Fator de assimetria e deformações neotectônicas na Bacia Paraíba, Nordeste do Brasil

Autores

Alves, F.C. (INPE) ; Rossetti, D.F. (INPE) ; Andrades Filho, C.O. (USP) ; Cremon, (INPE)

Resumo

Um número crescente de publicações tem sugerido eventos de reativações tectônicas Cenozóicas na Bacia Paraíba, apesar de sua localização em margem passiva. O objetivo deste estudo é contribuir para ampliar esse registro com o uso do FSTT na caracterização tectônica em dois compartimentos morfologicamente distintos dessa bacia. Para isso, aplicou-se o FSTT a partir de MDE-SRTM. Os resultados sugerem dois estilos de deformações tectônicas nesses compartimentos: rúptil a oeste e dúctil a leste.

Palavras chaves

Sistemas de drenagem; estruturas tectônicas; quaternário

Introdução

A região nordeste do Brasil foi considerada, por muito tempo, como tectonicamente estável desde o final do Mesozóico, dada sua localização na margem passiva da placa Sulamericana. No entanto, é crescente o número de publicações que documentam estruturas tectônicas, como falhas e dobras, em depósitos sedimentares neógenos e quaternários, inclusive holocênicos (p.e., BEZERRA et al., 2001; 2008; BRITO NEVES et al., 2004; 2009; ROSSETTI et al., 2009; 2011). Grande parte desse registro tectônico ocorre na Bacia Paraíba, onde falhas e dobras exercem forte efeito na morfologia e nos sistemas de drenagem, estes últimos sendo particularmente importantes na interpretação de áreas sujeitas a deformações tectônicas. Um método eficaz na análise de efeito tectônico de bacias de drenagem é o Fator de Simetria Topográfica Transversal (FSTT) (COX, 1994), como documentado em publicações prévias (p.e., IBANEZ et al., 2014; JACQUES et al., 2014). A porção norte da Bacia Paraíba no nordeste brasileiro (Fig. 1A) é uma área interessante para se testar a aplicação do FSTT visando detectar efeito tectônico decorrente de esforços distensivos e compressivos desenvolvidos no Quaternário tardio. Isto porque análises prévias indicaram substrato sedimentar homogêneo consistindo em depósitos pleistocênicos tardios e holocênicos designados de Sedimentos Pós-Barreiras (ROSSETTI et al. 2012). Estes ocorrem em dois compartimentos morfológicos, sendo o primeiro, à leste, relacionado a relevo dômico, sugestivo de dobras, e o segundo, a oeste, por relevo suavemente inclinado e escalonado, sugestivo de falhas. Desta forma, o objetivo deste trabalho é aplicar o FSTT em subbacias hidrográficas desses dois compartimentos, visando analisar possíveis efeitos tectônicos no seu desenvolvimento. Adicionalmente, pretende-se avaliar o potencial desse método na discriminação entre relevos quaternários resultantes de deformação rúptil e dúctil, sugeridas pelas respectivas morfologias dos compartimentos supracitados.

Material e métodos

Este trabalho baseou-se em explorar modelo digital de elevação (MDE) com aplicação do FSTT de forma automatizada. Para isto, foi utilizado o MDE-SRTM do Topodata de 30 m de resolução espacial. Inicialmente foi aplicada a operação “burn streams” no MDE-SRTM com o intuito de aprofundar os vales dos rios com base em imagem binária (ND = 0 e 1) da drenagem de referência. Isto permitiu a extração automática da rede de drenagem de áreas planas a partir do aplicativo TecDEM, implementado em ambiente MATLAB (SHAHZAD; GLOAGUEN, 2011). Subbacias de 3ª ordem (STRAHLER, 1957) foram extraídas e utilizadas nesta análise, dada sua distribuição uniforme e, portanto, melhor representatividade na área de estudo. Foram selecionadas 15 subbacias hidrográficas para a aplicação do FSTT (COX, 1994). Este fator quantifica a assimetria de um rio em sua bacia, de acordo com a equação: FSTT = Da/Dd, onde: Da corresponde à distância da linha média do eixo da bacia até o canal principal e Dd equivale à distância da linha do eixo médio da bacia ao seu interflúvio. Valores de FSTT próximos a 0 indicam que não há alteração do perfil topográfico, enquanto a assimetria aumenta à medida que os valores se aproximam de 1. As causas dessas variações podem estar relacionadas à dinâmica natural inerente ao sistema fluvial ou, mais comumente, a fatores tectônicos (p.e., GARROTE et al., 2008). Para todas as subbacias analisadas, o método FSTT foi aplicado ao longo do canal principal em intervalos regulares espaçados a cada 500 m, a fim de se obter amostras com maior representatividade estatística. Este procedimento resultou em um conjunto de vetores, cujas magnitudes e direções de assimetria foram representados em diagramas polares. Com o vetor resultante, foram obtidos os valores médios e de desvio padrão das amostras, o que permitiu a análise da tendência média de direção de migração lateral dos canais fluviais e inferir sobre as direções de basculamentos das subbacias correspondentes.

