EMPREGO DA GEOMORFOMETRIA NA CLASSIFICAÇÃO DE FORMAS DO RELEVO NO ESTADO DO PARANÁ

Autores

Silveira, C.T. (UFPR) ; Silveira, R.M.P. (UFPR)

Resumo

O presente trabalho aplica a proposta de classificação hierárquica de formas do relevo de Hammond (1964) e Dikau (1991) no estado do Paraná, Brasil, apoiada na análise digital do terreno com a combinação de atributos topográficos derivados do Modelo Digital de Elevação (MDE) SRTM90. Os resultados destacaram a potencialidade da classificação em distinguir unidades morfológicas por níveis de dissecação do relevo, sendo uma alternativa viável para subsidiar trabalhos de cartografia geomorfológica.

Palavras chaves

análise digital do terren; cartografia geomorfológic; MDE SRTM90

Introdução

O desenvolvimento das geotecnologias nas últimas décadas, inseridas no contexto da análise digital do relevo em ambiente de Sistemas de Informações Geográficas (SIGs), configura um cenário favorável para a aplicação de técnicas paramétricas que objetivam a mensuração, identificação e classificação de feições e unidades do relevo a partir de Modelos Digitais de Elevação (MDEs), que podem contribuir significativamente e dar suporte em trabalhos de cartografia geomorfológica. A geomorfometria, definida como a ciência da análise quantitativa da superfície terrestre (PIKE, 2000), tem como enfoque a extração de medidas descritivas (parâmetros) e feições da superfície (objetos) (MARK e SMITH, 2004; WILSON, 2012). A descrição numérica da geometria da superfície, associada à relação entre topografia, processo e forma, possibilita a criação de um conjunto consistente de regras para a delimitação de unidades do relevo (ROMSTAD, 2001). Diversos autores apontam as vantagens da classificação geomorfológica digital (MACMILLAN et al., 2000; ROMSTAD, 2001; DRAGUT e BLASCHKE, 2006), sobretudo em função da redução da subjetividade na classificação manual, facilidade na comparação dos resultados derivados de diferentes conjuntos de dados e da redução do tempo de delineação das unidades. Nesse contexto, o objetivo do trabalho é empregar a geomorfometria na classificação de formas do relevo no estado do Paraná, amparado na proposição de Dikau (1991) e Hammond (1964).

Material e métodos

A classificação de formas do relevo proposta por Hammond (1964), adaptada e aplicada em ambiente informatizado por Dikau (1991), apoiada em técnicas geomorfométricas, consiste numa classificação em três níveis hierárquicos resultante da combinação de atributos topográficos calculados de um MDE a partir de janelas móveis definidas. Os atributos topográficos utilizados foram: a) declividade, com a porcentagem relativa de áreas definidas por um valor limítrofe de declive; b) gradiente altimétrico, que expressa a diferença entre a elevação máxima e a mínima; c) predomínio de áreas planas, com a porcentagem relativa de áreas planas ou declives suaves, conforme valor limítrofe da declividade, que ocorrem nas porções altas e baixas do relevo, com base no valor mediano do gradiente altimétrico. O cálculo da declividade seguiu algoritmo proposto por Horn (1981), que considera variáveis direcionais das células de uma janela 3x3. Os atributos topográficos foram discretizados: a declividade em quatro classes, o gradiente altimétrico em seis e o predomínio de áreas planas em quatro classes. A combinação deles por álgebra de mapas resultou em 96 classes possíveis (3ª nível hierárquico), agrupadas em 16 classes (mapa de classes de relevo, 2º nível), e estas, por sua vez, agrupadas em 5 classes (mapa de tipos de relevo, 1º nível). Fez-se uso dos dados SRTM90 v2, adotando-os como o MDE de referência, cujas etapas de processamento e parametrização foram realizadas com auxílio do software ArcGIS 10. A janela adotada por Hammond (1964) foi de 9,65km x 9,65km, enquanto Dikau (1991) definiu uma janela de 9,8km x 9,8km. Dadas as características do MDE SRTM, com resolução de 90 metros, foram modelados três cenários: a) mantendo a proposta original (9,63 x 9,63km, que representam 107x107 pixels); b) metade do tamanho da janela (4,77 x 4,77km ou 53x53 pixels) e; c) a quarta parte da janela original (2,43 x 2,43km ou 27x27 pixels), a fim de avaliar o efeito do detalhamento na classificação.

