Anais: Ensino de Geomorfologia, formação e profissionalização do Geomorfólogo
REPRESENTAÇÃO TOPOGRÁFICA E VISUALIZAÇÃO ESPACIAL: HABILIDADES NECESSÁRIAS EM GEOMORFOLOGIA
AUTORES
Souza, C.J.O. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI - UFSJ)
RESUMO
O entendimento e uso do recurso carta topográfica constitui uma das habilidades necessárias nos estudos e ensino de geomorfologia, que devem favorecer o graduando visualizar as formas de relevo. Porém, verificam-se entre alunos de geografia dificuldades com o referido recurso, devido à falta de habilidades de representação e de visualização espacial, acompanhadas das dificuldades conceituais e cartográficas. Este texto apresenta e discute esse fato a partir de resultados de doutoramento.
PALAVRAS CHAVES
Habilidades; Representação; Visualização Espacial
ABSTRACT
The understanding and use of topographic feature is one of the skills needed in the study and teaching of geomorphology, which should help undergraduates see the forms of relief. However, there are difficulties between students of geography with that feature, due to lack of skills of representation and spatial visualization, accompanied by cartographic and conceptual difficulties. This paper presents and discusses this fact results from the PhD.
KEYWORDS
Skills; Representation; Visualization
INTRODUÇÃO
Em Geomorfologia pode-se dizer que as habilidades, para possíveis competências, compreendem, entre outros aspectos, o saber fazer: (a) a identificação das formas de relevo, no trabalho em campo e nas diferentes linguagens; (b) a correlação de processos geomorfológicos/formas/escalas espacial e temporal; (c) a análise das formas, segundo um arcabouço teórico; (d) a interpretação do relevo, à luz da visão integrada, sistêmica e dinâmica, considerando escalas espacial e temporal, e (e) a representação do fenômeno geomorfológico considerado (SOUZA, 2009). Porém, muitas vezes o aluno tem dificuldades com a representação e visualização espacial do relevo. Portanto, como compreender a explicação dada pelo professor ou livro se não compreende a representação? Qual a natureza dessa dificuldade? Sabe-se que as diferentes linguagens gráficas são amplamente utilizadas no ensino de geomorfologia. Porém, o uso delas nem sempre garante a compreensão, por parte dos alunos, do fato ou fenômeno representado.
Essas questões, entre outras, levou Souza (2009) a avaliar a habilidade de alunos de geografia com a leitura e interpretação de carta topográfica, blocos-diagrama, croquis e mapas, a fim de verificar a natureza de suas principais dificuldades. Parte dos resultados dessa investigação é retomada neste texto, que objetiva apresentar e discutir essas dificuldades entre alunos de geografia, com a representação e visualização do relevo em carta topográfica.
MATERIAL E MÉTODOS
Durante o doutoramento, Souza (2009) acompanhou o trabalho de 23 sujeitos, do Curso de Geografia de uma universidade federal. Esses foram organizados em seis equipes, intituladas grupos A, B, C, D, E, F. Cada grupo recebeu uma carta topográfica da Groenlândia, escala 1:250. 000, para descrever e representar as formas de relevo, resultantes de processos de erosão e de acumulação em ambiente glacial. Os objetivos do trabalho foram possibilitar o contato dos alunos com representações de formas estudadas em sala, durante as aulas de Geomorfologia Climática, e aferir a habilidade do aluno com a visualização e representação das formas na escala regional.
Para as avaliações dos trabalhos consideraram-se: a) a organização das informações no papel; b) a presença dos elementos externos e internos do mapa; c) a qualidade e riqueza dos traços e d) a clareza nas definições das formas de relevo e seu contexto. E, ainda, consideraram-se como parâmetros: i) Correspondência da configuração, que significa a articulação dos símbolos no mapa e o arranjo espacial das formas no contexto real, representado na carta (LIBEN et al. 2002); ii) identificação de formas e padrões em um todo complexo e iii) a clareza nas definições das formas e a relação definição e representação.
Para o sujeito realizar a identificação das formas de relevo em uma carta topográfica, deve antes ser capaz de decodificar os símbolos comuns na linguagem cartográfica, bem como conhecer conceitualmente as formas representadas. Liben e Downs (1993) chamam o reconhecimento do símbolo, na representação, como Representational Correspondence. Além dessa habilidade de correspondência, Souza (2009) destacou a importância da habilidade de visualização espacial. Essa compreende a habilidade de perceber e conceber as partes ocultas das formas tridimensionais, tanto no real como nas representações, como profundidade e planos. As informações levantadas foram lançadas em ficha e receberam pesos de 0 a 2.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para cada parâmetro qualitativo adotou-se o critério de peso: (2) o parâmetro se aplica; (1) o parâmetro se aplica com restrições e peso (0) o parâmetro não se aplica. A somatória (10) desses pesos possibilitou analisar cada trabalho e compara-los segundo critérios quantitativos e qualitativos. Entre os seis grupos foram identificados 2 (grupos B e D) que apresentaram dificuldades de natureza cartográfica, de representação e de visualização espacial, que se desdobraram em dificuldades referentes a normas técnicas. Estas se referem aos elementos externos que devem estar contidos em um mapa como, as coordenadas geográficas, que permitem localizar a porção estudada na carta original e a escala cartográfica. Esses grupos obtiveram a somatória 6 e 3 em um total de 10.
