrutura; escarpa

Introdução

Nas proximidades da coordenada geográfica -47°30’ e -15°30’ localizam-se os interflúvios de três grandes bacias hidrográficas brasileiras: (i) do Rio São Francisco, a leste, (ii) do Rio Paraná, a sudoeste, e (iii) do Rio Tocantins, a noroeste (FIG1A). Na região, a bacia do Rio São Francisco drena sobre terrenos do cráton homônimo (Arenito Urucuia sobre Calcários do Bambuí), a do Rio Paranoá, sobre a Faixa Móvel Brasília, e a do Rio Tocantins, sobre ambas as províncias citadas acima, localmente, sobre calcários, dolomitos, siltitos e folhelhos do Bambuí (FIG1B) [1]. Essa paisagem é dividida em dois compartimentos separados por uma cuesta [2]: a porção superior (Chapadão Central) um remanescente da superfície Sulamericana elaborada sobre os arenitos do Grupo Urucuia, a porção inferior (Vão do Paranã) sendo remanescentes da superfície Velhas elaborados sobre rochas do Grupo Bambui, intercaladas pela zona de dissecação da superfície Sulamericana. Ao longo dessa cuesta são observados diversos morros testemunhos que atestam a favor dessa teoria [3]. No sopé dessa cuesta, ao longo de toda sua extensão, são observados depósitos coluvio-eluvionares predominantemente arenosos gerados pelo desmonte dos arenitos do Grupo Urucuia durante o Cenozoico [3]. Assim, a Serra Geral de Goiás é uma feição cuja evolução se deve, predominantemente, à erosão regressiva. A morfodinâmica de relevos escalonados tem sido objeto de estudo da geomorfologia desde o final do séc. XIX e diversas teorias foram propostas considerando uma conjunção diversa dos fatores que controlam essa dinâmica, principalmente tectonismo e clima. Nesse contexto, insere-se o problema científico foco dessa proposta, que é entender a morfodinâmica da borda planalto/chapada do nordeste de Goiás, ao longo da Serra Geral de Goiás. Nesse sentido, propõe-se a compartimentação da paisagem a partir da análise de mapas base e perfis geológicos dessa borda.

Material e métodos

A metodologia adotada é composta por 4 etapas: (a) compilação da base cartográfica; (b) elaboração dos perfis geológicos ao longo da área de estudo; (c) compartimentação lito-morfológica da área estudada; e (d) interpretação conjunta dos compartimentos. A compilação dos dados foi feita em ambiente SIG, visando projetar os dados em mesmo sistema de coordenadas (SAD69) e categorizados de acordo com a litologia predominante por unidade litológica, a saber: (i) granitoides, (ii) rochas metamórficas do Grupo Paranoá, (iii) siltitos e folhelhos do Grupo Bambuí, (iv) calcários e dolomitos do Grupo Bambuí, (v) arenitos do Grupo Urucuia, e (vi) coberturas detríticas Cenozóicas. Foram utilizadas as folhas SC-22, SC-23, SD-22, SD-23, SE-22 e SE-23 da carta geológica do Brasil de 1:1.000.00 [4] e os modelos digitais de terreno (MDTs) do projeto SRTM 3 [5]. Foram traçados 8 perfis geológicos ao longo dos 350km da Serra Geral de Goiás, tendo cada um deles em torno 90km de extensão e estando homogeneamente distribuídos por toda a extensão. Esses perfis foram gerados automaticamente em SIG e sobre eles foram traçadas as litologia e estrutura principais. Com base nesses perfis, foi gerada a compartimentação da borda planalto/chapada de acordo com a homogeneidade/heterogeneidade das características morfológicas dessas bordas: declividade dos terrenos, altura da escarpa, concordância da escarpa com os arenitos para configurar uma cuesta e rugosidade do relevo. A partir dessa compartimentação, é proposta um modelo morfodinâmico preliminar para explicar a evolução dessa paisagem que divide duas das grandes bacias hidrográficas brasileiras.