Resultado e discussão

As seis classificações obtidas, com três tamanhos de janelas amostrais para os dois primeiros níveis hierárquicos, demonstraram que a determinação das janelas afeta diretamente o produto final. As figuras 1 e 2 demonstram os resultados para os dois primeiros níveis hierárquicos (classes de formas de relevo e tipos de forma do relevo). Quanto menor o tamanho da janela móvel utilizada para o cálculo de predomínio das variáveis geomorfométricas, maior é o nível de detalhamento da classificação. A opção pela escolha da área amostral, portanto, está diretamente relacionada ao fator de escala pretendido para a representação do produto final e também às feições de interesse a serem mapeadas. As diferenças nos resultados obtidos com a variação da janela móvel apontam que, dentre as três áreas amostrais testadas, a janela de 53x53 pixels (4,7km x 4,7km) foi a mais representativa, tendo como critérios a escala utilizada como referência, a qualidade e resolução do MDE e o conhecimento geomorfológico prévio evidenciado por trabalhos anteriores. A classificação obtida distinguiu áreas homogêneas e evidenciou diferenças do terreno de acordo com os parâmetros preestabelecidos. Esses resultados não configuram um mapa geomorfológico, mas sim de uma classificação amparada em intervalos morfométricos que, preliminarmente, oferece subsídios para a compreensão do relevo sob a perspectiva morfológica. A desvantagem desse método de classificação é a contemplação de áreas amostrais de distintos ambientes como de mesmo conjunto. Desse modo, unidades inseridas em contextos geomorfológicos distintos são agrupadas na mesma classe, devido às similaridades geomorfométricas. Exemplo disso ocorre na região da Serra do Mar, composta por relevo com alta dissecação, que em termos morfogenéticos é completamente distinta da região próxima ao município de Guarapuava, no entanto ambas são agrupadas na mesma classe. Apesar da equivalência em aspectos paramétricos, o primeiro caso está inserido no contexto dos derrames basálticos do Terceiro Planalto, enquanto o segundo corresponde ao embasamento cristalino com intrusões graníticas da Serra do Mar, com as maiores amplitudes altimétricas do estado. Destaca-se também que a diversidade de unidades obtidas nas classificações denotou a limitação da proposta na etapa de qualificação dos resultados obtidos em distintas áreas. A nomenclatura para os tipos e classes de relevo (1ª e 2ª ordem, respectivamente, na tríade hierárquica), conforme a proposta original, se mostraram pouco representativas para a extensão da área de estudo. As classes podem variar de dissecado para plano em um mesmo ponto analisado nas três janelas amostrais testadas. As unidades realçam importantes feições do relevo, destacando-se: a) separação de unidades por altitude relativa; b) contato entre o Segundo e o Terceiro Planalto; c) feições características do relevo suave ondulado do noroeste do estado; d) principais picos da Serra do Mar; e) áreas de relevo com forte dissecação, como a região do Vale do Ribeira e a região do município de Guarapuava; f) classes mais detalhadas que permitem a identificação de feições menores realçadas em áreas de maior homogeneidade. A discussão sobre a sensibilidade do método frente aos parâmetros de entrada denota a necessidade de embasar a escolha dos mesmos visando pormenorizar a elucidação dos erros e acertos da classificação. Referente à influência do tamanho do pixel (resolução horizontal) nos resultados obtidos, destaca-se a importância em considerar a variedade da base de dados de origem e sua escala, bem como o método adotado para obtenção dos MDEs e resolução da grade. Somado a isso, o cálculo das variáveis direcionais, sejam primárias ou secundárias, também variam conforme as especificidades do MDE e, concomitantemente, conforme algoritmo empregado e tamanho da janela para o cálculo de determinado atributo topográfico.

Figura1

Classificação dos Tipos de Formas de Relevo correspondente ao 1° nível hierarquico: A) janela 107x107, B) janela 53x53 e C) janela 27x27

Figura2

Classificação das Classes de Forma de Relevo correspondente ao 2° nível hierárquico: A) janela 107x107, B) janela 53x53 e C) janela 27x27

Conclusões

A aplicação da geomorfometria na classificação de formas de relevo mostrou-se eficiente e com potencial de emprego para auxiliar em trabalho de cartografia geomorfológica, pois possibilita a identificação de unidades com padrões de formas de relevo para etapas preliminares de controle de campo. O objetivo da classificação deve condizer com a escolha da janela móvel adotada, a resolução do MDE e a escala da base de dados utilizada. Embora o método tenha potencialidade para identificar feições de relevo com maior detalhe, sua aplicação é dependente de parâmetros mutuamente compatíveis e da inclusão de outros atributos topográficos e critérios de particionamento dos mesmos. Este trabalho tem caráter introdutório e metodológico, ainda com muitas lacunas para aplicações posteriores e trabalhos futuros na temática da modelagem digital do terreno que subsidiem a construção de mapas geomorfológicos.

Agradecimentos

À equipe de trabalho do grupo LAGEO (Laboratório de Pesquisas Aplicadas em Geomorfologia e Geotecnologias - UFPR)

Referências

ROMSTAD, B. Improving relief classification with contextual merging. Proceedings of ScanGIS'2001 — The 8th Scandinavian Research Conference on Geographical Information Science. Ås, Norway, p. 3–13, 2001.

MACMILLAN, R. A.; PETTAPIECE, W. W.; NOLAN, S. C.; GODDARD, T. W. A generic procedure for automatically segmenting landforms into landform elements using DEMs, heuristic rules and fuzzy logic. Fuzzy Sets and Systems 113, 81–109, 2000.

DRAGUT, L; BLASCHKE, T. Automated classification of landform elements using object-based image analysis. Geomorphology 81, 330–344, 2006.

DIKAU, R.; BRABB, E. E.; MARK, R. M. Landform Classification of New Mexico by Computer. Open File report 91-634. U.S. Geological Survey, 1991.

HAMMOND, E. H. Analysis of properties in land form geography: an application to broad-scale land form mapping. Annals of the Association of American Geographers 54, 11–19. 1964.

HORN, B. K. P. Hill shading and the reflectance map. Proceedings of the IEEE, n. 69, v.01, p. 14-47, 1981.

MARK, D. M.; SMITH, B. A science of topography: from qualitative ontology to digital representations. In: BISHOP, M. P.; SHRODER, J. F. (Eds.). Geographic Information Science and Mountain Geomorphology. Springer–Praxis, Chichester, England, pp. 75–97, 2004.

PIKE, R. J. Geomorphometry: diversity in quantitative surface analysis. Progress in Physical Geography 24 (1), 1–20, 2000.

WILSON, J. P. Digital terrain modelling. Geomorphology 137, p.107–121, 2012.


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