Radar de Penetração do Solo (GPR) aplicado a geomorfologia costeira: potencialidades e limitações

Autores

Fernandez, G.B. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE) ; Rocha, T.B. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO)

Resumo

O objetivo do presente artigo é demonstrar aplicações do GPR em feições costeiras, como cristas de praia, dunas frontais e lagoas, destacando as etapas de aquisição, processamento e interpretação. O método é uma poderosa ferramenta para identificação de arquitetura deposicional, morfoestratigrafia e investigação Quaternária. Porém é recomendável associação a outros métodos e boa compreensão dos processos geomorfológicos e dos ambientes deposicionais, aliando geomorfologia, geologia e geofísica.

Palavras chaves

Radarfácies; Arquitetura deposicional; Geofísica

Introdução

A geomorfologia enquanto ciência que investiga as formas de relevo e seus processos associados tem se aliado aos métodos geofísicos nas ultimas décadas, com intuito de investigar a arquitetura interna das feições, bem como espessura das camadas e o reconhecimento de registros erosivos e deposicionais, conforme apontam Schrott e Sass (2008) e Van Dam (2012). Dentre estes métodos geofísicos, destaca-se o Radar de Penetração do Solo (GPR) que utiliza ondas eletromagnéticas de alta frequência. A velocidade de propagação da onda eletromagnética e a reflexão do sinal GPR são alteradas na medida em que as camadas deposicionais vão apresentando mudanças no conteúdo de água, na granulometria, no tipo de sedimento e na orientação dos acamadamentos. Consequentemente, o lençol freático, as estruturas sedimentares e os contatos litológicos tendem a ser bem visíveis, o que torna o método uma poderosa ferramenta de investigação aplicada à sedimentologia e geomorfologia. Especificamente na geomorfologia costeira, o GPR tem sido utilizado majoritariamente na investigação Quaternária de planícies, com enfoque em barreiras costeiras. Com menos ocorrência, o método também tem sido aplicado na investigação de eventos extremos (Bakker et al., 2012), desenvolvimento de dunas frontais (Bristow et al., 2000), reativações de campos de dunas (Girardi e Davis, 2010) e determinação de volume sedimentar (Dicknson et al., 2009). No Brasil, o uso do GPR pode ser verificado principalmente em planícies costeiras da região Sul e mais eventualmente na costa do Nordeste e Sudeste, como podem ser citados Caldas et al. (2006), Barboza et al. (2009), Silva (2011), Dillenburg et al. (2011), Barboza et al. (2013), Rocha et al. (2013). Nesse sentido, o objetivo do presente artigo é demonstrar aplicações do GPR em feições costeiras, como cristas de praia, dunas frontais e lagoas, destacando as etapas de aquisição, processamento e interpretação, bem como as limitações e potencialidades.

Material e métodos

Os dados de GPR foram obtidos em feições costeiras do litoral do Rio de Janeiro em ambiente praial, lagunar, eólico e de planície de cristas de praia, refletindo num esforço de coleta de dados desde o ano de 2011. Nesta etapa de aquisição de dados, foram utilizadas antenas nas frequências de 80 MHz, 200 MHz e 400 MHz para adquirir informações em linhas transversais à linha de costa. O modo de aquisição utilizado para investigação de arquitetura sedimentar foi o Common-offset, que consiste em uma única antena para transmissão e recepção do pulso eletromagnético. Devido à propagação de ondas laterais, o tempo entre a transmissão, reflexão e recepção (TWT), cuja mensuração é obtida em nanosegundos, pode não refletir a profundidade real. Para obter um correto perfil de velocidade e estabelecer a correção da profundidade, foram adquiridos perfis em modo Common mid- point (CMP), com duas antenas separadas, de frequência de 80 MHz. Simultaneamente às aquisições de radar, a topografia foi realizada com Estação Total e as cotas altimétricas estabelecidas com DGPS. O processamento dos dados foi realizado no programa RADAN 6.6 que oferece uma interface prática, considerando as propriedades geofísicas dos respectivos dados. Foram utilizadas ferramentas capazes de melhorar os dados coletados ou mesmo retirar sinais que significaram ruídos e não representaram informações do ambiente deposicional. Em geral essas técnicas abordam a aplicação de ganho, filtros, deconvolução para retirada de múltiplas e migração para remover difrações.A interpretação dos dados foi obtida a partir da descrição das radarfácies, considerando a morfologia, mergulho, continuidade, terminação e a relação entre os refletores adjacentes, conforme descritos por Neal (2004). Também foram identificadas as superfícies de radar, que limitam as camadas deposicionais e contatos erosivos. A interpretação e a produção das figuras finais foram realizadas no programa CorelDRAW X5.

