Anais: Ensino de Geomorfologia, formação e profissionalização do Geomorfólogo

ENSINO DE GEOMORFOLOGIA E CURRICULO EM SALA DE AULA

AUTORES
Souza, C.J.O. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO JOÃO DEL REI)

RESUMO
Este discute a ideia de currículo em sala de aula aplicado à disciplina de Geomorfologia, a partir de práticas realizadas por graduandos de Geografia, com conteúdos de geomorfologia fluvial. Leituras e estudo de caso foram utilizados como fundamentos e fonte de dados. A prática desenvolvida pelo professor mostrou, entre os alunos, dificuldades conceituais e dificuldades em transitar entre as escalas local e regional e mostrou o currículo em sala como um desafio e uma possibilidade na formação.

PALAVRAS CHAVES
Currículo crítico; Formação; Geomorfologia

ABSTRACT
This discusses the idea of curriculum in the classroom apply to the subject of geomorphology, considering practices on river geomorphology. These were performed by geography'students. The research and case study were used as foundations and data source. The practice developed by teacher showed, among students, conceptual difficulties and difficulties in transiting between the local and regional scales and showed the curriculum in the classroom as a challenge and a chance at professionalization.

KEYWORDS
Critical curriculum; Professionalization; Geomorphology

INTRODUÇÃO
Este trabalho, de caráter qualitativo, resulta de reflexões sobre a necessidade de se pensar o processo de ensino e aprendizagem significativa e o ensino de geomorfologia fundamentado na ideia de currículo em sala de aula. Para se desenvolver esse pensamento, considerou-se a análise de estudo de caso sobre ensino de geomorfologia fluvial, com alunos de Geografia, no ano de 2011. Falar sobre ensino de geomorfologia remete pensar, entre outros aspectos, a sala de aula enquanto espaço privilegiado, onde o processo de aprendizagem é desenvolvido e é continuamente alimentado por práticas, atividades e ações que favoreçam a construção de conceitos e noções importantes no raciocínio geomorfológico. Essa construção não se dá somente pelos conteúdos em si, mas pela combinação de outros fatores como relação professor-aluno, aluno-conteúdo, conteúdo-metodologia, metodologia-concepção de ensino e de formação. A maneira como o professor desenvolve e constrói o currículo em sala de aula, tem relação com sua concepção de formação, de ensino-aprendizagem e de conteúdos necessários. A construção do currículo em sala é um desafio para todos os professores que desejam fazer da docência um processo crítico e emancipatório do currículo prescrito, na formação. Portanto, este trabalho discute a ideia de currículo em sala de aula no contexto do ensino de geomorfologia a partir de uma prática educativa e formativa de um professor, com conteúdos de geomorfologia fluvial. Essa discussão possibilita pensar como esse professor vê a disciplina e abre espaço para se repensar o currículo em sala de aula no âmbito do ensino de geomorfologia.

