Anais: Geotecnologias e mapeamento geomorfológico

CONSIDERAÇÕES SOBRE O MAPEAMENTO GEOMORFOLÓGICO EM ÁREAS URBANAS: análise das alterações geomorfológicas no setor de nascente da bacia hidrográfica do Córrego Lavapés, em Rio Claro (SP)

AUTORES
Fagundes, A. (UNESP-RIO CLARO) ; Cunha, C.M.L. (UNESP-RIO CLARO)

RESUMO
Esse artigo objetiva apresentar as alterações geomorfológicas resultantes dos processos de urbanização no setor de nascente da bacia do Córrego Lavapés, em Rio Claro (SP), através da cartografia geomorfológica de detalhe histórico-evolutiva. Para isso, compararam-se as informações obtidas para os cenários de 1962 e 2010. Os resultados demonstram que houve alterações na morfologia da área, principalmente no leito fluvial do córrego.

PALAVRAS CHAVES
CartografiaGeomorfológica; Urbanização; Córrego Lavapés

ABSTRACT
This paper intent to present the geomorphology modification resultant of urbanization process in the nascent sector of Lavapés watershed, in Rio Claro (SP), through the geomorphology cartography of historic-evolutive details. For this, it were compared informations obtainted in the years of 1962 and 2010. The results demonstrate that there were modifications in the surface morphology, mainly in the stream’s fluvial bed.

KEYWORDS
Geomorphology Cartography; Urbanization; Lavapés Stream

INTRODUÇÃO
Desde que as populações passaram a viver em ambientes urbanos, diversas mudanças foram realizadas no ambiente natural. O homem modifica o meio em que vive conforme suas necessidades. Porém, esse fato ocorre, muitas vezes, sem considerar os condicionamentos biofísicos do lugar de implantação (JORGE, 2011). Nas últimas décadas, o homem passou a ser considerado um agente geomorfológico, modificador do meio natural em que vive (NIR, 1983; RODRIGUES, 2005). Os ambientes construídos causam interferências nos processos dos ambientes naturais, o que ocasiona reações negativas em todo o sistema. Essas reações são diretamente sentidas pelo homem, através de problemas que se tornaram constantes em muitas cidades, como as enchentes, os escorregamentos de terra, os assoreamentos de cursos d’água, as voçorocas, as subsidências de terrenos, entre outros. Dessa forma, faz-se necessário a realização de estudos geomorfológicos que evidenciem as transformações nas formas de relevo realizadas pelo homem. Portanto, esse artigo objetiva apresentar as alterações geomorfológicas resultantes dos processos de urbanização no setor de nascente da bacia do Córrego Lavapés, em Rio Claro (SP), avaliadas através da cartografia geomorfológica de detalhe histórico-evolutiva. Para isso, compararam-se as informações obtidas nos cenários de 1962 e 2010. A realização desse estudo nessa área justifica-se pela necessidade de compreender os impactos que estão em curso.