Apesar de apresentar conhecimento satisfatório dos conceitos e das formas de relevo estudados em Geomorfologia, o Grupo B (6) apresentou deficiência na representação cartográfica, enquanto os alunos do Grupo D (3) apresentaram conhecimento insatisfatório, tanto dos conceitos quanto da representação e da visualização espacial.
Os sujeitos do Grupo D não empregaram o recurso da curva de nível (Figura 1), que permite a visualização das formas em 3D; apenas representaram as formas a partir de seu possível contorno (Figura 2), diferentemente dos demais grupos.
Além disso, os alunos do grupo D não apresentavam habilidade para representar, mesmo utilizando cartas como referência. A elaboração de um croqui demanda a capacidade de selecionar o objeto de interesse, evidenciá-lo e colocar em segundo plano as demais informações que ajudam a evidenciar o seu objeto. Além disso, é necessário escolher um símbolo como meio para dar forma ao que se deseja representar.
Para identificar uma forma de relevo é necessário, inicialmente, que o sujeito a conheça e entenda seu significado. E, ainda, conheça os seus atributos interno e externo, sua escala geográfica de ocorrência e os processos que a originaram.
O aluno ao observar as curvas de nível deve ser capaz de realizar a reconstituição do bi para o tridimensional, pela separação e identificação da extensão de cada curva, que se transformará em planos. Esse exercício demanda a habilidade de conceber e de visualizar os vários planos sobrepostos (significantes), com o auxilio dos números (altitude) que eles trazem. Logo, a combinação de planos, organizados em ordem crescente, da base para o topo, possibilita o aluno correlacionar símbolos (linhas e números) e conceitos (curva de nível, relevo, formas) e visualizar (imaginar) a superfície do terreno representado (Figura 1). Essas observações não se aplicaram entre os alunos do grupo D.
De acordo com Clark et. al. (2004), há pessoas que ainda não conseguem perceber a relação existente entre o espaçamento entre as curvas e a declividade do terreno. Portanto, atividades práticas com a transposição da imagem bidimensional para a tridimensional, por meio da elaboração de planos de superfícies altimétricas (curvas de nível), possibilitam ao aluno superar o equívoco e as dificuldades de associação entre o espaçamento das curvas e o aspecto do relevo (SOUZA, 2009).
Estudos como o de Kali e Orion (1996) e Souza (2009), mostram que além dessas dificuldades, a habilidade de se perceber a estrutura interna de objetos, intitulada de “Vision penetrative”, é, também, deficiente entre muitos alunos da Geografia e da Geologia. Por isso, deve-se pensar em atividades com geométricos sólidos que possibilitem desenvolver de tais habilidades, como sugerido por Pohl (1994), no texto intitulado “Visualizando o espaço tridimensional pela construção de poliedros”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo e ensino de geomorfologia ocorrem por meio de observação direta durante trabalhos em campo e de observação indireta, por intermédio de carta topográfica, mapa geomorfológico, blocos-diagramas, maquetes e de outras imagens, como fotografias aéreas e imagens obtidas por satélite. Essas devem ser fontes de informações para o estudo geomorfológico, que compreende, entre outras ações, levantar as características externas e a localização espacial e o contexto do relevo. Isso só não significa pensar e fazer geomorfologia, mas constitui um procedimento e uma habilidade básica necessária no processo de interpretação. Sem conseguir identificar, visualizar e entender as formas resultantes de diferentes processos geomorfológicos, o discente apresentará maiores dificuldades se comparado com os alunos que apresentam habilidades satisfatórias. Cabe ao professor estar atento a essas habilidades para que suas ações pedagógicas e didáticas possam ser mais eficazes entre os alunos.
AGRADECIMENTOS
A todos os alunos de Geografia, sujeitos da pesquisa de doutoramento, realizada entre 2005 e 2009, que aceitaram e colaboraram com a referida pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
CLARK, D., et al. Interpreting topographic maps: Strategies and assumptions of university students, Paper presented at the annual meeting of the National Association for Research in Science Teaching, Vancouver, Canada, 2004.
KALI, Y.; ORION, N.. Spatial abilities of High-school students in the perception of Geologic structures. Journal of research in Science Teaching, v. 33, n. 4, p. 369-391m, 1996.
LIBEN, L. S. et al. Real-word knowledge through real-world maps: a developmental guide for navigating the educational terrain. Development Review, v. 22, 2002, p.267-322.
LIBEN, L., S.; DOWNS, R. M. Understanding person-space-map relations: cartographic and developmental perspectives. Developmental Psychology, v. 29, p. 739-752, 1993
POHL, V. Visualizando o espaço tridimensional pela construção de poliedros. In: LINDQUIST, Mary M.; SHULTE, Albert P. Aprendendo e ensinando geometria. Tradução de Hygino H. Domingues. São Paulo: Atual, 1994. P.178-190.
SOUZA, C. J. O. Geomorfologia no ensino superior: difícil, mas interessante! Por quê? Discussão a partir dos conhecimentos e das dificuldades entre graduandos de geografia – IGC/UFMG. Belo Horizonte: IGC-UFMG (Tese de doutorado), 2009.