Alterações geomorfológicas no Pontal da Trincheira, Sudoeste da Ilha Comprida (SP)

Autores

Souza, T.A. (UNICAMP) ; Oliveira, R.C. (UNICAMP)

Resumo

O Pontal da Trincheira, Sudoeste da Ilha Comprida, é área adjacente à desembocadura lagunar de Cananeia, o que permite que a influência da dinâmica marinha e da dinâmica lagunar na modificação do relevo desta área. Este trabalho tem como objetivo analisar as alterações do relevo no Pontal da Trincheira entre os anos de 1962 e 2012, através de cartas geomorfológicas de detalhe, elaboradas em escala 1:10.000.

Palavras chaves

Ilha Comprida; Pontal da Trincheira; Mapeamento Geomorfológico

Introdução

A Ilha Comprida, localizada no litoral Sul paulista, está inserida no Complexo Estuarino Lagunar de Cananeia-Iguape-Paranaguá. O Pontal da Trincheira e a Ponta da Praia são as extremidades da Ilha e áreas adjacentes, respectivamente, às desembocaduras lagunares de Cananeia e de Icapara, o que permite que tanto a dinâmica marinha como a dinâmica lagunar influenciem na modificação do relevo destas áreas. Com relação ao Pontal da Trincheira, extremidade Sudoeste da Ilha Comprida, é possível afirmar que os estudos que englobam este setor estão ligados, sobretudo, a pesquisas gerais sobre o desenvolvimento e funcionamento da Desembocadura Lagunar de Cananeia (ou Barra de Cananeia), como os trabalhos realizados por Sadowsky (1952, 1953, 1954) e Tessler et al. (1990). Portanto, estudos sobre as características geomorfológicas podem complementar as análises realizadas em décadas anteriores. Desta forma, este trabalho tem como objetivo analisar as alterações do relevo no Pontal da Trincheira entre os anos de 1962 e 2012, através de cartas geomorfológicas de detalhe, elaboradas em escala 1:10.000.

Material e métodos

A proposta da Cartografia Geomorfológica de Detalhe de Tricart (1965) apresenta dados de quatro naturezas: Morfometria – dados de cartas topográficas (curvas de nível, drenagens); Morfografia – representação das formas do relevo através de símbolos, que indicam os processos responsáveis pela origem destas formas; Morfogênese – a gênese das formas do relevo deve estar representada de forma compreensível; Cronologia – é o elemento que mais varia de uma região para outra, e os dados devem permitir a associação entre as formas do relevo mais antigas e as que estão em processo de formação. Para a realização deste trabalho foram utilizados como materiais: pares estereoscópicos de fotografias aéreas, em escala original 1:25.000, para os anos de 1962 e 1972; pares estereoscópicos de fotografias aéreas, em escala original 1:35.000, para o cenário de 1981; fotografias aéreas sem estereoscopia, para o ano de 2000, em escala original 1:35.000; imagem orbital do satélite Worldview- 2, em escala original 1:15.000, para o ano de 2012. Para a preparação do mapeamento geomorfológico de detalhe em séries temporais, as fotografias aéreas com estereoscopia (1962, 1972, 1981) foram digitalizadas, e através dos procedimentos propostos por Souza e Oliveira (2012) foram elaboradas imagens tridimensionais com uso do aplicativo StereoPhoto Maker. Em seguida, ocorreu o georeferenciamento destas imagens em três dimensões com o auxílio da Base Cartográfica em escala 1:10.000, e as formas do relevo foram identificadas com o uso de óculos 3D comum. A cartografia geomorfológica para o ano 2000 se deu através da interpretação visual de fotografias aéreas sem estereoscopia. No cenário mais recente (2012), a identificação das formas do relevo se deu diretamente sobre a imagem orbital.

