Comportamento hidrológico de encosta em substrato rochoso granítico sob influência de deslizamento raso - Nova Friburgo, Rio de Janeiro

Autores

Silva, R.P. (IGEO - UFRJ) ; Machado, K.M. (COPPE - UFRJ) ; Sato, A.M. (IGEO - UFRJ) ; Coelho Netto, A.L. (IGEO - UFRJ) ; Becker, L.B. (POLI - UFRJ) ; Silva Júnior, G.C. (IGEO - UFRJ) ; Lacerda, W.A. (COPPE - UFRJ) ; Pita, R.C.S. (IGEO - UFRJ)

Resumo

Tendo a água como principal agente deflagrador dos deslizamentos em regiões tropicais, este trabalho objetivou o estudo hidrológico de uma encosta com um cicatriz de deslizamento do tipo translacional raso, no evento extremo de chuva de Janeiro de 2011, Nova Friburgo-RJ. Para o entendimento da influência da água subterrânea na deflagração dos movimentos de massa, a área foi sondada e instrumenta, visando a caracterização física da encosta.

Palavras chaves

hidrologia de encosta; deslizamentos; caracterização física

Introdução

O evento catastrófico de chuva ocorrido em janeiro de 2011 na região serrana do Rio de Janeiro ocasionou grandes perdas materiais e humanas (Banco Mundial, 2012). Nova Friburgo, por ter sido o município mais afetado da região serrana (COELHO NETTO et al., 2013), foi escolhido como área laboratório desta pesquisa. O volume acumulado de chuva no município alcançou valores próximos ao da precipitação média mensal em menos de 10h, além disso, o acumulado de chuva nos meses antecedentes foi superior à média histórica da região. Estes fatores associados às condições geológico-geomorfológicas, à cobertura vegetal e ao uso do solo, formaram condições propícias à deflagração dos deslizamentos (COELHO NETTO et al., 2013). Neste evento, houve o predomínio de deslizamentos do tipo translacional raso em taludes com inclinação superior a 30° (AVELAR et al., 2011). Por esse motivo, foi escolhida uma encosta experimental, de geometria côncava, com inclinação média de 32º. Suas dimensões em planta são 130m x 300m, representando uma área de 0,04km², e espessura de ruptura, segundo Machado (2013), de 1,5m próximo as bordas da cicatriz. A ocorrência de eventos de magnitude catastrófica ao longo da serra do Mar é atestada pelos depósitos coluvionares que evidenciam o retrabalhamento de depósitos de deslizamentos pretéritos (FERNADES et al., 2001). A encosta alvo desta pesquisa se apresenta como produto dos recorrentes fenômenos erosivos- deposicionais em período geológico recente. Observou-se através de datação com carbono C14 que a base do depósito de colúvio acumulado na porção média desta encosta apresenta idade 8,840 +/- 40 BP. Considerando a água como principal agente deflagrador dos deslizamentos, esta pesquisa aborda as relações existentes entre a dinâmica hidrológica da encosta e a caracterização física dos materiais, bem como algumas de suas propriedades. Os dados apresentados a seguir são produto da dissertação de mestrado de Silva (2014), defendida em maio de 2014.

Material e métodos

Foram realizados três tipos de sondagem na área de estudo. A primeira delas foi a sondagem à percussão (SPT), objetivando a instalação de um medidor de nível d’água para o monitoramento do lençol freático. Esta sondagem teve fim a 12m de profundidade, onde atingiu o impenetrável ao SPT. Também foi realizada uma sondagem rotativa, com os mesmos 12m de profundidade, para a instalação de um piezômetro, a fim de monitorar a carga piezométrica. Devido à proximidade entre as sondagens, ambas realizadas no corte de estrada, amostras deformadas de solo foram coletadas apenas durante a execução da sondagem SPT. Acima do corte de estrada, na média/alta encosta, foram feitas sondagens à trado mecânico em quatro posições, cujas profundidades variaram de 6,5 a 14,5m, com o intuito de se realizar ensaios de permeabilidade in situ, além da coleta de solo para caracterização física da encosta. Nas amostras de solo coletadas a partir das sondagens foram realizados ensaios de granulometria dispersa (peneiramento e sedimentação), segundo a norma técnica da ABNT (NBR 7181/84), e, densidade real dos grãos, segundo método de ensaio do DNER (DNER-ME 093/94). Os ensaios de sedimentação, além de serem realizados com defloculante hexametafosfato de sódio, também foram realizados sem o uso de defloculante e aparelho dispersor, utilizando uma metodologia modificada como feito por Cruz (1996), Rodriguez (2005), Fonseca (2006) e Leal (2009). Na metodologia modificada, as partículas do solo não são dispersas, e, por isso, os resultados refletem as condições dos agregados do solo em campo. Nesta pesquisa utilizou-se também o método geofísico GPR para a obtenção de dados referentes à espessura e profundidade das camadas de solo, diferenças entre horizontes e localização de blocos em subsuperfície. Para a aquisição dos dados empregou-se uma antena de 200 MHz, que permite um alcance ótimo até 5 metros de profundidade. A escolha dessa antena associa-se aos fatores limitantes da encosta.

