Movimento de massa e impactos ambientais na rodovia BR-319: Entre o distrito do Careiro da Várzea e Careiro/AM.
Autores
Oliveira, T. (UFAM) ; Cunha, V. (UFAM) ; Rodrigues, R. (UFAM)
Resumo
Este trabalho apresenta discussões referentes aos impactos ambientais identificados a partir da construção da rodovia BR-319 projetada sobre aterros onde as obras de drenagem são insuficientes para eliminar o volume de água dos canais que drenam a rodovia, constituindo o principal mecanismo deflagrador dos movimentos de massa.
Palavras chaves
MOVIMENTO DE MASSA; RODOVIA; IMPACTOS
Introdução
Discorrer sobre diferentes problemas ambientais observados na rodovia BR-319 entre as cidades do distrito do Careiro da Várzea e Careiro numa extensão de 100 quilômetros foi uma das propostas apresentadas nesse trabalho, considerando as dificuldades em encontrar literatura referente à rodovia e aos impactos físicos e sociais existentes no único elo que interliga a cidade de Manaus a rede rodoviária nacional. Sobreposta numa camada de solos de origem sedimentar da Formação Alter do Chão (CPRM, 2006), a construção da estrada utilizou largamente os solos de tal formação para realizar diversos aterros para tornar a rodovia trafegável permanentemente. Esses aterros apresentam vertentes inclinadas submetidas ao processo natural de elevação e descida do nível das águas nas áreas de planícies inundáveis dos rios Solimões e Negro, ocasionando em alguns pontos cicatrizes no topo, resultantes do deslocamento de terra vertente abaixo afetando diretamente a rodovia BR-319. Este processo está intimamente associado a dois principais fatores: a água presente no aterro e a força gravitacional caracterizando movimentos de massa. A erosão dos solos tem causas relacionadas à própria natureza, e também à ação do ser humano (GUERRA; MENDONÇA, 2004, p. 225). Os deslizamentos estão correlacionados aos fenômenos naturais contínuos de dinâmica externa que modelam a paisagem da superfície terrestre (FERNANDES; AMARAL, 2000, p. 124), através da água e do movimento gravitacional, este por sua vez descendente e fora da encosta remove material na ausência da água corrente tida como um agente de transporte (FERNANDES et al, 2001, p. 52). Estes mecanismos podem ser desencadeados através do processo dinâmico recorrente em vertentes pela interação de diferentes fatores endógenos tais como solo e a inclinação da vertente e fatores exógenos como variáveis climáticas e fatores antrópicos (BISPO; ALMEIDA; VALERIANO; MEDEIROS; CREPANI, 2009, p. 3584).
Material e métodos
A identificação das feições ocorreu durante as atividades de campo realizadas em 2014, que tiveram por objetivo a complementação do levantamento das características gerais da área de estudo e reconhecimento de feições e processos erosivos. O trecho analisado está situado entre as cidades do distrito do Careiro da Várzea e Castanho em um percurso de 100 quilômetros. No trabalho de campo foi utilizado um aparelho de localização GPS Global Position System map76CSx Garmin para identificar as coordenadas que as feições se encontravam; trena de alcance de 3 metros para inferir medições. O mapa da área de estudo foi elaborado através do software Quantun GIS versão 1.8, com bases provenientes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e da Agência Nacional de Águas – ANA, Sistema de Coordenadas Geográfica e Datum WGS 84 e imagens Shuttle Radar Topography Mission SRTM.
Resultado e discussão
As unidades de relevo da rodovia BR-319, nos 100 quilômetros iniciais de acordo
com a CPRM são: planície fluvial, terraços indivisos e interflúvios tabulares.
Terrenos predominantemente de idade mesozóica da Formação Alter do Chão
originada de depósitos sedimentares formados por sedimentos arenosos e argilosos
incosolidados a semiconsolidados reapresentam a morfologia de superfícies
tabulares e colinosas (CPRM, 2006, p. 83-87; UFAM, 2009, p. 75).
Observa-se por meio do mapa altimétrico (fig. 1), pouca rugosidade do relevo,
caracterizando por baixas altitude se constituindo por várzeas. No percurso
foram identificados cinco locais que apresentavam movimento de massa.
As feições observadas em trabalho de campo ao longo da rodovia se caracterizam
em movimentos gravitacionais genericamente denominados de rastejo, resultante de
dois agentes naturais: a gravidade e a água (COELHO NETTO, 1998, p. 93), atuando
numa superfície antropizada no ato da construção da rodovia.
