CONSIDERAÇÕES SOBRE A GEOMORFOLOGIA DAS ENCOSTAS COM VISTAS AOS PROBLEMAS DA OCUPAÇÃO NÃO PLANEJADA: UM ESTUDO DE CASO DO MORRO DA BELTRÃO, EM NITERÓI (RJ).
Autores
de Oliveira Ferraro Mello, L. (UERJ/FFP) ; Lemos Amorim de Cerqueda, M. (UERJ) ; de Lima Neves, B. (SECRETARIA DE DEFESA CIVIL DE NITERÓI)
Resumo
Este trabalho destina-se a expor observações feitas acerca das dinâmicas relacionadas às encostas, tomando como objeto a comunidade Beltrão, do município de Niterói. O mesmo já foi afetado por desastres ligados a movimentos de massa de pequenas a grandes proporções, frutos da falta de um planejamento urbano eficiente, tendo em vista que a geomorfologia local favorece a ocupação de encostas. Para tal, abordaremos a temática a partir da análise de dados produzidos pela Defesa Civil municipal.
Palavras chaves
Encostas; Niterói; Defesa Civil
Introdução
A geomorfologia é um ramo da ciência que tem por objetivo o estudo das formas do relevo, assim como dos processos que o originaram e as dinâmicas relacionadas. É um campo de estudo integrante da área física das ciências que o estudam. (CHRISTOFOLLETTI, 1980) Porém, em certas análises não há margem para divisões entre área física e humana, pois elas se interrelacionam de forma concomitante e indissociável, uma vez que o homem ora atua como agente transformador da paisagem ao interagir com ela usando as mais variadas técnicas, ora também é condicionado pela configuração e possibilidades de um determinado local. As preocupações com as dinâmicas ambientais têm aumentado expressivamente nos últimos anos, sobretudo no que toca àquelas que seriam apenas fenômenos de ordem natural, não fosse o desenvolvimento e apropriação de certos espaços de modo não planejado pela sociedade, de forma que grande parcela acaba por ser afetada muitas vezes por consequências negativas. Nesses momentos se dá o que conhecemos por desastres ambientais. (MARQUES, 2001) No cenário urbano, devido o adensamento ocupacional de áreas planas, a cidade tende a se expandir buscando áreas onde há solo disponível. Em grande parte dos casos é onde nota-se a ocupação informal em situação precária das encostas, assim como se expressa no morro da Beltrão, localizado em Santa Rosa. É importante ressaltar que este bairro pertencente a Niterói, município da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, apresenta grande disparidade sócio- econômica. Segundo Christofoletti (1980), as vertentes – terminologia pela qual também são conhecidas as encostas – em sentido amplo, configuram-se como superfícies inclinadas, não horizontais, cuja gênese está associada a processos endogenéticos ou exogenéticos. Sua análise é de grande importância, tendo em vista que são componentes básicos de qualquer paisagem.
Material e métodos
A pesquisa constituiu-se de um levantamento bibliográfico preliminar, onde foi possível obter aportes teórico-metodológicos para embasamento através de autores que discutem o tema. Em um segundo momento foi solicitado dados produzidos pela Secretaria de Defesa Civil do Município de Niterói para análise, visto que este é um dos principais órgãos que lida cotidianamente e de maneira efetiva com cenários de risco iminente de ocorrência de movimentos de massa, seja em ações preventivas ou eventos já registrados. A metodologia de trabalho empregada pela Defesa Civil consiste na efetuação de atividades comuns às investigações de superfície, através de mapeamento de campo onde são elaboradas fichas de cadastro pontuando os diversos problemas pertinentes à avaliação do risco geológico, tais como: as evidências de movimentação (cicatrizes de escorregamentos, árvores/postes inclinados), intervenções antrópicas a que a área está submetida como, por exemplo, a situação hidrossanitária do local, cortes irregulares no terreno, despejo de resíduos, dentre outros. As etapas pertinentes ao mapeamento de campo têm seu devido georreferenciamento através da utilização do GPS da marca Magellan (modelo Explorist 510), aquisição de fotos panorâmicas e representativas do local (frontal e lateral/distância talude- casa), efetuação de croquis esquemáticos, interdição das moradias em situação de risco e imagens de sobrevoo do DRM-RJ, gerando como produto relatórios técnicos que expõe a descrição de todos os parâmetros contribuintes para a situação de risco de área e também a delimitação do polígono de interdição, observando a relação moradia versus área. Para este estudo utilizamos o banco de dados da Secretaria, sobretudo registros pontuais de escorregamentos pretéritos, carta de risco iminente a escorregamentos do município (escala 1:25.000), e também carta comparativa apresentando zoneamento ambiental x ocupação irregular x vistorias técnicas da Defesa Civil.
Resultado e discussão
Conhecimentos geomorfológicos figuram como instrumento a favor do planejamento
do uso e ocupação do solo, sobretudo em se tratando do sítio urbano que, em
muitas localidades, apresentam elevados índices de crescimento e densidade
ocupacional. (CHRISTOFOLETTI, 1980)
Segundo Christofoletti (1980), é importante que o reconhecimento de unidades
morfotopográficas esteja alinhado com o desenvolvimento de análises sobre
processos geomorfológicos e delimitação avaliativa de áreas de riscos, com
vistas a que se tenha consciência acerca de quais ações são possíveis para cada
localidade.
É importante ressaltar que cada local pode sofrer a influência de um fenômeno
diferente ou mesmo ser afetado por mais de um tipo concomitantemente.