MATERIAL E MÉTODOS
Neste estudo qualitativo, leituras sobre currículo, didática, ensino de geomorfologia e geomorfologia fluvial foram realizadas, em autores como Furquin (1996), Libâneo (2008), Souza (2009), Souza e Oliveira (2011), e Christofoletti (1981; 2002). Essas leituras fundamentaram tanto a discussão sobre o tema, quanto o estudo e análise do conteúdo abordado em sala e representado em maquetes, produzidas em argila. Nessas maquetes foi representado o conteúdo “Tipologia de leitos, drenagem e processos”. Essa prática realizada em laboratório, combinada com a noção de currículo em sala, constituíram dados e informações para as discussões sobre ensino de geomorfologia no âmbito do currículo em sala. A ideia de currículo remete, inicialmente, o pensamento para o âmbito geral da formação, que se materializa em estruturas curriculares. Estas gradativamente desenvolvem-se no interior das atividades acadêmicas e das disciplinas. Porém, currículo é tudo que é ensinado ou aprendido na escola (FURQUIN, 1996). Mas, isso não significa ser somente o programa das matérias, mas todo o percurso de formação dos conteúdos e conhecimentos, mediados pelas escolhas pedagógicas, pelas interações didáticas, pela seleção dos conteúdos e da multiplicidade de recursos didáticos que serão utilizados pelo professor na articulação do processo de ensino-aprendizagem. Pensar o currículo em sala significa, também, considerar a existência de ambiente acadêmico favorável à aprendizagem, no qual todas as ações venham favorecer o processo complexo e relacional de conhecer e incorporar dados novos ao repertório de significados já construídos pelos sujeitos alunos. Isso compreende considerar os conhecimentos prévios, as habilidades com as representações e, principalmente, as dificuldades dos alunos. Currículo na perspectiva crítica considera a objetividade e subjetividade do sujeito (aluno) em processo de formação, respeitando suas especificidades e participação na construção do currículo em sala de aula.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A prática realizada pelo professor de geomorfologia compreendeu modelagem em argila, para abordar os conceitos de leitos: maior, menor e vazante. E a dinâmica e formas dos canais. O professor orientou os alunos para leituras e representação desses conceitos e formas resultantes da interação dinâmica fluvial e ocupação solo. E, ainda, apresentou as questões: Como se comporta o fluxo d’água em sua calha de acordo com o tipo de canal? Onde ele erode e deposita mais? Como e quando o fluxo drena o leito vazante, o leito menor e o leito maior? Qual trecho do canal deseja representar? Como está o uso e ocupação do solo no entorno desse trecho? Quais ações antrópicas podem modificar esse trecho? A turma dividida em grupos produziu sete maquetes. Desse total, 57% representava uma porção do espaço em escala local e os demais 43%, em escala regional. Os alunos que representaram os canais em escala regional, não puderam e nem sabiam representar os tipos de leitos e não tinham clareza sobre os mesmos. A imagem que eles tinham sobre o tema era a da rede de drenagem em cartas topográficas. Essa situação revelou que representações em escala pequena são mais fáceis para alunos com defasagem de conhecimento sobre processos e formas fluviais pontuais, devido às informações generalizadas. Apesar de a vivência, dos alunos, ocorrer na escala do local, a formação escolar recebida reforça a perspectiva do fluvial nas grandes bacias hidrográficas. Souza (2009) considera essa situação como uma forma de obstáculo conceitual, construído e fortalecido pelas representações nos mapas de hidrografias e retomado em situações que se trabalha com o conceito de bacia hidrográfica através de cartas topográficas. Os obstáculos entendidos como dificuldades na aprendizagem dos conteúdos acadêmicos, podem estar relacionados às dimensões didáticas, pedagógicas ou cognitivas (LIBÂNEO, 2008). No presente caso, acredita-se que essas dificuldades resultam da combinação da falta de clareza do conteúdo específico, do obstáculo conceitual sobre a temática fluvial e da ausência de habilidade para transitar em diferente escala espacial. Para superar essa dificuldade foi necessária a visualização e problematização da dinâmica fluvial em escala local, por meio da socialização e discussão de todas as maquetes, da exibição de imagens reais locais e de trabalho em campo. Os demais grupos não apresentaram essas dificuldades. Em suas maquetes, os leitos representados referiam-se a um trecho de um canal hipotético ou real. A maioria dos trechos representados referia-se a trechos de cursos d’água em áreas urbanas (72%), enquanto a minoria (28%) representava trechos de área rural. De acordo com os diferentes grupos, “a utilização da modelagem em argila, permitiu refletir e visualizar elementos abstratos e os resultados dos fenômenos representados [...]” (grifo do autor). “A partir da realização desse trabalho, foi possível compreender melhor fatores que diferenciam a dinâmica fluvial em ambiente urbano e ambiente ainda sem muita intervenção antrópica”. “[...] tivemos de refletir sobre o quê, como e por que tais feições seriam representadas na argila”. “A maior dificuldade foi pensar o quê seria representado, já que tais elementos da Geomorfologia Fluvial, muitas vezes são de difícil visualização no urbano [...]”. “Representar tais elementos da Geomorfologia Fluvial no urbano contribuiu significativamente para tornar visível o que muitas vezes é despercebido no cotidiano”. Essa prática pedagógica e esses relatos mostram a importância de se considerar os conhecimentos e dificuldades dos alunos, assim como habilidades esperadas em geomorfologia, como: ser capaz de reconhecer na representação e no real as formas resultantes da combinação de processos, saber transitar em diferentes escalas espacial e temporal, entre outras (SOUZA, 2009). As aulas expositivas e ilustradas não são suficientes para se conhecer essas dificuldades e nem garantem a aprendizagem do conteúdo ensinado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sala de aula é o espaço privilegiado de negociações e de produção de novos sentidos e significados dos diferentes conceitos construídos na formação acadêmica. Nesse espaço, o professor tem autonomia para pensar nos propósitos dos conteúdos de geomorfologia, o que deve ser ensinado para os alunos, bem como pensar no processo necessário à transformação das intenções em ação e assim corporizar com os alunos o currículo traduzido como o “ideal”. Cada aula é uma aula e apresenta ritmos e conteúdos distintos de acordo com o planejamento prévio, a participação dos alunos e as adaptações em decorrência da demanda da turma que são indicadas por suas necessidades e dificuldades. O currículo desenvolvido em sala revela como o professor vê a disciplina. No caso da Geomorfologia, o professor: percebe a importância da construção de conceitos chave, como processos, escalas e formas; está atento aos sujeitos em formação e desconsidera o método de ensino transmissivo e a hierarquia autoritária.

AGRADECIMENTOS
A todos os graduandos que foram alunos do referido professor, no ano de 2011. Esses ao buscarem aprender geomorfologia permitiram ao professor aprender mais sobre ensino.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
CHRISTOFOLETTI, Antônio. Modelagem de Sistemas Ambientais. São Paulo: Edgard Blücher, 2002. 239p.
_________________________. Geomorfologia Fluvial. São Paulo: Edgard Blücher, 1981. 313p.

FORQUIN, Jean- Claude. Escola e Cultura. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1993.

LIBÂNEO, José C. Didática. São Paulo: Cortez, (Coleção magistério Série Formação do professor). 2008.

SOUZA, Carla J.O. Geomorfologia no Ensino Superior: difícil, mas interessante! Por quê? Uma discussão a partir dos conhecimentos e das dificuldades entre alunos de geografia do IGC-UFMG. Belo Horizonte, 2009 (Tese de doutorado).

SOUZA, Carla J. O. e OLIVEIRA, Janete R. Representação de áreas de riscos socioambientais: geomorfologia e ensino. Revista Territorium, n. 18, Portugal, 2011, p.175 -184.