Resultado e discussão

Os valores médios de FSTT variaram entre 0,02 e 056, com desvios padrões entre 0,08 e 0,38 (Fig.1). Para efeito comparativo, os valores médios de FSTT foram agrupados em três categorias: baixo (≤0,19), moderado (entre 0,19 e 0,23) e alto (≥0,23). FSTT altos foram registrados somente nas subbacias 10 (0,56) e 11 (0,45), localizadas no flanco norte da feição dômica que caracteriza o compartimento leste. Entretanto, é interessante notar que quatro outras subbacias (i.e., 3, 5, 6 e 8) deste compartimento, ainda sob influência da estrutura dômica, apresentaram valores de FSTT moderados. Subbacias localizadas mais distantes do domo (i.e., 1 e 2) tiveram FSTT baixos. No compartimento oeste, valores médios de FSTT alto foram registrados nas subbacias 13 (0,26) e 14 (0,23), embora esses valores estejam abaixo daqueles detectados nas subbacias 10 e 11. A subbacia 15, localizada no extremo norte desse compartimento, teve média baixa (0,08), porém com valores de dispersão elevados, indicado por desvio padrão de 0,33, o que sugere que existem segmentos locais do canal principal com forte assimetria. A análise da direção aproximada de basculamento das subbacias revelou dois conjuntos com padrões de basculamento diferenciados, os quais coincidem com os compartimentos morfológicos leste e oeste. Então, no setor oeste, onde predominam Sedimentos Pós-Barreiras e rochas do embasamento cristalino (Fig. 2A) em relevo plano e progressivamente mais rebaixado para NE (Fig. 2B e C), tem-se subbacias com valores de FSTT mais elevados, sugerindo basculamento para NE (setas na Fig.1). Isso é compatível com falhas de direção NW-SE e mergulho regional para nordeste, como sugerido em publicações prévias nessa região baseadas na integração de dados de campo e de subsuperfície (ANDRADES FILHO, 2010; ROSSETTI et al., 2012). A subbacia 15 teve menor influência desse basculamento, como indicado por FSTT menor, embora suave basculamento para SE seja sugerido para alguns setores pelo desvio padrão elevado. A bacia 7 mostra sentido de migração do canal para SE, o que provavelmente deve-se à influência da feição dômica do compartimento leste adjacente. Em contrapartida, as subbacias da porção leste, dominadas pelos Sedimentos Pós-Barreiras (Fig. 2A), revelaram padrão de basculamento anomolamente mais variável, possivelmente pela influência da feição dômica (Fig. 2B). Esta é caracterizada neste setor por relevo alto e de morfologia levemente convexa (Fig. 2D). É interessante observar que as altitudes do domo são ligeiramente superiores às associadas ao “Domo da Embratel”, localizado a sul da área de estudo (ver Brito Neves et al., 2009) e que foi atribuído a dobramento. Tomando-se por base essa comparação, e considerando que os valores mais elevados de FSTT do compartimento leste ocorrem nas subbacias localizadas próximas ao domo, sugere-se interpretação similar, ou seja que o domo analisado resulta de dobramento. A distribuição aproximadamente radial dos sentidos de basculamentos sugeridos para as subbacias de drenagem sobre ou no entorno desse domo, aliado ao padrão de drenagem levemente recurvado a radial, são compatíveis com a interpretação de que esforços compressivos tenham influenciado o estabelecimento dos elementos da paisagem desta região. Tal interpretação é compatível com o registro crescente de esforços distensivos e compressivos na Bacia Paraíba, revelado por uma abundância de falhas normais e inversas, bem como de dobras anticlinais e sinclinais, em afloramentos de depósitos sedimentares neógenos e quaternários (p.e., ROSSETTI et al., 2009; 2011; BEZERRA et al., 2014).

Figura 1

(A) Localização da área de estudo na Bacia Paraíba, nordeste do Brasil. (B) Subbacias e diagramas polares com valores individuais de FSTT.

Figura 2

(A) Geologia da área de estudo e (B) MDE-SRTM ilustrando os compartimentos de relevo plano inclinado (C1) e dômico (C2). (C-D) Perfis topográficos.

Conclusões

A aplicação do método FSTT na área de estudo é consistente com influência tectônica no desenvolvimento dos sistemas de drenagem e subbacias correspondentes. Adicionalmente, esse método foi eficiente para discriminar áreas sujeitas à atuação conjunta de deformações tectônicas rúpteis e dúcteis nesse relevo quaternário. Assim, esforços distensivos teriam condicionado o relevo escalonado e basculado do compartimento oeste, enquanto, esforços compressivos associados a dobramentos teriam produzido relevo em morfologia dômica no compartimento leste desta porção da Bacia Paraíba.

Agradecimentos

Os autores agradecem à CAPES pela concessão de bolsa de mestrado e doutorado ao primeiro e quarto autor, e à FAPESP, pelo auxílio à bolsa de doutorado ao terceiro autor e pelo financiamento desta pesquisa (# 2012/06010-5).

Referências

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