MATERIAL E MÉTODOS
A orientação metodológica do trabalho pauta-se na Teoria Geral dos Sistemas aplicada a Geografia. Neste trabalho, utilizaram-se os critérios abarcados por sistemas controlados. Segundo Christofoletti (1979, p.19), esses sistemas “apresentam a ação do homem sobre os sistemas de processos-resposta. A complexidade é aumentada pela intervenção humana”. Quando ocorre o exame das estruturas desses sistemas, ocorre a verificação de variáveis chaves, nas quais o homem pode intervir para realizar modificações na distribuição da matéria e da energia, e consequentemente, influenciar nas formas que com estão relacionadas. O uso desse método na pesquisa fundamenta-se em Nir (1983) e Rodrigues (1999), os quais o consideram como adequado para estudos sobre a influência do homem na geomorfologia. A identificação das alterações geomorfológicas no Córrego Lavapés ocorreu através da cartografia geomorfológica histórico-evolutiva. As cartas geomorfológicas foram construídas segundo as técnicas propostas por Tricart (1965) e Verstappen e Zuidam (1975). Porém, como se trata de um trabalho em ambientes urbanos, algumas simbologias foram adequadas segundo a proposta de Rodrigues (2005) e Silveira (2009). Para o cenário de 1962, realizou-se a fotointerpretação de pares estereoscópicos de fotografias aéreas, com escala de 1:25.000. No cenário de 2010, utilizou-se fotografias aéreas com escala de 1:1.000, porém sem a fotointerpretação pois o material cedido pela prefeitura municipal não propiciava estereoscopia. A fim de sanar tal problema, os dados coletados para esse cenário foram complementados através de trabalhos de campo. Posteriormente, realizou-se a digitalização do overlay da fotointerpretação do cenário de 1962 através do software AutoCAD Map 2004 sobre a base topográfica digital da área de estudo com escala de 1:10.000. A criação do mapa do cenário de 2010 ocorreu sobre a própria imagem.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A bacia hidrográfica do Córrego Lavapés localiza-se entre as coordenadas geográficas 22°23’16” e 22°24’53” latitude sul e 47°33’52” e 47°32’40” longitude oeste, e ocupa uma área de 4,83 km² (483 ha). Atualmente, o alto e médio curso da bacia encontra-se urbanizado, sendo predominantemente ocupado por residências. Segundo Cerri (1999), antes da canalização do córrego, o mesmo teve suas margens danificadas pelo processo de erosão causado pelas grandes vazões na época das cheias e pela crescente valorização da área ao longo do seu curso. Além disso, o córrego havia se tornado um canal de esgoto a céu aberto, fato que preocupava a população local. Buscando-se amenizar tais problemas, a solução encontrada foi a de canalizar o curso d’água. As transformações no setor de nascente da bacia são demonstradas na figura 1, que apresenta os resultados obtidos com os mapeamentos para os anos de 1962 e 2010. Para este trabalho, se escolheram três pontos do setor (indicados na figura pelos números 1, 2 e 3), buscando demonstrar algumas transformações antrópicas na morfologia da área. A fotointerpretação para o ano de 1962 permitiu constatar que a área próxima a nascente do córrego encontrava-se urbanizada. Esse foi identificado como um terreno alagadiço, mas as informações geológicas informam que o mesmo era no passado uma lagoa de cabeceira de drenagem. Em 2010, toda a área encontra-se urbanizada, com lotes e traçados de ruas definidos. A nascente se encontra em um lote onde, atualmente, o terreno é utilizado como estacionamento de uma instituição religiosa (Figura 1, número 1). Em 1962 constatou-se a presença de um sulco erosivo próximo a área da nascente, indicando concentração do escoamento superficial naquele local. Em 2010, não há a identificação desse sulco, que provavelmente foi eliminado a partir dos processos de terraplanagem para construção de edificações (Figura 1, número 2). Hoje, o escoamento superficial da área é controlado por sistemas de galerias pluviais, que direcionam os fluxos para o córrego canalizado. Segundo informações de Rossetti (2007), no ano de 1962 o curso do córrego encontrava-se retificado e preparado para canalização e posterior incorporação na malha viária. Nota-se na figura 1 que o curso já se encontrava retificado. Em 1970, deram-se início as obras de canalização do córrego, que foi inicialmente canalizado no trecho apresentado no cenário de 1962. A área de acumulação de planície e terraço fluvial (APTF), identificada no cenário de 1962, foi posteriormente incorporada à malha viária, com a criação da uma avenida que acompanha todo o fundo de vale do córrego. Atualmente, esse trecho encontra-se retificado e canalizado. A área identificada na figura 1 pelo número 3 apresenta, em 2010, uma rotatória e uma praça, dividida pela via. Nesta, encontra-se o atual curso do córrego. Os trabalhos de campo para reambulação dos dados permitiram constatar a existência de um fundo de vale dissimétrico. Sua dissimetria é observável no cenário de 1962 através da APTF. A margem direita do córrego apresentava uma dinâmica erosiva e a margem esquerda apresentava uma dinâmica deposicional. Essa informação pode nos indicar que naquele local as características litológicas interviam na dinâmica do curso do córrego.





CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados obtidos através do mapeamento geomorfológico de detalhe histórico-evolutivo permitem considerar que homem atuou como um agente geomorfológico, transformando a paisagem e adquirindo o controle de alguns sistemas existentes do setor de nascente da bacia hidrográfica do Córrego Lavapés. A morfologia antropogênica da área pode ser caracterizada pela existência de sistemas controlados, como a aterragem da nascente, a retificação e canalização dos cursos d’água e a construção de vias e edificações nas áreas de APTF. Observações de campo demonstraram que vários trechos da via construída no fundo de vale encontra-se em processo de subsidência, indicando instabilidade dos terrenos. Perante o exposto, considera-se importância desse tipo de mapeamento em áreas urbanas, para que as análises dos processos antrópicos sobre o relevo forneçam bases para o desenvolvimento de medidas que promovam a diminuição de seus impactos.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos a FAPESP - Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – pelo financiamento através do processo 2011/19476-0.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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