Grande parte dos movimentos de massa ocorrem nas encostas, em particular aquelas
constituídas de aterros. De início as obras provocaram mudanças na faixa que
constitui a rodovia, caracterizada pela área de desmatamento, além disso, foram
realizadas aberturas de caixas de empréstimo e escavações para retirar material
de aterro (VEJA, 1969, p. 24-25), para elevar o nível da pista.
Este quadro erosivo proporciona a movimentação de material por rastejo. Sobre
este assunto, Fernandes (2000, p. 130) menciona que os movimentos gravitacionais
denominados genericamente de rastejo, caracterizam uma transição para o
escorregamento.
Outras formas de movimentos identificados, foram os escorregamentos rotacionais
do tipo slumps que “possuem uma ruptura curva, côncava para cima, ao longo da
qual se dá um movimento rotacional da massa de solo em camadas de solo espesso e
homogêneo” resultando em escarpas no topo e fendas transversais no material
mobilizado (FERNANDES; AMARAL, 2000, p. 138-139; MOLINARI, 2010, p. 96).
O aterro consiste numa encosta retilínea onde ocorre o processo de movimento de
massa, apresentando feições no todo semelhante ao formando de um anfiteatro.
Os poros permitem o movimento dos fluxos em todas as direções e o fluxo em
subsuperfície se caracteriza pela percolação da água no pacote de solo (COELHO
NETTO, 1998, p. 115-118). Para Guerra (1998, p. 172), movimentação da água em
subsuperfície e o resultado de diferenças potenciais de migração de líquidos, “o
potencial é dado por desníveis altimetricos entre as zonas de saturação, e a
resistência ao movimento da água é dada pela estrutura porosa”.
Um dos processos identificados nos levantamentos de campo está associado à
infiltração de água no pacote de aterro que ocorre de duas maneiras distintas: o
primeiro vertical no momento das precipitações pluviométricas ocasionando o
escoamento superficial e a infiltração-percolação subsuperficial este último de
forma vertical ou paralelo a superfície. O segundo e referente à infiltração-
percolação de água no pacote de solo, ocorre de forma horizontal em decorrência
da pressão da coluna d’água exercida sobre a face da vertente ocasionando uma
percolação ou fluxo subsuperficial throughflow, conforme a figura 2. Ocorrendo
aumento e diminuição sazonal da pressão na face da vertente.
Os terrenos situados nas margens dos rios apresentam maior propensão para
alagamentos, uma vez que toda bacia de drenagem é integrada, à formação de
grandes áreas de floresta alagada, “com freqüência, processos erosivos ocorrem
em conjunto com alagamentos de áreas marginais a estrada (...) [ocasionando]
sérios danos a estrada” (UFAM, 2009, p. 107-108).
Nesse princípio de deslocamento de massa vertente abaixo é possível identificar
o escorregamento rotacional e o rastejo notados pela inclinação dos postes no
terreno e pelo aparecimento de fissuras que antecedem os escorregamentos
rotacionais (MOLINARI, 2007, p. 69; MOLINARI, 2010, p. 92.
Mapa Altimétrico da rodovia BR-319 e pontos de erosão identificados.
Esquema representativo do processo de movimento de massa demonstrando o nível da água no terreno. (org) Thiago Neto.
Conclusões
Diversas atividades humanas, na superfície terrestre, causam algum tipo de modificação na paisagem local, um dos elementos mais alterados é o relevo (GUERRA; MARÇAL, 2006, p. 47). Os problemas apresentados na rodovia BR-319 foram apontados por Freire (1985, p. 77) que já argumentava que o “processo de erosão a que está submetida à rodovia, já havia sido previsto no início de sua construção” e estão a ocorrer até os dias atuais comprometendo o tráfego de veículos e causando possíveis riscos de acidentes. Neste contexto, é válido ressaltar, que os diversos impactos causados pelas obras de construção da rodovia tanto pela escavação e colocação de manilhas, acarretaram impactos negativos e positivos. Estes impactos constituem mudanças na fisionomia e na dinâmica existente, porém os lagos resultantes das escavações possuem diversas finalidades econômicas e rentáveis aos moradores das margens da BR-319.
Agradecimentos
Ao Luiz Neto pelo apoio é paciência durante as atividades de campo; Aos professores Dr. Ricardo Nogueira e Dr.ª Adoréa Rebello pelo apoio e orientações durante as pesquisas. A Yanna D’angelis pela formatação das imagens.
Referências
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