Anais: Ensino de Geomorfologia, formação e profissionalização do Geomorfólogo
Geomorfologia na formação de professores: estratégias docentes relacionadas à prevenção de desastres naturais
AUTORES
Afonso, A. (UERJ /UFRJ)
RESUMO
Os professores de Ensino Básico têm grande importância na divulgação de informações relativas à
prevenção de desastres naturais. Este trabalho apresenta propostas docentes desenvolvidas em
disciplinas relacionadas à Geomorfologia na licenciatura em Geografia da FFP/UERJ, com vistas a
aprofundar conteúdos teóricos e metodológicos relacionados à dinâmica geomorfológica, bem como
desenvolver estratégias de adequação pedagógica para os níveis de ensino fundamental e médio.
PALAVRAS CHAVES
Conceitos Geomorfológicos; Ensino de Geografia ; Desastres Naturais
ABSTRACT
Basic Education teachers have great importance in disseminating information concerning the prevention
of natural disasters. This paper presents teaching proposals developed in disciplines related to the
Geomorphology in the licentiate course in Geography of FFP/UERJ, with a view to deepen theoretical and
methodological issues related to geomorphological dynamics as well as to develop appropriate strategies
for teaching in elementary and high school levels.
KEYWORDS
Geomorphological Concepts; Teaching Geography ; Natural Disasters
INTRODUÇÃO
As leis e políticas educacionais propostas no Brasil desde os anos 1990 diversificam cada vez mais as
funções dos professores de Ensino Básico. O trabalho docente vem incorporando tarefas novas e
complexas, especialmente no que se refere ao contexto de “inserção às circunstâncias” do local em que
irá se realizar (Gatti et al, 2011). Isso significa que os professores devem tanto ser capazes de cumprir as
exigências curriculares formais (conhecimentos téoricos) como de desenvolver práticas (atitudes e
procedimentos) que levem à valorização da cidadania (social e política),economicamente inserida e
ambientalmente adequada. Os cursos de licenciatura devem estar atentos a essas novas demandas a fim
de desenvolver meios que ajudem os futuros docentes a cumprir seu papel na sociedade atual. Quanto
ao ensino de Geografia, as possibilidades de inserção do professor aos contextos escolares locais são
muito diversificadas e devem incluir informações relativas a riscos de desastres naturais.
Ao considerar o contexto geomorfológico das regiões administrativas do estado do RJ, percebe-se a
diversidade de situações de risco natural, especialmente os associados a processos de encosta e fluviais.
Fatores naturais (padrão de chuvas, declividade, descontinuidades texturais, foz de rios afetados por
marés...) explicam a recorrência de deslizamentos,enxurradas e enchentes. No entanto,modificações
decorrentes da urbanização (impermeabilização do solo, retilinização/manilhamento e assoreamento da
drenagem etc) intensificam sua gravidade.
Este trabalho apresenta experiências pedagógicas relacionadas à redução da vulnerabilidade e prevenção
contra eventos geomorfológicos extremos e desastres naturais. Prevenir desastres naturais exige a
eficiente divulgação dos mecanismos que regem os processos naturais extremos. É, portanto, de extrema
importância desenvolver metodologias que favoreçam a docência de conteúdos relacionados à
Geomorfologia para o ensino de Geografia desde a escola básica.
MATERIAL E MÉTODOS
Serão apresentados os resultados de experiências docentes na licenciatura em Geografia da FFP/UERJ
entre
os anos de 2009 e 2011 em disciplinas relacionadas à Geomorfologia (Geral, Continental e Costeira), nos
quais buscou-se:
a) discutir conceitos geomorfológicos (como estabilidade/equilíbrio/ajuste, análise sistêmica e resiliência)
e
como aplicá-los no ensino básico;
b) levantamento de situações de risco geomorfológico em áreas urbanas (conforme interesse dos próprios
alunos, em geral em municípios da RMRJ e da Região Serrana), a partir de conhecimentos da dinâmica
fluvial
e de encostas. Os licenciados utilizaram bases cartográficas facilmente acessíveis (especialmente
imagens
Google Maps), localizando nelas os pontos mais críticos no que se refere a riscos geomorfológicos e
identificando fatores naturais e antrópicos associados ao risco específico local. Em certos casos, foram
feitos contatos diretos com pessoas já afetadas pelos riscos apontados. Tais entrevistas tiveram o intuito
de
avaliar como a população se relaciona com os elementos do ambiente natural (rios, encostas, solos,
vegetação etc) e como percebe os riscos a que está submetida.
Os resultados dos levantamentos de situações de risco foram organizados em seminários. Pode-se
perceber
a recorrência de situações semelhantes na várias áreas estudadas. O procedimento levou a um outro
nível
de debate, onde se destaca a importância da divulgação de informações relacionadas à dinâmica
geomorfológica e mecanismos de prevenção contra desastres e sua relação com os encaminhamentos
políticos para solucionar tais problemas.
