Morfometria do relevo como subsídio para a análise da desertificação na Bacia Hidrográfica Vaza-Barris-BA
Autores
Rios, I.Q. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA) ; Vale, R.M.C. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA)
Resumo
Os parâmetros morfométricos do relevo podem elucidar questões acerca da dinâmica erosiva, enquanto processos geomórficos correlatos, e apontar setores mais vulneráveis aos fluxos superficiais, ao assoreamento dos leitos de drenagem, e à pedimentação. Nesta pesquisa objetivou-se analisá-los e inferir sobre a correlação entre a dinâmica plúvio-fluvial e a morfogênese, como subsídio para a avaliação da desertificação, uma vez que esse processo implica em forte remoção das coberturas superficiais.
Palavras chaves
Modelo Digital do Terreno; Morfogênese; Sistemas Geomorfológicos
Introdução
Um bom passo para se entender as problemáticas que envolvem o processo de desertificação no semiárido é usar as bases da Geografia no tocante às relações entre a natureza e a sociedade. Da mesma forma, utilizar como recorte espacial a bacia hidrográfica, direciona para uma análise conjunta dos elementos que compõe esta unidade do espaço geográfico. Além disso, as bacias hidrográficas têm sido utilizadas como unidade de gestão do espaço, sobretudo em relação aos recursos hídricos. De acordo com o Artigo 1º da CCD “desertification means land degradation in arid, semi-arid and dry sub-humid areas resulting from various factors, including climatic variations and human activities” (1994, p. 04). Discutir desertificação é, portanto, estar na fronteira dos debates socioeconômicos e geoambientais e, esse viés, é fundamental e coerente com a múltipla natureza dos processos humanos e ecológicos envolvidos. Nessa pesquisa busca-se analisar os parâmetros morfométricos do relevo da Bacia Hidrográfica Vaza-Barris (BHVB), os quais deverão possibilitar inferir sobre a relação entre a dinâmica plúvio-fluvial e a morfogênese, como suporte para a análise do processo de desertificação. As premissas dessa análise estão baseadas no potencial erosivo proporcionado pelos fluxos torrenciais sazonais que atingem a região e mobilizam expressivo volume de sedimentos. Neste caso, as áreas atingidas perdem as formações superficiais, tornando-se paulatinamente mais expostas à radiação solar direta, e geram “chãos pedregosos” de baixa produtividade (AB’SABER, 1977), que conduzem à degradação aguda e à desertificação.
Material e métodos
Para alcançar os objetivos traçados foi necessária revisão bibliográfica sobre a temática a fim de fortalecer o arcabouço teórico e técnico para, por um lado, se apropriar do conhecimento de programas computacionais aplicados à análise do relevo e da bacia hidrográfica, e, por outro, alcançar melhor consistência conceitual quanto à desertificação. Num segundo momento, foi adquirido o Modelo Digital de Terreno (MDT-SRTM/NASA), a partir do ASTER GDEM, com resolução espacial de 30m, das folhas SC-24-V-D, SC-24-X-C, SC-24-Y-B e SC-24-Z-A. Após criar o mosaico, a drenagem foi extraída e delimitada a poligonal da bacia hidrográfica, usando a ferramenta basin, na extensão Hydrology, do software ArcGis 10. Esta poligonal foi recortada utilizando o mesmo software, e sobre ela foram geradas as variáveis morfométricas do relevo — altimetria, relevo sombreado e declividade — para análise das suas influências na dinâmica erosiva do escoamento superficial fluvial e pluvial.
Resultado e discussão
Inserida em região suscetível à desertificação (PAN-BRASIL, 2005 e VALE, 2010),
a BHVB está localizada no nordeste da Bahia, entre as coordenadas 39º46’12’’ e
37º46’15’’ W e 09º36’36’’ e 10º45’43’’ S e engloba total e/ou parcialmente 14
municípios. Encontra-se sob a ação predominante de clima semiárido e árido, com
forte intermitência hidrográfica e incidência de secas acima de 60% (AB’SABER,
1974), que engendraram bases econômicas sustentadas na pecuária extensiva. A
baixa oferta hídrica junto à dificuldade de acesso à água por meio de captação
subterrânea desestimula, ou até impede o desenvolvimento da agricultura, a não
ser a produção de sequeiro. Os processos de desertificação operantes na região
estão relacionados ou derivam desse contexto socioambiental.
A BHVB está inserida em duas unidades de relevo: Tabuleiro Sedimentar Tucano,
disposto na porção central da bacia, sobre conglomerados, arenitos e folhelhos
Cretáceos, cortado transversalmente pelo rio Vaza-Barris, e Depressões
Periféricas e Interplanálticas que bordejam o tabuleiro, desenvolvida sobre
rochas ígneas e metamórficas Arqueanas e Proterozóicas (BAHIA, 1978). A borda
leste desse tabuleiro apresenta feições mamelonizadas relacionadas às maiores
precipitações que incidem nesse setor (600 a 900 mm). As áreas de maior
altitude (779 - 926 m) distribuem-se sobre os tabuleiros e, de modo pontual, no
conjunto de serras lineares residuais em Uauá e Monte Santo, à sotavento dos
tabuleiros. As menores altitudes (112 - 220 m) encontram-se no baixo curso do
Vaza-Barris, sobre os aplanamentos embutidos e pedimentos que formam a
depressão, constituindo uma zona de agradação, que recebe forte aporte de
sedimentos provenientes de montante e, principalmente, das encostas dos
tabuleiros. Sobre os mesmos desenvolvem-se NEOSSOLOS QUARTZARÊNICOS friáveis
(SRH, 2003).