Resultado e discussão

Os 8 perfis geológicos traçados ao longo da Serra Geral de Goiás permitiram a compartimentar a borda chapada/planalto em 4 domínios (FIG1). O primeiro domínio (D1) é representado pelos perfis 1 e 2, caracterizados por uma escarpa com 300m de altura, com crista a 900m e base 600m desenvolvida sobre os arenitos do Gr. Urucuia. No reverso da escarpa, localiza-se o Chapadão Central desenvolvido também sobre o arenito. No sopé da escarpa, há um pequeno depósito detríticos seguido por o relevo ondulado (600-400m) desenvolvido sobre calcários/dolomitos do Gr. Bambuí, intensamente fraturado. Após esse relevo erosivo, há um expressivo depósito detríticos que se estende por 20km na cota de 400m. O D2 é representado pelos perfis 3, 4, caracterizados por uma escarpa de 300m de altura, com crista a 1.000m e base a 700m desenvolvida sobre os arenitos do Gr. Urucuia. No reverso da escarpa, localiza-se o Chapadão Central desenvolvido também sobre o arenito. No sopé da escarpa, há um pequeno depósito detríticos seguido por o relevo forte-ondulado (700-450m) desenvolvido sobre siltitos/folhelhos e calcários/dolomitos fraturados do Gr. Bambuí, não havendo depósito detríticos na pequena porção deprimida, na cota 450m. O D3 é representado pelos perfis 5 e 6, caracterizados por uma escarpa pouco marcada na paisagem, escalonando, em coxilhas, as camadas dos arenitos do Gr. Urucuia ao longo de 15 a 25km, com crista a cerca de 1.000m e base a 700m. O perfil 5 se distingue do 6 por parte de sua frente e seu planalto inferior serem drenados por calcários e dolomitos, enquanto no 6, cerca de 20km são drenados, predominantemente, por siltitos/filitos em relevo forte ondulado. No D4 a escarpa localiza-se não nos arenitos, mas sobre os siltitos e folhelhos do Gr. Bambuí e tem 400m de altura, com crista a 1.000m e base a 600m, estando a cerca de 55km de distância dos arenitos do Gr. Urucuia. Nesse compartimento, longo após o sopé da escarpa, existem afloramentos de rochas metamórficas do Gr. Paranoá. Em ambos os perfis, os trechos correspondentes a chapada drenam sobre os siltitos/folhelhos fraturados e os arenitos pelas bacias do Tocantins (Perfil 7) e São Francisco (perfil 8). Essas características mostram intima relação entre a litologia e estrutura com a presença da cuesta da S. Geral de Goiás. Nos domínios D1 e D2, onde a parte deprimida é drenada sobre calcários/dolomitos a escarpa é marcada na paisagem. No D1, onde não há afloramentos de siltitos e folhelhos, o relevo é mais rebaixado, enquanto em D2, onde essas rochas estão presentes, elas servem e nível de base local. No D3, a escarpa não é muito marcada na paisagem sendo a variação altimétrica bem gradual com o escalonamento do relevo, que é recortado pela drenagem. No D4 a escarpa não corresponde a cuesta, mas a uma porção a mais de 50km de distância do limite do Gr. Urucuia. Toda a porção no reverso dessa escarpa tem cotas altimétricas próximas àquelas observadas nos terrenos de arenito, em torno de 950 e 850, respectivamente, havendo, ainda, depósitos detríticos nos topos de morro. Comparando esses domínios, verifica-se uma distinção morfológica nos terrenos da borda planalto/chapada onde os arenitos são contíguos aos calcários/dolomitos e onde aqueles são contíguos a siltitos/folhelhos. Nos primeiros, os processos erosivos desnudaram intensamente os calcários/dolomitos e os arenitos, provavelmente por rebaixamento e recuo, respectivamente, dada a natureza dos processos típicos associados a essas rochas nesses contextos morfológicos (dissolução e movimentos de massa, também respectivamente). Nos segundos terrenos, a inexistência de calcários para dissolução e presença de siltitos/folhelhos, impediu o intenso rebaixamento do nível de base associado à dissolução do calcário e a escarpa manteve-se distante dos arenitos, cujo processo predominante é o rebaixamento e dissecação homogênea do relevo.

FIG1

FIG1 – (A) Mapa altimétrico da região estudada; e (B) perfis geológicos interpretados a partir da base CPRM (2014) em escala cartográfica 1:1.000.000.

Conclusões

Esses resultados deixam clara a importância dos relevos cársticos muito fraturados para formação da S. Geral de Goiás e abertura do Vão. Nesse sentido, a evolução geomorfológica dessa paisagem e formação da provável Superfície Velhas [2, 3] se deve a processos mais complexos que aqueles propostos pelos renomados modelos de superfícies de aplainamento [6], sendo necessário entender a história climática e tectônica da região para, assim, historicizar a morfodinâmica da Serra Geral de Goiás e associá-la a dinâmica do relevo cárstico do Vão do Paranã, bem como a estrutura herdada do Brasiliano. Nisso, verifica-se que a formação e idade das superfícies erosivas brasileiras não podem ser todas agrupadas por níveis altimétrico ou pela morfológia geral, já que a velocidade dos processos formados e, portanto, a idade é diferente em cada porção do território brasileiro. Esse entendimento permitirá que a gestão ambiental da área e compreensão dos processos erosivos acelerados sejam completas.

Agradecimentos

Referências

1- LACERDA FILHO, JV; Mapa Geológico do estado de Goiás e do Distrito Feredal. Ge ologia e Recursos Minerais do Estado de Goiás e do Distrito Federal. Escala 1:500.000. 2ª edição. / organizado [por] LACERDA FILHO, JV; SILVA, ARA, Programa Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil. Goiânia: CPRM/METAGO/UnB, 2000.

2- BRAUN, O.P.G. Contribuição à geomorfologia do Brasil central. Rev.Bras.Geografia, R. de Janeiro, 33 (4):3-34, out./dez., 1971.

3- MAURO, A.C. de; DANTAS, M.; ROSO, F. A. Geomorfologia. In: PROJETO RADAMBRASIL. Folha SD.23. Brasília, Rio de Janeiro, 1982. (Levantamento de Recursos Naturais, 29).

4- CPRM, Geobank. Disponível em:< http://geobank.sa.cprm.gov.br/pls/publico/geobank.download.downloadVetoriais ?p_webmap=N&p_usuario=1> Acessado em: 20 de junho de 2014.

5- WEBER, E.; Hasenack, H.; Ferreira, C.J.S. Adaptação do modelo digital de elevação do SRTM para o sistema de referência oficial brasileiro e recorte por unidade da federação. Porto Alegre, UFRGS Centro de Ecologia. 2004.

6- SALGADO, A. A. R. . Superfícies de Aplainamento: Antigos paradigmas revistos pela ótica dos novos conhecimentos geomorfológicos. Geografias (UFMG), v. 3, p. 64-78, 2007.


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