ESTÁGIO DE INTEMPERISMO NA SUPERFÍCIE INTERPLANÁLTICA DE CLEVELÂNDIA, PLANALTO DAS ARAUCÁRIAS (SUL DO BRASIL)
Autores
Pontelli, M.E. (UNIOESTE - CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO) ; Bertuol, E.C. (UNIOESTE - CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO) ; Almeida, B.K. (UNIOESTE - CAMPUS FRANCISCO BELTRÃO)
Resumo
A cobertura superficial do topo de vertente convexa na superfície interplanáltica de Clevelândia mostra-se com perfil de intemperismo superior a 710 cm de profundidade. O pedon apresenta espessura de 450 cm de espessura e características de Latossolo Vermelho Distroférrico, caráter alumínico. A alterita exposta na seção é superior a 250 cm de espessura. Os resultados mostram estágio mais avançado do intemperismo nos horizontes superficiais do que na alterita, com características pedogeoquímicas ferruginosas, transição entre fersialítico e ferralítico.
Palavras chaves
superficie geomorfologica; manto de intemperismo; ambiente subtropical
Introdução
O relevo no Planalto das Araucárias, setor correspondente à Serra da Fartura (divisa do Paraná com Santa Catarina), é marcado por oito superfícies geomorfológicas (S1 a S8) que decrescem em altitude de leste para oeste, no formato de escadaria. Dados preliminares apontaram para ação conjunta entre alteração e erosão mecânica na gênese dessas superfícies (Paisani et al., 2008). Levantamento detalhado da cobertura superficial na S2 (Planaltos de Palmas/PR e Água Doce/SC) revelou depósitos de colúvio, colúvio-alúvio e alúvio, assim como paleossolos (Paisani et al., 2014), concentrados em paleovales de baixa ordem hierárquica (Paisani et al., 2012), indicando intensa morfogênese na área. Na S6 a cobertura dos setores de topo se mostra com espessos perfis de latossolos, cujas características indicam evolução dessa superfície a parti da etchplanação dinâmica (Paisani et al., 2013). O que ainda não se sabe é se nas demais superfícies (S3, S4, S5) a evolução do relevo também é comandada pelo processo de etchplanação dinâmica. Nesse contexto, o trabalho apresenta caracterização de perfil de intemperismo representativo da S5, situada entre 900 e 1000m de altitude, como subsídio para compreender a evolução do relevo regional no Planalto das Araucárias, ambiente subtropical.
Material e métodos
A superfície geomorfológica de Clevelândia, denominada por Paisani et al (2008) de superfície interplanáltica, situa-se entre 900 e 1000 m de altitude, correspondendo ao divisor d’águas entre o sistema hidrográfico do Rio Uruguai, ao sul, e do Iguaçu, ao norte. Localmente conhecido como Serra da Fartura (Maack, 1981), é mantido por substrato vulcânico básico da Formação Serra Geral (Nardy et al., 2008). A morfologia predominante nesta superfície é de topos alongados, vertentes convexas e vales abertos em V, com dissecação forte a média. O perfil de intemperismo descrito na superfície geomorfológica de Clevelândia encontra-se a 970 m de altitude, apresentando seção exposta de mais de 700 cm. Descreveu-se em campo as características morfológicas conforme Santos et al (2013), bem como coletou-se amostras representativas dos horizontes para tratamentos granulométrico, química de rotina, determinações de teores de ferro, ataque sulfurico e química total dos 10 principais óxidos. A granulometria foi obtida a partir da técnica de peneiramento para fração grossa e de pipetagem para fração fina (EMBRAPA, 1997), realizada no Laboratório de Análise de Formações Superficiais da UNIOESTE – Campus de Francisco Beltrão. A química de rotina foi processada no Laboratório de Análises de Solos da Universidade Federal de Lavras. Os teores de ferro oxalato (FeO), ferro ditionito (Fed) e ferro total (Fet) foram determinados no Laboratório de Solos da ESALQ. A partir desses teores obtiveram-se as diferentes razões de oxi-hidróxidos do perfil de alteração (Tsai et al., 2007; Jiang et al., 2011; Bétard, 2012). As determinações por ataque sulfúrico foram realizadas no Laboratório de Geoquímica, do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa e permitiram o cálculo dos índices Ki e Kr (Lepsch, 2011). Os 10 principais óxidos foram obtidos pela fluorescência de raios-X, no Laboratório Geosol (MG), permitindo calcular índices de intemperismo A e B (Kronberg e Nesbitt, 1981).
Resultado e discussão
A caracterização dos atributos físicos e químicos permitiu individualizar perfil de intemperismo com mais de 710 cm de profundidade, com pedon aproximadamente de 450 cm de espessura e alterita exposta superior a 250 cm. Ao longo da seção exposta distinguem-se oito (8) volumes de material, os quais reúnem características específicas (Tabela 01) que permitem identificar os seguintes horizontes: A (0-20 cm), AB (20-70 cm), BA (70-110 cm), B (110-350 cm), BC (350-470 cm), CB (470-540 cm) e C (540-710+ cm). Os atributos físicos e químicos (Quadro 01) mostram pedon com características que permitem classificá-lo como Latossolo Vermelho Distróférrico, com caráter alumínico (Embrapa, 1999; 2006). Os valores do Ki (Quadro 01) permitem classificar o material do perfil de intemperismo como muito intemperizado, com presença de matéria mineral de natureza caolinítica (Kr > 0,75), porém não oxídicos (Mello et al, 1995).