O relevo sombreado é uma variável morfométrica que permite identificar de forma
mais realçada a rugosidade da superfície. Observam-se feições tabulares, bem
como, o alinhamento do relevo, representado por serras longitudinais, derivadas
do controle estrutural de falhas. Nota-se também a existência de vales
estreitos, profundos e encaixados, nos tabuleiros, demonstrando o grande
potencial erosivo da rede de drenagem na evolução das encostas e bordas,
relacionado, provavelmente à episódios páleoerosivos.
A influência do relevo nos processos de erosão é dada principalmente através da
declividade e do comprimento das vertentes. Vitte e Mello (2007) destacam que
encostas íngremes facilitam a erosão, na medida em que aumentam o escoamento
superficial e o transporte de material detrítico. Na BHVB as maiores
declividades concentram-se nas bordas dos tabuleiros e serras — entre 37 e 80%,
muito íngremes, estando condicionadas a falhas, e têm tais características
reforçadas pelo constante recuo paralelo das encostas. Esta dinâmica gera o
desenvolvimento de tálus e pedimentos, conferindo uma grande amplitude entre os
níveis altimétricos da depressão e dos topos. Com declividade de 0 a 2%, as
superfícies pedimentadas apontam a abrangência das depressões, rompidas somente
nas bordas dos relevos alçados. Na análise da dinâmica morfogenética da bacia
verifica-se a formação de planícies aluviais na sua parte central ao longo do
rio principal, que exibe terrenos planos e vales abertos e de fundo chatos.
Considerando esta dinâmica e a erosão dos solos a ela associada, um indicador
importante no estudo do processo de desertificação (Matallo Junior, 2001),
verifica-se que, os tabuleiros encontram-se mais vulneráveis a perdas do manto
intempérico-pedológico, devido às maiores altitudes e declividades, e solos
friáveis. Esse processo provoca a retirada da camada superficial do solo, na
qual se encontra a maior concentração de nutrientes e elementos necessários para
o desenvolvimento de coberturas vegetais, expondo o solo à radiação e
evaporação.
Mapa de declividade e municípios da Bacia Hidrográfica do Rio Vaza-Barris
Mapa de altimetria da Bacia Hidrográfica do Rio Vaza-Barris
Conclusões
Evidenciou-se a partir da análise morfométrica a heterogeneidade das formas de relevo e da dinâmica morfogenética. Este caráter é reflexo dos condicionantes litoestruturais das rochas subjacentes, onde, sobre o substrato Pré-Câmbrico de constituição ígnea dobrada e fraturada se desenvolveram relevos rebaixados e horizontalizados por processos de pediplanação derivados de climas secos. Predominam processos de degradação nos tabuleiros, devido à altimetria, à declividade, e aos solos friáveis. Existe grande vulnerabilidade dos solos à erosão relacionada ao maior uso das terras na depressão e bordas mamelonizadas no setor de barlavento dos tabuleiros. As áreas de agradação estendem-se sobre superfícies planas e baixas (de 0 a 6% e altimetria até 461m) — pedimentos e planícies aluviais — as quais recebem continuamente sedimentos trazidos dos interflúvios (703 - 926 m).
Agradecimentos
Aos colegas e professores do Grupo de Pesquisa Natureza Sociedade e Ordenamento Territorial (GEONAT), principalmente a minha orientadora, Profª. Raquel Vale, por ter proporcionado a estruturação e amadurecimento dos meus conhecimentos, cujas orientações me ajudaram na produção desse trabalho. À Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) por disponibilizar e conceder a bolsa PROBIC, incitando o desenvolvimento da pesquisa.
Referências
AB’SABER, Aziz Nacib. O domínio morfoclimático semi-árido das caatingas brasileiras. Geomorfologia, n. 43. 1974.
AB'SABER, Aziz Nacib. Problemática da desertificação e da savanização no Brasil intertropical. São Paulo: Instituto de Geografia da USP, 1977. (Geomorfologia, 53)
BAHIA. CEPLAB. Mapa Geomorfológico do Estado da Bahia. Salvador: CEPLAB, 1980. Escala 1:1.000.000.
BAHIA. SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOREFERENCIADAS – SIG-BAHIA. Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos –SIRH. Salvador: Superintendência de Recursos Hídricos, 2003. 2 CD – Rom.
BAHIA. Mapa Geológico do Estado da Bahia. Secretaria das Minas e Energia - Coordenação da Produção Mineral - Projeto Radam-Brasil, 1978.
MATALLO JUNIOR, Heitor. Indicadores de desertificação: histórico e perspectivas. Brasília: UNESCO, 2001.
UNCCD. United Nations Convention to Combat Desertification in those countries experiencing serious drought and/or desertification, particularly in Africa. 12 September, 1994.
VALE, Raquel M. C., et al. Degradação ambiental e processos de desertificação no Estado da Bahia: relatório técnico para convênio Universidade Estadual de Feira de Santana / Raquel de Matos C. do Vale [et al.]. Salvador: INGÁ, 2010.
VITTE, Antônio Carlos; MELLO, Juliano Pereira de. Considerações sobre a erodibilidade dos solos e a erosividade das chuvas e suas consequências na morfogênese das vertentes: um balanço bibliográfico. In: Climatologia e estudos da paisagem. Rio Claro - Vol 2 - n.2 - Julho/Dezembro/2007, p. 107.