As atividades propostas tiveram o intuito de ampliar a percepção dos próprios licenciandos em relação à
dinâmica geomorfológica em áreas urbanizadas (onde rios, solos e encostas estão tão modificados que
“desaparecem” da paisagem) bem como ampliar sua percepção em relação à noção de risco
geomorfológico.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As experiências realizadas na licenciatura do DGEO/FFP/UERJ, têm demonstrado preocupação em articular
conteúdos específicos das disciplinas da área de Geociências (Geologia e Geografia Física) ao
desenvolvimento de práticas de ensino a serem usadas na escola básica. A experiência acumulada nas
disciplinas relacionadas à Geomorfologia tem apresentado bons resultados nessa articulação, conforme
AFONSO,2011; AFONSO et al,2012; AFONSO & ARMOND,2009; RODRIGUES & AFONSO,2011a;b.
Reconhece-se que nas reestruturações curriculares nos últimos anos, tem havido pressões para reduzir
conteúdos relacionados à Geografia Física nas licenciaturas em Geografia, o que certamente tem relação
com o despreparo geral de muitos professores do ensino básico em tratar de temas relacionados à
dinâmica da natureza.Cabe,portanto, demonstrar a relevância de aprofundar conceitos geomorfológicos
fundamentais, bem como estabelecer relações entre eles e outras áreas do conhecimento.
Chistofoletti (1999), Rodrigues (2001) entre outros, definem sistemas geomorfológicos complexos como
sendo uma totalidade organizada com elementos diversificados e com dinâmicas, ritmos e limites
distintos. As noções de estabilidade e equilíbrio (Mattos & Peres Filho,2004) são entendidas
como a capacidade dos sistemas geomorfológicos manterem seu padrão de organização mesmo quando
submetidos a distúrbios ambientais – drásticas alterações nas entradas/fluxos/saídas de energia ou
massa. A estabilidade é uma propriedade que traduz a capacidade do sistema de preservar sua
organização geral, enquanto que o equilíbrio é o mecanismo que garante o ajuste dinâmico entre seus
elementos. A organização dos sistemas complexos inclui diversos níveis de ajustes entre os elementos e
que, portanto, sua estabilidade é relativa e dinâmica. Eventos extremos fazem parte de sistemas estáveis
– e é normal que ocorram, mesmo que raramente. O conceito de resiliência trata da capacidade de um
sistema perturbado retornar ao estado anterior à perturbação. A noção de estabilidade com resiliência
pressupõe que o distúrbio cause uma alteração temporária no arranjo de um sistema, mas que depois de
algum tempo, este volte a uma condição similar à anterior.
Tem crescido o consenso em torno da questão de que cada vez mais as populações deverão conviver com
desastres naturais, seja devido às alterações dos ambientes naturais, seja pela dificuldade em evitar a
ocupação de áreas de risco geomorfológico - daí a crescente divulgação de mecanismos de prevenção a
desastres naturais (CPRM, 2007; TOMINAGA et al., 2009; WORLD BANK, 2010; DRM, 2011; ALERTA RIO
etc). Destaca-se aí a noção de resiliência: as comunidades e os indivíduos devem se acostumar a viver
com a possibilidade de ocorrência de desastres naturais, criando estratégias para reduzir as perdas delas
decorrentes.
Em trabalhos realizados em 2009/2010 na RMRJ – especialmente São Gonçalo e Niterói - e em 2011 (em
áreas atingidas pelo megadesastre na Região Serrana) pode-se constatar a enormidade das
fatalidades em termos humanos e materiais decorrentes dos deslizamentos, enxurradas e enchentes
associadas a eventos pluviométricos intensos e concentrados. A extensão das áreas de ocupação
irregular limita severamente a realocação de milhares de pessoas ainda vulneráveis. A proposta de
desenvolver resiliência da população para desastres naturais nessas áreas reforça a noção de que é
impossível controlar completamente os desastres naturais, mas é melhor estar preparado para eventos
extremos do que recuperar perdas decorrentes do despreparo para enfrentá-los.
A noção de resiliência admite que as condições de uso de áreas de risco sejam corrigidas, restringindo
novas ocupações e intensificando sistemas de prevenção e alerta a longo prazo.Tal proposta,
infelizmente,tem claros limites de aceitabilidade,sobretudo quando associada à leniência do poder
público em enfrentar problemas radicais como ocupação urbana desordenada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aprofundamento em torno de conceitos teóricos, de métodos de investigação e análise
geomorfológicos tem sido incorporados no curso de licenciatura em Geografia do DGEO/FFP/UERJ com
bons resultados. A experiência prática adquirida em pesquisas de campo e levantamentos sobre áreas
urbanizadas vulneráveis a desastres naturais vem sensibilizando os futuros professores a efetivamente
inserir e articular a dinâmica de natureza às questões sociais, econômicas e políticas no ensino da
escolar. Tratar de temas relativos à dinâmica ambiental, divulgar informações relativas a processos
geomorfológicos extremos, especialmente relacionados a movimentos de massa e inundações é de
extrema importância para a prevenção e/ou a mitigação dos efeitos dos desastres naturais que atingem
tantos indivíduos em idade escolar, bem como suas famílias e comunidades em que se inserem.
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