O ferro de alta cristalinidade (Fed) mostra-se com teores médios ao longo de todo o perfil, apresentando maiores percentuais nos horizontes BC, CB e C e menores entre os horizontes BA e Bw2 (Quadro 2). O ferro amorfo (Feo) diminui gradativamente em profundidade, com menores percentuais a partir da transição do horizonte B para o C (Quadro 2). No geral são teores considerados baixos para o ferro de baixa cristalinidade e, por estarem abaixo de 0,57%, indicariam fase inicial de desenvolvimento de perfil de intemperismo do tipo laterítico (Bech et al., 1997). As razões de Feo/Fed (ferro amorfo/ferro cristalino) apresentam-se, em geral, baixas em todo o perfil, com decréscimo maior no horizonte C (Quadro 2), indicando grau relativamente maior de cristalinidade na base do perfil de intemperismo. Valores de Feo/Fed menores do que 0,05% foram considerados por Inda Junior e Kämpf (2003) como indicativo de óxidos predominantemente cristalinos, condizentes com cobertura latossólica. No perfil estudado, os parâmetros físicos e químicos de rotina já indicaram tratar-se de uma cobertura do tipo latossólica, o que se confirma com os parâmetros da razão ferro amorfo/ferro cristalino que se mostram, predominantemente, abaixo de 0,028% (Tabela 2). Valores de Fed/Fet, por indicarem o grau de transformação dos silicatos contendo Fe++ em óxidos de Fe+++, são utilizados para auxiliar na estimativa do grau de intemperismo dos materiais. Inda Junior e Kämpf (2003) consideram valores entre 0,68 a 0,87% como indicativo do predomínio de óxidos de ferro pedogenéticos. Para Torrent et al. (1980) valores acima de 0,80 indicam materiais com grau intenso de intemperismo. No perfil analisado os horizontes AB, Bw1 e topo do Bw2 apresentam valores acima de 0,80% (Quadro 2), permitindo deduzir estágio mais avançado de intemperismo nesses horizontes. Apesar da razão Fed/Fet indicar estágio mais avançado do intemperismo, os valores de Fed-Feo/Fet mostram teores médios, todos acima de 0,75% (Quadro 2). Isso pode indicar que, apesar de estar muito intemperizado, o estágio de intemperismo e/ou a idade do perfil de intemperismo estudado não é tão avançado (Torrent et al., 1980; Tsai et al., 2007).
Os resultados da química total indicam perda parcial da sílica, com decréscimo em profundidade, mais lento a partir do horizonte BC. A lixiviação mostra-se acentuada para os cátions básicos, sendo total para o cálcio, sódio e magnésio. Registra-se ganho relativo em relação aos óxidos considerados menos solúveis, como alumínio, titânio e ferro. Esse comportamento demonstra maior ação do intemperismo nos horizontes superficiais, reduzindo sua ação em profundidade. Desse modo, em termos pedogeoquímicos o perfil de intemperismo analisado mostra intemperismo intenso, porém não total, permitindo individualizar como transição entre o fersialítico e o ferralítico. No caso, tem-se perfil com características ferruginosas (Duchaufour, 1982; 1997).
O índice de intemperismo (A) apresenta aumento relativo em profundidade, acompanhando o aumento da sílica nos horizontes BC, CB e C (Quadro 2), o que indica maior ação do intemperismo nos horizontes superficiais. O índice de intemperismo (B) mostra-se constante até a base do horizonte Bw2, acompanhando os teores de alumínio e bases no perfil, indicando também maior intensidade do intemperismo nos horizontes A e B. Essa tendência também se verifica nos valores de Ki e Kr (Quadro 1).
O quadro apresenta os atributos físicos e químicos, bem como índices Ki/Kr calculados a partir da determinação do ataque sulfurico
O quadro mostra os teores de ferro livre, total e amorfo, as razões e o índice de intemperismo a partir da quimica total dos 10 principais óxidos
Conclusões
O perfil de intemperismo representativo de superfície interplanáltica, situado em altitude de 970 m, apresenta pedon com características de Latossolo Vermelho Distróférrico e caráter alumínico. O índice Ki indica material muito intemperizado e o Kr presença de materiais de natureza caolinítica, porém não oxídicos. Os teores de ferro de baixa cristalinidade (amorfo) são baixos, indicando fase inicial de desenvolvimento de perfil de intemperismo do tipo laterítico. As razões de ferro amorfo/ferro cristalino são baixas, especialmente no horizonte C, indicando grau relativamente maior de cristalinidade na base do perfil de intemperismo, confirmando a natureza latossólica da cobertura pedológica. Os valores da razão ferro cristalino e ferro total mostram material com estágio mais avançado do intemperismo nos horizontes superficiais se comparado aos materiais da alterita. Isso é confirmado pelo comportamento dos principais óxidos na química total, bem como pelos índices de intemperismo A e B. Do ponto de vista pedogeoquímico os materiais mostram perfil de intemperismo de características ferruginosas, ou seja, transição entre fersialítico e ferralítico.
Agradecimentos
À Fundação Araucária/SETI/Gov. Paraná (Convênio 205/2012) e ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Geografia, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, pelo auxílio financeiro.
Referências
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