Resultado e discussão

A observação em séries temporais (Figura 1) mostra uma grande dinâmica na ponta Sudoeste da Ilha, sobretudo na Acumulação Marinha Atual (Am) e no contato desta com as Acumulações de Terraços Marinhos Nível I (Atm I) e Nível II (Atm II). A linha de costa ora apresenta-se em progradação, ora encontra-se em erosão, sobretudo na Ponta da Trincheira e no Pontal. Com o uso da ferramenta Measure (software ArcGIS), a distância da Am no setor central, para 1962, é de 70 a 80 m, e para 1972, alguns trechos tinham largura de até 100 m. Em 1962, na Ponta da Trincheira, a Am exibia largura de 242 m e no Pontal, 401 m. Para o cenário seguinte, a Am na Ponta da Trincheira e no Pontal mediram, respectivamente, 123 e 207 m. Para 1981, observa-se o surgimento de lagoas temporárias. A Am apresentou comprimento entre 30 e 100 m, estreitando-se na parte central. A distância entre o terraço marinho e a linha de costa, na Ponta da Trincheira, variou de 250 a 280 m, e no Pontal, a extensão ficou entre 220 e 320 m. Para 2000, a Ponta da Trincheira aparece com largura inferior a 30 m, e a Am, cerca de 50 m no setor mais central. Já o Pontal, em seu maior perfil longitudinal, tem mais de 600 m, e é banhado por uma lagoa temporária. Para 2012, a proeminência e a lagoa desaparecem no Pontal, e a extensão da Am é em torno de 80 m. No centro, a Am mede entre 33 e 40 m, e na Ponta da Trincheira, o terraço marinho de nível II entra em contato direto com as águas da Barra de Cananeia. A Ponta Sudoeste da Ilha Comprida não sofre pressões humanas impactantes, e as modificações neste setor estão ligadas, sobretudo, a ações naturais de correntes de marés, ondas e tempestades. Para Sadowsky (1952), as modificações no Pontal da Trincheira podem estar associadas à extensão do canal de entrada da Barra de Cananeia, que em seu ponto de menor extensão mede cerca de 1 km. Este canal seria relativamente estreito, o que pode ocasionar durante as corridas de maré num maior movimento das águas, provocando desgaste mais intenso na Ilha Comprida. Outra hipótese é que a erosão no Pontal da Trincheira se deve à diminuição da “atividade auxiliar” nas Barras de Ararapira e Icapara, em razão do surgimento constante de bancos de sedimentos no fundo dos canais lagunares, que se tornam obstáculo para o escoamento das águas. Sadowsky (1952) associou os processos erosivos ocorridos no Pontal da Trincheira grandes tempestades ocorridas no mês de Maio de 1952, sendo o desgaste erosivo que se sucedeu nos meses seguintes consequente da ação das vagas durante as tempestades. Tessler et al. (1990) afirmam que as variações no Pontal da Trincheira estão relacionadas com o padrão de circulação costeira das águas marinhas, como as correntes de maré, a direção S-SE e E das ondas e as correntes de deriva litorânea. As correntes de maré vazante predominam sobre as de maré enchente na Barra de Cananeia. Como reflexo, tem-se uma avanço contínuo da Ponta da Trincheira. A Ponta da Trincheira é local de encontro da maré vazante originária do Mar de Cananeia com a maré vazante oriunda da Baía de Trapandé, antes de se encaminhar pela Barra de Cananeia rumo ao Oceano (TESSLER et al., 1990). Segundo Tessler et. al. (1990), a retenção de água por eventos climáticos nos canais lagunares podem resultar no rompimento deste pontal arenoso durante a vazante subsequente. Para Tessler et. al. (1990), os sedimentos de fundo retrabalhados pelas águas marinhas na entrada da desembocadura lagunar de Cananeia são capturados pelas correntes de deriva litorânea, com sentido predominante NE, e movimentados ao longo da Praia de Fora, na Ilha Comprida. Os autores afirmam também que “a carga de sedimentos arenosos ao longo da Praia de Fora da Ilha Comprida é também alimentada pelos sedimentos erodidos da própria margem da ilha, no canal de acesso ao sistema lagunar que, carreados pelas correntes de vazante, fazem progradar a ponta S da ilha, denominada Pontal de Fora” (TESLLER et. al.,1990, p.28).

Figura 1

Alterações na configuração do Pontal da Trincheira nos anos de 1962, 1972, 1981, 2000 e 2012. Elaboração: SOUZA. T. A. (2014).

Conclusões

O Pontal da Trincheira apresenta dinâmica do relevo associada à atuação de ondas, correntes de marés e tempestades. Nesta extremidade da Ilha Comprida não há pressão humana intensa, o que significa que predominam processos naturais na configuração geomorfológica. Por se tratar de uma área costeira e de se localizar na desembocadura lagunar de Cananeia, há uma grande variação da linha de costa ao longo dos cenários temporais analisados. Grandes alterações se dão Acumulação Marinha Atual, que se encontra em contato imediato com as águas marinhas e lagunares. Os mapas geomorfológicos em séries temporais sobre a área de estudo possibilitam o estudo das alterações do relevo da área, e complementam os estudos geológicos e oceanográficos realizados em décadas anteriores para a área.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, pelo financiamento desta pesquisa (Processo nº 2011/09859-9).

Referências

SADOWSKY, V. Observações sobre as modificações em curso na entrada de Cananéia, de sua barra e da região adjacente – I. Desgaste das costas. Nº. 1 – Ponta da Trincheira (1952). Boletim do Instituto Oceanográfico, São Paulo, v.3, n.1-2, Jun./Dez. 1952.
______________. Modificações em curso na entrada da barra de Cananéia. Boletim do Instituto Oceanográfico, São Paulo, v.4, n.1-2, Jun./Dez. 1953.
______________. Novas contribuições ao estudo da entrada da barra de Cananéia. Boletim do Instituto Oceanográfico, São Paulo, v.5, n. 1-2, 1954.
SOUZA, T. A.; OLIVEIRA, Regina Célia de. Avaliação da potencialidade de imagens tridimensionais em meio digital para o mapeamento geomorfológico. Revista Geonorte, Edição Especial, v.2, n.4, p.1348-1355, 2012.
TESSLER, M. G. et. al. Evolução temporal e espacial da desembocadura lagunar de Cananéia (SP). Boletim do Instituto Oceanográfico, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 23-29, 1990.
TRICART, J. Principes et méthodes de la géomorphologie. Paris: Masson, 1965.


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