RELAÇÃO DA EVOLUÇÃO DA PLATAFORMA SUL-AMERICANA COM O PLANALTO RESIDUAL DE MARÍLIA: DATAÇÃO POR TRAÇOS DE FISSÃO NOS MINERAIS ZIRCÃO E APATITA DA FORMAÇÃO MARÍLIA (GRUPO BAURU)

Autores

Santos, C. (UFMT-RONDONÓPOLIS) ; Nunes, J.O. (FCT/UNESP) ; Tello, C. (FCT/UNESP)

Resumo

O Planalto Residual de Marília localiza-se na Bacia do Paraná. É sustentado pelos arenitos da Formação Marília (Grupo Bauru). Da datação de 110 grãos de zircão e 59 de apatita pelo Método de Traços de Fissão, obteve-se idades que variaram de 640 a 70 Ma. A partir delas permitiu-se excluir atividades termo-tectônicas superiores a 120ºC por no mínimo 1 Ma no planalto, sendo, portanto, idades correspondentes às áreas-fontes de sedimentos e que refletem a estruturação da Plataforma Sul- Americana.

Palavras chaves

Marília-SP; Traços de Fissão; Plataforma Sul-Americana

Introdução

O Planalto Residual de Marília (ROSS e MOROZ, 1997) é uma sub-unidade do Planalto Ocidental Paulista. Constitui um fragmento representativo dos altiplanos centro-ocidentais do território paulista, sustentado pelos arenitos da Formação Marília (Grupo Bauru – Cretáceo Superior), colocado além do reverso imediato da cuesta arenito-basáltica regional (Serra de Botucatu e suas ramificações) (ARAÚJO FILHO e AB’SABER, 1969). As alternâncias climáticas ocorridas ao longo do Cenozoico permitiram a gênese de um planalto residual com bordas escarpadas e festonadas. Devido às suas formas peculiares de relevo, quando comparadas com seu entorno imediato (Planalto Centro Ocidental), e no seu destaque isolado na paisagem, é que se objetivou a verificação da ocorrência de eventos termo-tectônicos na área de estudo que tivessem contribuído para sua gênese e evolução. Para tanto, utilizou-se da datação, via Método de Traços de Fissão, de grãos de zircão e apatita obtidos da Formação Marília. Esse método permite análises termocronológicas em virtude do comportamento dos traços estarem relacionados com o par temperatura/tempo geológico.

Material e métodos

Foram datados 110 grãos de zircão e 59 de apatita através do Método de Traços de Fissão, que se fundamenta na análise quantitativa de perturbações no retículo cristalino de alguns minerais provocados pela fissão espontânea do isótopo 238U, que ocorre durante o tempo geológico. Essas perturbações ocorrem por repulsão coulombiana dos átomos ionizados do retículo cristalino devido à passagem dos fragmentos de fissão, dando origem a uma zona desarranjada: o traço de fissão. Eles possuem susceptibilidade térmica, ou seja, são reversíveis e podem se realocarem se passarem por algum tipo de evento térmico (annealing) (TELLO et al, 2006). As idades nesses minerais referem-se ao último evento térmico que causou annealing total (apagamento por completo) dos traços de fissão, o que ocorre a 320ºC no zircão (YAMADA et al, 1995) e 120ºC (GALLAGHER et al, 1998) na apatita. Os procedimentos operacionais para obtenção dos resultados foram: 1)Coleta de três amostras; 2)Separação dos grãos: britagem manual, peneiramento, separação por densidade em mesa vibratória, separação magnética, separação por densidade em líquido denso e separação manual com auxílio de um estéreo-microscópio e uma ponta fina; 3)Montagem em Teflon® PFA (resina perfluoroalcóixido) para zircão e resina epóxi para apatitas; 4)Lixamento e polimento; 5)Ataque químico com uma mistura de NaOH:KOH (1:1) a 225 ± 2oC (TAGAMI et al, 1996) para zircão, que variaram de 4 a 18 horas. As apatitas foram imersas em HNO3 5% a 20oC no banho termostático (TELLO et al., 2003); 6)Método do detector externo (MDE), o qual se sobrepõe aos grãos uma lâmina de mica muscovita; 7)Irradiação em reator nuclear com nêutrons térmicos com uma fluência nominal de 5X1015 nêutrons/cm2 nos zircões e 5X1016 nas apatitas; 8)O cálculo da idade foi feito com os dados de densidade de traços fósseis e induzidos grão a grão utilizando-se a equação de Iunes et al (2002). A análise dos resultados foi baseada em revisões bibliográficas.