Christofoletti aponta que devemos atentar para “(...) os lançamentos de
materiais e os fluxos de energia provindos das atividades de transformação em
áreas urbanas, ocasionando possíveis mudanças na intensidade dos fluxos e nos
aspectos do cenário do meio ambiente.” (CHRISTOFOLETTI, 1980)
No caso analisado, a alteração desses fluxos corresponde aos agravantes que
colaboram para a ocorrência dos movimentos de massa, expressos através dos
registros mencionados nos materiais acima.
Segundo os dados a área é descrita como “localidade que possui encostas íngremes
de direção E-W, com vales encaixados e grande número de cabeceiras de drenagem.”
A localidade em questão corresponde à comunidade popularmente conhecida como
Beltrão, situada no bairro de Santa Rosa, que se caracteriza pelo intenso
processo de ocupação não planejada. São relatadas intervenções antrópicas do
tipo taludes de cortes para a construção de moradias ausentes de contenção e
sistemas de drenagem apropriados, lançamento de aterro mal compactado,
lançamento de águas servidas (esgoto) e resíduos sólidos de origem doméstica e
construção civil diretamente sobre o solo, entre diversos outros agravantes como
tratam Amaral e Fernandes (2003).
O ponto a meia/baixa encosta desta comunidade situa 08 logradouros, enquanto que
a área a alta encosta situa 02 logradouros. Quanto ao uso, trata-se de uma
localidade predominantemente residencial com média-alta densidade de ocupação do
solo, situando edificações desde precário a médio padrão construtivo.
A caracterização da Defesa Civil segue pontuando que “a encosta em questão tem
por embasamento cristalino predominantemente rochas gnáissicas já apresentando
próximo à superfície perfis de intenso intemperismo, que caracterizam
predominantemente rochas de moderada a altamente alteradas,
proporcionando/favorecendo a formação de solos residuais jovens. O local
caracteriza-se também por ter solos pouco espesso e aterro.”
Associado a tais aspectos, soma-se o fato de que houve a retirada da vegetação
preponderante e/ou substituição de exemplares que não contribuem para a
estabilidade de encostas, tal como as popularmente conhecidas como bananeiras.
No período de Abril de 2010, foram pontuados movimentos como escorregamentos de
solo/aterro e blocos rochosos de diversas magnitudes, por vezes potencializados
por depósitos de lixo/entulho, além do lançamento de águas servidas percolando
grande extensão em metros, cuja maior cicatriz registrada se deu na crista da
mesma.
A Defesa Civil efetuou a delimitação do polígono de interdição observando a
relação das moradia com a área instável, bem como a produção de diversos
documentos destacando a morfologia desfavorável da encosta para a finalidade de
ocupação residencial. Todavia, nos dias atuais ainda se observa o crescimento da
comunidade, dando sequência à permanência adaptada ao cenário instalado pós
período de catástrofe.
A situação de risco na comunidade do “Beltrão” tende a se agravar devido o
crescimento desordenado verificado no local, bem como pela carência das muitas
intervenções necessárias com vistas a solucionar os problemas existentes.
Imagem de sobrevoo realizado pelo DRM-RJ.
Nota-se neste registro de 2013 que a ocupação não planejada persiste, mesmo após os movimentos de massa de 2010.
Conclusões
Discutir a temática aqui apresentada faz-se extremamente necessário, pois é natural que o homem ocupe espaços para sua sobrevivência. Porém, isto deve ser feito de modo consciente e planejado, para que sejam evitadas as perdas humanas e prejuízos materiais, tendo em vista que as dinâmicas naturais só se transformam em desastres quando há o desrespeito por parte dos seres humanos em suas ações, mesmo que de modo inconsciente. Dentro de suas atribuições, estabelecidas pela Lei 12.608 de 10 de abril de 2012, a Defesa Civil age no sentido de mitigar e prevenir novos acidentes, através de intervenções como interdição de novas construções em áreas inadequadas, orientação à população local sobre o risco ao qual estão expostos, conscientização e, fundamentalmente, formando agentes comunitários através das Nudecs (Núcleos de Defesa Civil), que visam oferecer capacitação e informação sobre como reduzir ou eliminar ações que alteram negativamente o equilíbrio do meio físico.
Agradecimentos
Agradecemos a Deus, em primeiro lugar. À Secretaria Municipal de Defesa Civil de Niterói, especialmente à diretoria operacional por gentilmente ter cedido o material solicitado, colaborado e apoiado o desenvolvimento deste trabalho. Agradecemos aos amigos Lorhan Ferreira, Eric de Oliveira e aos nossos orientadores, Prof. Drº Andrelino Campos e Profª Drª Luzia Antonioli por toda ajuda, bem como a todos aqueles que cotidianamente contribuem para nossa formação intelectual e pessoal.
Referências
CHRISTOFOLETTI, Antônio. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blücher, 2ª edição,1980.
CHRISTOFOLETTI, Antônio. Aplicabilidade do conhecimento geomorfológico nos projetos de planejamento. In: Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. Org: Antonio José Teixeira Guerra e Sandra Baptista da Cunha. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 4ª edição, 2001.
FERNANDES, Nelson Ferreira e AMARAL, Cláudio Palmeiro. Movimentos de Massa: uma abordagem geológico-geomorfológica. In: Geomorfologia e Meio Ambiente. Org: Antônio José Teixeira Guerra e Sandra Baptista da Cunha. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 4º edição, 2003.
GUERRA, Antônio. Processos erosivos nas encostas. In: Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. Org: Antonio José Teixeira Guerra e Sandra Baptista da Cunha. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 4ª edição, 2001.
LEI Nº 12.608, DE 10 DE ABRIL DE 2012 - Política Nacional de Proteção e Defesa Civil.
Pareceres de números 37/1210 de Dezembro de 2010; 58/0613 de Junho de 2013 e 34/1113 de Novembro de 2013 produzidos pela Secretaria de Defesa Civil do Município de Niterói.