Reconstituição da paleovegetação e inferências geomorfológicas em área de vereda-cerrado, norte de Minas Gerais
Autores
Pereira de Lucena, U. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) ; Ribeiro Rocha Augustin, C.H. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) ; Gomes Coe, H.H. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO) ; Macedo dos Santos, G. (UNIVERSITY OF CALIFORNIA)
Resumo
O objetivo deste artigo é contribuir para o entendimento da dinâmica geomorfológica entre duas lagoas, do Meio e Jatobá, no Parque Estadual Veredas do Peraçu-MG, através da reconstituição da paleovegetação. Resultados das análises de campo, granulométrica, MO e isótopos estáveis (δ13C) mostram a predominância da fração areia e diminuição granulométrica em direção às baixas vertentes. Valores de 13C indicam que a área teve cobertura arbórea sugerindo ocupação, no passado, de espécies do cerrado.
Palavras chaves
Paleoambiente; Isótopos de carbono; Evolução veredas
Introdução
A área estudada localiza-se entre duas lagoas: do Meio e Jatobá, no Parque Estadual Veredas do Peruaçu-MG.A região é formada por planaltos desenvolvidos sobre rochas siliciclásticas dos Grupos Areado e Urucuia, do Cretáceo (AUGUSTIN, 2011; ARANHA e AUGUSTIN, 2012. Tem como uma das suas características principais a presença de veredas, ecossistema do bioma do Cerrado, com predominância de buritis (Mauritia flexuosa). Aparentemente as lagoas já foram interconectadas, em especial nos períodos chuvosos (AUGUSTIN, 2011). A desconexão teria sido resultado das alterações da dinâmica hidro-geomorfológica em períodos de seca pronunciada, nas quais os canais das veredas tornam-se mais suscetíveis à degradação (AUGUSTIN et al., 2009; RIZZINI, 1979). Para auxiliar na elucidação da questão é importante o conhecimento das condições paleoambientais nas quais a evolução das lagoas ocorreu, o que pode ser conseguido com a reconstituição da paleovegetação. Esta foi realizada com o auxílio de análises da matéria orgânica do solo (MOS) e de isótopos estáveis 12C e 13C, além de análises granulométricas do solo.
Material e métodos
Para a análise das formas de relevo, declividade e contextualização espacial com a localização e interpretação da litologia utilizou-se as cartas topográficas de Manga (IBGE, 1984) e de Januária (IBGE, 1984). Foram também usadas as Folha SD- 23 da Carta de Geodiversidade do Brasil ao Milionésimo (CPRM, 2007) e o Mapa Geológico do Rio São Francisco no norte de Minas Gerais (IGLESIAS-MARTINEZ, 2007) além de bases cartográficas da CPRM (2007) e do IGAM (2013). Posteriormente foi realizado trabalho de campo para identificação de áreas de amostragem. As descrições e coleta de material foram realizadas nas porções centrais dos Sítios Geomorfológicos (SG), identificados a partir de medidas de declividade ao longo de um transecto realizado no interflúvio entre as duas lagoas (Fig. 1), seguindo procedimentos de AUGUSTIN (1979). Os perfis de solo foram descritos de acordo com procedimentos de Santos et al. (2005) e do Munsell Soil Color Chart. Foram utilizados GPS Garmin Etrexx, uma câmera digital Sony Cyber-Shot, para localização e registro de imagem. As análises granulométricas foram realizadas no Laboratório de Geomorfologia do IGC da Universidade Federal de Minas Gerais e as de matéria orgânica elementar (MO) no Instituto Mineiro de Agropecuária, ambas seguindo métodos da EMBRAPA (1997). As análises dos isótopos de Carbono (δ13C) foram realizadas pelo Centro de Energia Nuclear da USP. Os parâmetros utilizados para interpretação são de BOUTTON (1991, apud PESSENDA et al., 2013): a) fitofisionomias com estrutura predominante do estrato arbóreo, cujo ciclo fotossintético C3 reduz o CO2 a fosfoglicerato, um composto de 3 Carbonos, nos intervalos de -32 a -22%o; b) fitofisionomias com estruturas predominantes de campo gramináceo reduzem o CO2 a ácido aspártico ou málico, composto por 4 Carbonos (C4), no intervalo de -17% a -9%o; c) plantas com Metabolismo do Ácido Crassuláceo (CAM) no intervalo -28 a -10%o, usando parte da via C4, fixando à noite o CO2.
Resultado e discussão
O Perfil 1 foi aberto na meia vertente do interflúvio da Lagoa do Meio (Fig. 1).
A textura é arenosa em todos os horizontes (87,74%-90,58%) tendo em vista o
predomínio das rochas siliciclásticas (Tab. 1). Há um decréscimo de silte em
profundidade (de 3,38% a 2,13%) enquanto a argila mostra um padrão inverso,
exceto no segundo horizonte (6,28–9,63%), o que pode ser atribuído ao processo
de translocação das argilas. Verifica-se um decréscimo de MO (de 1,27 para
1,06%) dos horizontes superficiais para os mais profundos.Não foram encontradas
evidências de influência das lagoas, seja através de marcas lênticas ou da
diferenciação de materiais ao longo do perfil. O Perfil 2 encontra-se localizado
no topo do interflúvio (Fig. 1). A textura dos horizontes é areia franca (Tab.