Resultado e discussão

Os resultados das análises tátil-visuais e granulométricas apontaram a existência de duas camadas de solo: laterítica (espessura entre 1,5m e 5m) e saprolítica (espessura > 10m). Foram ensaiadas 57 amostras de solo representativas do perfil, com e sem uso de defloculante e aparelho dispersor, totalizando 114 análises granulométricas. Segundo triângulo textural proposto por Lemos e Santos (1996), os solos ensaiados com uso de dispersor e defloculante (CD) foram classificados, de uma maneira geral, como franco arenosos, já os solos ensaiados sem uso de dispersor e defloculante (SD) foram classificados, em sua maioria, como areia franca (Figura 1). Os percentuais de argila e silte foram os que sofreram maior alteração, quando comparado o método ABNT e a metodologia modificada. Nos solos classificados como lateríticos são encontrados altos percentuais de argila (20– 30%) nos ensaios CD, no entanto, nos ensaios SD os percentuais de argila para estes mesmos solos são nulos. Este fato está relacionado à formação do solo laterítico, que se dá pela atuação do intemperismo físico e principalmente químico, através da lixiviação de partículas, dando origem a um solo com estrutura estável e porosidade elevada com formação de grumos (COZZOLINO e NOGAMI, 1993; FOOKES, 1997). A argila em grumos assume o comportamento hidrológico de partículas de silte e até mesmo de areia fina (RODRIGUEZ, 2005; FONSECA, 2006; LEAL, 2009). Os solos classificados como saprolíticos apresentaram menores percentuais de argila (~10%) e maiores percentuais de areia (40–60%), devido a menor ação intempérica. Como evidenciado pelas estruturas reliquiares, apresentam manchas, xistosidades, vazios e outras características inerentes à rocha matriz. Sua composição mineralógica é dependente do tipo de rocha que é derivado, neste caso o granito Andorinha que confere uma coloração acinzentada ao saprolito (JUNHO, 1990) e do grau de intemperismo sofrido por esta (FUTAI, 1999). Diferentemente do esperado, os solos saprolíticos apresentaram índices de vazios (e) entre 1,11 e 1,26, valores estes, maiores do que os solos em processo de laterização, nos quais os índices de vazios variaram de 0,90 a 1,17. Para mesma área de estudo, Avelar et. al (2013) encontraram valores de e entre 0,97 e 1,61 para solos lateríticos e 0,77 e 1,03 para saprolíticos. Já Machado (2013) encontrou valores entre 0,88 e 1,09 nos solos saprolíticos. A diferença entre os índices de vazios encontrados na encosta pode ser justificada pela heterogeneidade e anisotropia do solo, visto que as amostras foram coletadas de diferentes locais. A existência de duas camadas de solo também foi evidenciada pelos resultados iniciais dos ensaios de condutividade hidráulica in situ (k). De maneira geral, os piezômetros instalados no solo laterítico obtiveram valores de k uma ordem de grandeza maior do que os piezômetros em solos saprolíticos. Este fato corrobora a relação entre condutividade hidráulica e propriedades físicas do solo, como: tamanho das frações granulométricas, volume e arranjo dessas partículas no solo (LAMBE e WHITMAN, 1969; HILLEL, 1980). Uma hipótese é que a diferença de k entre camadas, em eventos extremos de chuva, pode ocasionar a formação de um lençol suspenso que tende a saturar a porção superficial do solo reduzindo sua resistência ao cisalhamento, através da diminuição da sucção e consequentemente da tensão normal efetiva. No radargrama realizado longitudinalmente na encosta o contato entre as camadas lateríticas e saprolíticas foi identificado com clareza, evidenciado por diferentes respostas dielétricas (Figura 2). Feições identificadas ao longo do perfil foram interpretadas como blocos rochosos, que tendem a influenciar na permeabilidade e consequentemente no processo de percolação e possível exfiltração da água no solo. Lacerda (1999) demonstrou a influência de diques de diabásio na instabilidade de uma encosta, que agiam como um obstáculo ao fluxo subsuperficial, ocasionando a exfiltração.

Figura 1

Triângulo de classificação textural. Modificado de Lemos e Santos (1996).

Figura 2

Radargrama longitudinal da encosta alvo da pesquisa.

Conclusões

Informações extraídas das análises granulométricas, aliadas aos dados de condutividade hidráulica, aos resultados obtidos com o uso do GPR e às observações de campo permitiram a constatação da existência de duas camadas de solo com condutividades hidráulicas diferentes, sendo a mais superficial mais condutiva. Este dado sugere a formação de um lençol suspenso em eventos extremos de chuva. As características de condutividade hidráulica do solo aliadas a presença de blocos, como evidenciado pelo radargrama, pode favorecer o processo de exfiltração na encosta, que tende a contribuir para a instabilidade da mesma. Os blocos evidenciados pelo GPR e também observados ao longo da encosta podem exercer a mesma função que os diques de diabásio do estudo de Lacerda (1999). A influência dos blocos rochosos aliada a diferenças de condutividade hidráulica formam um cenário propício a ocorrência de fluxos instabilizadores na encosta.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a colaboração dos Laboratórios Geo-Hidroecologia (IGEO – UFRJ) e Hidrogeologia (IGEO – UFRJ), o Laboratório de Mecânica dos Solos (Poli – UFRJ) e o Laboratório de Geotecnia (COPPE – UFRJ), que através da pesquisa científica, buscam aprofundar o conhecimento sobre os diferentes mecanismos que regulam a dinâmica das encostas. E as agências de fomento à pesquisa CAPES, Cnpq e FAPERJ que viabilizaram financeiramente a execução desta pesquisa.

Referências

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