MAPEAMENTO ETNOGEOMORFOLÓGICO DO DISTRITO DE ARAJARA, BARBALHA/CE

Autores

Carvalho Neta, M.L. (URCA) ; Ribeiro, S.C. (URCA) ; Marçal, M.S. (UFRJ) ; Lima, G.G. (URCA)

Resumo

A Etnogeomorfologia é um campo de pesquisa novo que aborda como as formas de relevo e seus processos são compreendidos pelas populações tradicionais, assim como de que forma utilizam estes saberes no uso/manejo do solo. Neste trabalho, produzimos um mapa de unidades etnogeomorfológicas baseado em dados obtidos através de entrevistas e organizadas de forma a se identificar as unidades de relevo (re)conhecidas por comunidades rurais do distrito de Arajara, município de Barbalha, sul cearense.

Palavras chaves

ETNOGEOMORFOLOGIA; MANEJO DO SOLO; CARIRI CEARENSE

Introdução

A compreensão do conhecimento tradicional que as populações têm sobre o meio ambiente vem sendo vista como essencial na compreensão das realidades ambientais locais das pessoas, especialmente dos agricultores e pecuaristas, sendo crucial para o potencial sucesso ou fracasso de qualquer tipo de desenvolvimento baseado nestas atividades, pois pode ser considerada como ponto de partida para uma parceria mais efetiva entre produtores rurais e técnicos agrícolas. Para Leff (2009, p. 106), há uma estreita e específica relação entre o estilo de cada grupo étnico e cultural com a constituição físico-biológica de seu meio ambiente, “pelo condicionamento que este impõe à estruturação de uma formação cultural (desenvolvimento técnico, divisão do trabalho, organização produtiva)”. Partindo destas premissas, Ribeiro (2012) propôs focar seus trabalhos sobre dinâmica geomórfica do semiárido nordestino baseando-se no conhecimento tradicional de comunidades sertanejas acerca das formas de relevo e seus processos morfoesculturadores, originando os estudos de Etnogeomorfologia Sertaneja, ora utilizados como base conceitual da pesquisa. Como afirma Ribeiro (2012, p. 411) a Etnogeomorfologia pode ser definida como uma “ciência híbrida, que estuda o conhecimento que uma comunidade tem acerca dos processos geomorfológicos, levando em consideração os saberes sobre a natureza e os valores da cultura e da tradição locais, sendo a base antropológica da utilização das formas de relevo por dada cultura.” Neste trabalho, buscamos produzir um mapeamento de unidades de relevo sob o ponto de vista etnogeomorfológico das comunidades rurais do distrito de Arajara, município de Barbalha, sul cearense. Este corte espacial deve-se às características geoambientais deste distrito e a seu uso do solo, essencialmente rural, com propriedades apresentando-se como minifúndios, onde predomina a agricultura tradicional, com mão-de-obra familiar, típica do sertão nordestino.

Material e métodos

A metodologia ora utilizada baseia-se em observações de campo diretas e intensivas e extensas entrevistas não estruturadas com os produtores rurais sertanejos (31 no total) com ampla experiência na relação com a terra, nos sítios Farias, Santo Antônio, Boa Esperança, Tabuleiro e Coité. Os entrevistados foram escolhidos aleatoriamente tendo como pré-requisito a necessidade de serem agricultores rurais familiares. Identificou-se grande regularidade nas respostas havendo apenas uma diminuição da precisão dos relatos diretamente proporcional à diminuição da faixa etária do entrevistado, demonstrando que os saberes etnogeomorfológicos dos produtores rurais são extremamente similares e nos fez optar por enfatizarmos mais o tempo de entrevista que a quantidade destas, a fim de pormenorizarmos ao máximo este etnoconhecimentos. Após pré-análise das respostas, formulou-se um quadro onde estas foram confrontadas de acordo com seu conteúdo, e pôde-se chegar a um diagnóstico acerca do etnoconhecimentos das comunidades sobre relevo e seus processos, e seu emprego no manejo do solo. Este quadro produziu uma visualização mais nítida da classificação do relevo local feita pelos produtores rurais, assim como da relação que eles fazem entre estes compartimentos morfológicos, os tipos de solos e as formas de uso destes. Baseado nisso, foram traçados perfis topográficos de todas as espaços focados (sítios), assim como um perfil geral que identifica os compartimentos morfológicos do distrito, através da ferramenta 3D Path Profile/Line of Sight do software Global Mapper 7 em imagem SRTM da área. Nestes perfis, e em especial no perfil geral, pode-se traçar de forma nítida, a classificação etnogeomorfológica sertaneja, de acordo com os saberes dos entrevistados. A partir desta compartimentação etnogeomorfológica feita nos perfis topográficos, foi produzido o Mapa de Unidades Etnogeomorfológicas, ampliando a classificação de cada unidade às áreas geomorfologicamente idênticas.