Resultado e discussão

Os resultados obtidos foram organizados em histogramas individuais referentes a cada ponto de coleta, exceto as apatitas, que contem grãos das três amostras (Figura 1). Verifica-se nos histogramas uma semelhança na variação no espectro das idades: entre 640 e 70 Ma nos zircões e 489 e 71 Ma entre as apatitas. Permite-se, assim, excluir ocorrências de eventos termo-tectônicos na área do Planalto Residual de Marília. Mesmo havendo idades compatíveis com a idade estratigráfica da Formação Marília (Maastrichtiano), o pouco número de grãos impossibilita uma conclusão sobre a ocorrência desses eventos. Dessa forma, os resultados obtidos confirmam dados da literatura, como em Batezelli (1998), sobre diferentes áreas de rochas-fontes para a Formação Marília. Agrupou-se os dados obtidos em zircões e apatitas num histograma geral (Figura 2), para uma melhor visão de conjunto das idades para a Formação Marília no planalto estudado. Ao observar o histograma geral, chama-se a atenção para a variabilidade de idades, indicando, assim, uma variação de rochas-fontes que foram afetadas por diferentes eventos tectônicos responsáveis pela estruturação e consolidação geológica da Plataforma Sul-Americana. Para facilitar a interpretação dos resultados e, baseado na literatura, agrupou- se as idades em três conjuntos: superiores a 470 Ma, entre 470 e 200 Ma e menores que 200 Ma, cada um relacionado a eventos tectônicos ligados a momentos evolutivos específicos. Idades superiores a 470 Ma. Relaciona-se aos ciclos de colisões brasilianas. Elas abrangeram os eventos de fragmentação do supercontinente Rodínia e reaglutinação no Gondwana Ocidental no Neoproterozoico até Ordoviciano Superior. As prováveis áreas de rochas-fontes relacionadas com esse conjunto de idades foram formadas a partir das colisões entre os crátons Amazônico, São Francisco e Paranapanema, dando origem aos sistemas orogênicos Tocantins e Mantiqueira. Idades entre 470 e 200 Ma. Sucessão de orogenias no Gondwana sul-ocidental, às quais se associam ciclos de subsidência na Bacia Sedimentar do Paraná. Esses eventos orogenéticos, de acordo com Ramos (1988) apud Milani e Ramos (1998), compreenderam dois ciclos tectono-sedimentares principais: Famatiniano (Ordoviciano a Devoniano) e Gondwânico (Carbonífero a Triássico). As áreas soerguidas a partir desses eventos orogenéticos serviram de fontes de sedimentos para os espaços deposicionais. Essas rochas sedimentares paleozoicas, posteriormente, no Mesozoico, principalmente durante a Reativação Wealdeniana, foram alçadas e retrabalhadas, sendo fontes para a Formação Marília na área estudada. Idades inferiores a 200 Ma. Relaciona-se aos eventos da Reativação Wealdeniana (ALMEIDA, 1967), definida como a mais importante manifestação diastrófica que afetou o território brasileiro após o Ordoviaciano. Dela culminou a abertura do Oceano Atlântico Sul. A essa reativação associam-se eventos que deram origem a Bacia Bauru, após magmatismo basáltico nos fins dos períodos Jurássico e início do Cretáceo Inferior. A partir da sobrecarga causada pela massa das lavas, associados a processos de abatimentos relacionados à reativação de estruturas pré-cambrianas, Batezelli et al. (2005) afirma ter sido implantada a Bacia Bauru. Os abatimentos a que os autores referem-se estão relacionados a comportamentos isostáticos oriundos das intrusões alcalinas ligadas a Pluma Mantélica de Trindade. Áreas como o Arco Magmático de Goiás (sul de Goiás), Soerguimento Alto Paranaíba (sudoeste de Minas Gerais), Arco de Ponto de Grossa (nordeste do Paraná), Serras da Mantiqueira e do Mar (leste de São Paulo), que já eram áreas com atividade tectônica anterior, passam a apresentar soerguimentos neocretáceos. Essas regiões configuram-se como bordas e fontes de sedimentos para a Bacia Bauru.

Figura 1. Histogramas de idades.

PCRC (ponto de coleta represa cascata) e PBCP (ponto bacia córrego do Pombo 1 e 2) referem-se aos zircões. Apatitas são grãos dos três pontos.

Figura 2. Histograma Geral.

Histograma geral de idades de 110 grãos de zircão e 59 de apatita.

Conclusões

O Método Traços de Fissão aplicado em grãos de zircão e apatita obtidos de rochas areníticas da Formação Marília no planalto homônimo, permitiu a exclusão de componentes termo-tectônicos locais como possibilidade de contribuição estrutural para a gênese e evolução dessa morfoescultura. Pode-se afirmar, portanto, que na área estudada não houve, desde o Maastrichtiano, eventos tectônicos com magnitudes que superassem 120ºC (temperatura de apagamento total dos traços na apatita) e que perdurassem por, no mínimo, 1 Ma. Assim, ao mesmo tempo em que restringimos os componentes tectônicos no Planalto Residual de Marília a eventos de baixa intensidade, os dados apresentados contribuem com a história evolutiva de formação da Plataforma Sul-Americana, desde as colisões brasilianas, passando pelas orogêneses no sudoeste gondwânico, até chegar aos momentos finais de sua consolidação com a Reativação Wealdeniana.

Agradecimentos

Agradecimento à FAPESP, pelo apoio financeiro da pesquisa. Aos Professores João Osvaldo e Carlos Tello pela orientação e colaboração. Aos amigos do Grupo de Pesquisa DETRAN e do Laboratório de Solos da FCT/UNESP.

Referências

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