1). O horizonte superficial tem a presença de grumos e estrutura medianamente
desenvolvida em blocos angulares a subangulares de médios a pequenos. É possível
a identificação abaixo dos 10cm de marcas características de flutuação sazonal
de corpo de água. Isto indica a existência de dois ambientes na formação do
material: um que já esteve sob a influência de variações sazonais possivelmente
da lagoa Jatobá e outro, no qual prevalecem os processos pedogênicos. O Perfil 3
foi aberto na baixa vertente próximo à lagoa Jatobá (Fig. 3). Apresenta marcas
lênticas claras com a presença de estruturas características de ambientes
lacustres ao longo do perfil. Na base do perfil, a sequência e (=+ 62 cm) tem
predominância de areia em acamamento sub-horizontalizado, na qual a cor é
homogênea (10YR 3/2), com predomínio das frações média e fina da areia (Tab. 1),
além de valores relativamente baixos de MO (1,16%). Na sequência d (62-49 cm),
ocorrem camadas mais espessas de areia média e fina, alternadas com camadas com
influência de matéria orgânica (Tab. 1), embora a quantidade desta última ainda
seja relativamente baixa (1,58%). A sequência c (49-35 cm) apresenta um aumento
significativo de MO (4%). A areia embora ainda predominante (77,4%) diminui com
relação às sequências anteriores (Tab. 1). A sequência b (35-10 cm) corresponde
à alternância de camadas escuras (Tab. 1) tipicamente lênticas com muita MO
(7,81%) com camadas de espessuras entre 2 e 3 cm de areia (72,58%) e outras mais
argilosas (19,3%). Possivelmente a MO e a argila são responsáveis pela presença
de gretas de contração verificadas nesta camada. A sequência a (10-0 cm)
apresenta marcas de ondas e é formada por pequenas camadas de areia, isoladas
entre camadas muito orgânicas. Isto explica o menor percentual desta
granulometria (30,34%) entre todas as camadas analisadas (Tab. 1). É nela também
onde se observa o maior percentual de argila (42,54%) e de MO (12,23%). Essas
alternâncias dão um aspecto laminar a esta camada, com lâminas escuras de
granulometria predominante de silte e argila ricas em MO (10YR 2/1) e lâminas
claras, nas quais predomina a areia. Há também a presença de gretas de
contração. Por ser a camada mais superficial, aparentemente além da influência
da dinâmica da lagoa, recebe também sedimentos finos trazidos das porções mais
elevadas da vertente.
Os valores relativamente baixos de δ13C (Tab. 1 e Fig. 1) em todos os horizontes
do Perfil 1 (-27,51% e -26,69%o) revelam o predomínio, no passado, de plantas C3
correspondentes ao cerradão. Considerando os valores de δ 13C (Tab. 1) para todo
o Perfil 2, compreendidos entre -26,48 % a -27,25%, estes indicam também o
predomínio de plantas C3, ou seja, lenhosas arbóreas e arbustivas sugerindo um
cerradão. No entanto, analisado as marcas de deposição e de variações sazonais
encontradas em todos os horizontes deste perfil, menos no superficial (de 0-
10cm), pode-se assumir que esta cobertura vegetal pode ser do tipo mata ciliar,
ou bosque, que teria ocorrido em área de maior umidade.
Os valores de 13C do Perfil 3 (-21,15 a -23,94%), sendo valores mais
enriquecidos do que o Perfil 1 e 2, sugerindo uma vegetação mais aberta,
provavelmente com gramíneas C3.
Figura 2. A bacia do Rio Peruaçu e pontos de amostragem. Abaixo, a posição das duas lagoas:à esquerda, a lagoa do Meio e à direita, a lagoa Jatobá.
Dados isotópicos (13C) das paleoformações vegetais encontradas nos solos e camadas deposicionais da área de estudo.
Conclusões
As análises dos isótopos de Carbono (δ13C) indicam preliminarmente que a área de estudo esteve em um passado recente sob influência de condições ambientais mais úmidas. Diferentemente do que se observa hoje, com o predomínio de gramíneas no entorno das lagoas, esses resultados sugerem a existência de cerrado, matas ciliares ou bosques que poderiam estar associados à presença de canais ou mesmo das lagoas onde, hoje, se encontra o interflúvio. Em conjunto com as análises granulométricas e de MO, os resultados indicam que o interflúvio, caso tenha sido ocupado por lagoas, apresentava cobertura vegetal diferente da encontrada atualmente no entorno das lagoas. Os resultados podem ser considerados um avanço em termos de compreensão das condições paleoambientais e suas interferências na evolução geomorfológica da área. No entanto, é necessário o aprofundamento de estudos que tragam evidências complementares à identificação de como se deu a evolução da paisagem nesta região de vereda.
Agradecimentos
Agradecimentos: agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa (CRA-APQ 0221-12).
Referências
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