Resultado e discussão

As entrevistas demonstraram que os produtores rurais de Arajara não apresentaram observações mais pormenorizadas sobre as formas de relevo, fazendo distinção apenas entre quatro unidades gerais da paisagem local, representadas esquematicamente em perfil (figura 1) e mapeadas (figura 2): “Chapada”, “Sentada da Serra” ou “Serra” – topo da chapada do Araripe, plana e revestida de “mata”, com solos arenoso; “Talhado” – escarpa abrupta, com quase 90 graus de declividade, onde as rochas ficam aparentes; “Pé-de-Serra”, encosta da chapada onde se desenvolvem platôs ligeiramente inclinados em direção ao vale do rio Salamanca; “Baixio”, os médio e baixo cursos do vale do rio Salamanca e seus terraços, onde as declividades são baixas e se acumula o material vindo da encosta. Os processos modeladores do relevo – erosão e movimentos gravitacionais de massa – estão presentes na área em estudo e são amplamente conhecidos pelos entrevistados, os quais os detalham de forma pormenorizada, desde a erosão laminar até os escorregamentos e corridas de detritos. Eles correlacionam a erosão com os solos “fracos” (arenosos e de baixa fertilidade) e sem cobertura vegetal, e os movimentos gravitacionais de massa com a declividade. Já em relação aos diferentes tipos de solos, os produtores rurais tem uma classificação mais complexa, baseada principalmente, na textura e na fertilidade: Areia ou Terra Ariúça/Ariúsca – solos arenosos (“macios”, “menos ligados”), mais fáceis de trabalhar, mas com baixa fertilidade (“terra fraca”), que precisa de adição de insumos, sendo o esterco o mais comum, mas também sendo utilizados adubos industrializados. Localizam-se nos interflúvios (“terras mais altas”), sendo os únicos encontrados no topo da chapada do Araripe. Usada para plantio de várias culturas, sendo a de bananeira utilizada para “segurar a terra”, pois são muito friáveis (“fofinhas”). Barro Preto – só encontrados em pequenas extensões, são os melhores solos para plantio, pois apresentam textura intermediária entre areia e argila, e altíssima fertilidade. Barro Vermelho – muito argilosos, férteis, mas bastante difíceis para trabalhar, por causa de sua pegajosidade (“atoleiro”) na época de chuvas. Ocorrem nas áreas mais baixas (“baixios”) da paisagem, e são bastante utilizadas para cultivos de cana-de-açúcar e banana. Brejo – solos com alto teor de umidade (“terra fria”, “que não resseca”), localizadas nas áreas próximos aos rios e riachos, onde a água fica acumulada. O manejo do solo praticado se baseia principalmente em dois pontos: a fertilidade dos solos e a declividade do terreno, uma vez que compreendem a relação entre infiltração/escoamento superficial com estas características. Em terras com declives, não são plantadas culturas de ciclo curto, pois suas raízes não tem competência suficiente para segurar a terra em épocas de chuva. Também não plantam nos “brejos” sem organizar as “leiras”, pequenas elevações no terreno, compostas de camadas de mato e terra, que elevam as superfícies para plantio a fim de não haver encharcamento das culturas quando o nível de água se elevar, nas épocas de chuvas. A colocação de mato tem dupla função: adubar e fixar as camadas de terra. Dentre as práticas de manejo mais comuns estão a rotação de terras e de culturas (para descansar a terra e recuperá-la) e adubação, tanto natural, com esterco, como com aditivos químicos industriais. O cultivo em curvas de nível também é praticado, com a finalidade de diminuir a velocidade das águas das chuvas e impedir o desenvolvimento de “valetas” ou “buracos”(microrravinas), que se não forem cuidadas, podem se transformar em “grotas” (ravinas e voçorocas).Os movimentos gravitacionais de massa são compreendidos pelos entrevistados como consequência do “amolecimento” da terra pela ação da chuva. Segundo eles, estes processos ocorrem mais facilmente em áreas sem vegetação, e quanto maior a declividade, mais rápidos eles são.

Figura 1: Perfil etnogeomorfológico do distrito de Arajara



Figura 2: Mapa de Unidades Etnogeomorfológicas do Distrito de Arajara



Conclusões

Os processos geomórficos externos, principais fatores modeladores da paisagem do sertão são bastante reconhecidos pelas comunidades rurais, que lidam com a terra em seu dia-a-dia produtivo, além de terem toda uma taxonomia local, sabendo identifica-los, nomeá-los, relacionando-os com suas cicatrizes. Assim, pode-se considerar que produtores rurais do sertão tem vasto conhecimento sobre seu ambiente, dominando um sistema próprio de estratificação destes. Em relação aos seus sistemas de produção, reconhecem o melhor ambiente (a terra, a umidade), combinam atividades e elencam o conjunto de práticas que permitem a reprodução social e material de suas famílias. Desta forma, compreendendo-se a “etnogeomorfologia sertaneja”, poder-se-á contribuir de forma efetiva para melhorias no planejamento das áreas produtivas rurais, uma vez que haverá um maior entendimento da lógica como os principais agentes modificadores destas paisagens – os produtores rurais – atuam sobre elas.

Agradecimentos

Agradecemos à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP, pelo financiamento da pesquisa da qual extraímos o presente trabalho. E ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, pelo apoio à produção da base teórica aqui implementada, na forma de bolsa de doutoramento da coordenadora do projeto.

Referências

FUNCEME. Zoneamento geoambiental do estado do Ceará: parte II Mesorregião do Sul Cearense. Fortaleza: 2006.
LEFF, E. Ecologia, capital e cultura – a territorialização da racionalidade ambiental. Petrópolis,/RJ: Vozes, 2009. 439 p.
RIBEIRO, S.C. Etnogeomorfologia sertaneja: proposta metodológica para a classificação das paisagens da sub-bacia do rio Salgado/CE. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGG, 2012. 278 p.


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