Resultado e discussão

No caso das dunas frontais, a linha foi obtida com antena de 400 MHz, o que garantiu uma penetração de cerca de 5m de profundidade, fortemente controlada pelo lençol freático com presença de sal devido à proximidade com a praia. Devido a morfologia da duna, o controle topográfico é bastante relevante para a interpretação das radarfácies. A arquitetura deposicional reflete uma composição de radarfácies eólicas, representadas por f2a, f2b, f2c e f2d (figura 1). A radarfácie f2a possui refletores de baixa amplitude, geometria côncavo-convexo, e foi interpretada como acumulação biotopográfica, associada à acresção que ocorre ao redor da vegetação fixada na planície de deflação e na duna (Bristow et al., 2000). A radarfácie f2b, interpretada como face de avalanche, possui refletores inclinados, alto ângulo e mergulho em direção ao continente. Ela é formada pela deposição na face à sotavento, representando a face de migração da duna. A radarfácie f2c possui refletores sub-horizontais e inclinados que se cruzam, interpretada como estratificação cruzada. São estruturas comuns em dunas e representam mudanças na direção do agente de transporte. A radarfácie f2d, interpretada como face de acresção, possui refletores com média continuidade e mergulho em direção ao mar. À medida que a vegetação se desenvolve em direção à praia ocorre uma acresção deposicional com estratos que mergulham em direção ao mar (Bristow et al., 2000). No caso das cristas de praia, a antena de 200 MHz permitiu uma profundidade de penetração de cerca de 8m, considerando o ajuste do CMP, onde o perfil de velocidade variou entre 0,15 até 0,6 m/ns. A radarfácie f3, interpretada como capeamento eólico, apresenta boa continuidade, geometria de refletores sub- paralelo à curvado (figura 2A). A radarfácie f1 é definida por refletores contínuos, geometria subparalela e inclinada com significativo gradiente e mergulho em direção ao mar, representando os elementos morfológicos de berma e face de praia (zona de estirâncio). A radarfácie f4 foi interpretada como sendo de antepraia superior, compondo refletores pouco contínuos, com padrão côncavo- convexo que é resultado da migração de barras na zona submarina (Tamura et al. 2008). A radarfácie f5 compreende refletores contínuos, com geometria de subparalela à curvada com baixo gradiente, sendo interpretada como de ambiente de antepraia inferior. Estas radarfácies compõem uma sequência regressiva de barreira costeira (Roy et al. 1994), cuja configuração representa a progradação da linha de costa, onde cada crista representa uma paleopraia. Nas lagoas costeiras, devido ao espelho d’água, a linha GPR foi obtida sobre o esporão lagunar utilizando antena de 400 MHz. Este esporão apresenta cerca de 3m de espessura, sendo delimitado abaixo pela sedimentação lagunar, representado pela atenuação do sinal de GPR (f9). Na barreira frontal, a parte voltada para o mar também sofre atenuação devido à lavagem das ondas e a penetração do sal (figura 2B). O esporão aparece como produto da progradação das radarfácies oriundas do retrabalhamento das bordas interna e externa da lagoa, com mergulho em direção ao mar (f7b) e em direção ao continente (f7a) respectivamente, além de radarfácies de agradação (f7c). Um dos mecanismos que pode estar relacionado ao início do desenvolvimento do esporão é a transposição pela ação das ondas que, sob efeito de tempestade, alcança o reverso da barreira e a margem da lagoa sob a forma de leques de transposição (f6a e f6b). Estes útimos são importantes indicadores de retrogradação da barreira frontal que, por sua vez, explica a forma truncada da lagoa (figura 2B). A segmentação de lagoas costeiras pela evolução de esporões foi inicialmente descrito por Zenkovitch (1959) que, à medida que a barreira frontal retrograda, o corpo lagunar torna-se mais estreito, assumindo uma geometria propícia ao desenvolvimento de esporões por correntes internas da lagoa.

Figura 1

Perfil de GPR sobre as dunas frontais, na praia do Peró (Cabo Frio, RJ)

Figura 2

Perfis de GPR sobre ambiente de cristas de praia e lagunar (Quissamã, RJ)

Conclusões

Para uma melhor aquisição e interpretação dos dados GPR são necessários um mapeamento geomorfológico prévio, preferencialmente em escala de detalhe, e um mínimo de informações sobre as características dos materiais em subsuperfície, já que isto influencia a escolha da antena a ser utilizada. A presença da lama abaixo do esporão lagunar e do lençol salino nas dunas frontais limita a penetração do sinal de radar nos primeiros 4m de profundidade, tornando a antena de 400 MHz ideal para a aquisição. Também é recomendável combinar outros métodos de investigação, como sondagem, descrição e análise sedimentar. Especificamente para a interpretação dos dados de GPR são necessários uma boa compreensão dos processos geomorfológicos e dos ambientes deposicionais, aliando geomorfologia, geologia e geofísica. Nesse sentido, este método é considerado atualmente uma poderosa ferramenta para identificação de arquitetura deposicional, morfoestratigrafia e modelos geomorfológicos.

Agradecimentos

Referências

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