Anais: Geotecnologias e mapeamento geomorfológico
Análise espacial dos movimentos de massa ocorridos em 2011 no bairro do Córrego D'Antas - Nova Friburgo/RJ
AUTORES
Pinho, G. (UFF) ; Francisco, C. (UFF) ; Salgado, C. (UFF)
RESUMO
Em janeiro de 2011, a região serrana do Estado do Rio de Janeiro vivenciou a maior catástrofe natural do Brasil, quando chuvas torrenciais caíram em poucas horas, deflagrando inúmeras ocorrências de movimentos de massa e inundação. Neste trabalho foram analisadas as relações espaciais entre as cicatrizes dos movimentos de massa, o uso e cobertura da terra e os espaços que se constituiriam em Áreas de Preservação Permanente (APP) no bairro de Córrego D’Antas, localizado no município de Nova Friburgo.
PALAVRAS CHAVES
movimentos de massa; SIG; APP
ABSTRACT
In January 2011, the mountainous region of the Rio de Janeiro State experienced the greatest natural disaster in Brazil, when torrential rains fell in a few hours, triggering numerous mass movements and flooding. This study analyzed the spatial relationship between the scars of mass movements, the land use and cover and the spaces that constitute the Permanent Preservation Areas (APP) in the neighborhood of D’Antas Creek, located in the city of Nova Friburgo.
KEYWORDS
mass movement; SGI; PPa
INTRODUÇÃO
No Brasil, assim como em muitos países de características tropicais, movimentos de massa associados a períodos de precipitação intensa são recorrentes e grandes causadores de inúmeras perdas humanas e prejuízos econômicos nas regiões atingidas. Em janeiro de 2011, principalmente os municípios de Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis, localizados na região serrana do estado do Rio de Janeiro, vivenciaram uma catástrofe que, segundo a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil do estado do Rio de Janeiro (SNDC, 2011) mais de nove mil pessoas ficaram desabrigadas e foram contabilizadas 870 mortes, sendo aproximadamente 420 só no município de Nova Friburgo. Segundo o Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro (2011), na madrugada do dia 11 de janeiro para o dia 12 (das 21 horas do dia 11 às 07 horas do dia 12), chuvas torrenciais, que superaram os 220 mm em 10 horas de precipitação, atingiram a região, deflagrando inúmeras ocorrências de movimentos de massa e inundações. As características fisiográficas da região serrana fluminense contribuem para esses processos: encostas íngremes, vales estreitos, rochas com alto grau de intemperismo, contato abrupto rocha-solo, litologias com fraturas etc. Por outro lado, algumas destas características físicas são consideradas fundamentais para a delimitação de Áreas de Proteção Permanente, como as áreas marginais dos corpos d’água (rios, córregos, lagos, reservatórios) e nascentes; áreas de topo de morros e montanhas, áreas em encostas acentuadas (Resolução CONAMA n° 303 de 20/03/2002).
Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo avaliar as relações espaciais entre as cicatrizes dos movimentos de massa, o uso e cobertura da terra e os espaços que se constituiriam em Áreas de Preservação Permanente (APP) por meio do emprego de geotecnologias. Para tanto, o bairro de Córrego D’Antas, localizado no município de Nova Friburgo, consiste na área de estudo por ter sido uma das áreas mais afetadas por este desastre natural.
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa teve duas etapas principais, além de trabalhos de campo. A primeira etapa consistiu na preparação da base de dados: (1) delimitação da área de estudo; (2) geração do mapa de uso e cobertura da terra; (3) processamento do MDE para extração das curvas de nível, declividade, drenagem e topo de morro; (4) mapeamento das APP; (5) mapeamento das cicatrizes dos movimentos de massa. Todos estes procedimentos foram realizados com o ArcGis 9.3.
A segunda etapa tratou da análise espacial dos dados através de operações de cruzamento do mapa de cicatrizes com o de uso e cobertura da terra, o de declividade, o de APP.
A base de dados contém os seguintes materiais: a) Imagem Quickbird (julho de 2008); b) Imagem Alos (agosto de 2009 - sensor AVNIR-2 do satélite ALOS); c) Imagens do satélite GeoEye disponíveis no Google Earth (12 de novembro de 2010 e 19 janeiro de 2011); d) Modelos Digital de Elevação (MDE) do mapeamento sistemático escala 1:25.000 do Estado do Rio de Janeiro (Projeto RJ-25/IBGE), gerados através de processamento fotogramétrico analítico a partir de fotografias aéreas com escala aproximada de 1:30.000.
A elaboração do mapa de uso e cobertura da terra foi feita por interpretação visual das imagens Quickbird e Alos. Como forma de auxiliar a interpretação, também foram utilizadas imagens do Google Earth georreferenciadas de datas mais próximas aos eventos..
Após o devido tratamento do MDE, foram geradas automaticamente as curvas de nível com equidistância de 10 metros, que auxiliou na constituição da hidrografia e da declividade.
A ausência de dados em uma escala compatível levou à geração automática da drenagem a partir da extensão Hidrology do ArcGis. A esta base foram aplicados os critérios para definição de áreas de proteção permanente segundo a Resolução CONAMA no 303/2002.
Para o mapeamento dos movimentos de massa utilizaram-se imagens do Google Earth, obtidas em 19/01/2011.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir dos mapeamentos realizados, verifica-se que 14,6% da área de estudo têm cicatrizes de movimentos de massa, distribuídas ao longo da área. Em sua maioria os movimentos de massa foram escorregamentos do tipo translacional ou planar e corridas de lama e detritos.
De acordo com o mapa de uso e cobertura da terra (anos 2008 e 2009), na área predomina a classe da vegetação arbórea (remanescentes florestais de matas secundárias e reflorestamentos), representando 50,5% do total da área, localizados principalmente nas encostas (Tabela 1). As formações vegetais herbáceas e gramíneas totalizam juntas 30,9% da área de estudo, localizadas principalmente junto às áreas urbanas. Os afloramentos rochosos característicos na região totalizam 11,3% do total da área. Já as classes de solo impermeabilizado e urbana juntas totalizam 6,0% da área em estudo, concentrando-se no fundo do vale às margens do Córrego d’Antas.
Quanto à declividade, verifica-se que na área de estudo predominam declividades acima de 30%, correspondendo a aproximadamente 73% de toda a área.
Com base no cruzamento entre o mapa de declividade e o de uso e cobertura da terra, verifica-se que a ocupação está estreitamente relacionada às características fisiográficas, com a área urbana concentrada nos fundos de vales e a vegetação densa nas encostas. Nota-se a predominância da classe arbórea nas classes de declividade acima de 20%. Nas classes abaixo de 20% predominam a vegetação herbácea, gramíneas, área urbana e o solo impermeabilizado.
O Código Florestal considera como APP os terrenos com declividade acima de 45º (100%), que representam menos de 0,2% da área total. Deve-se notar a pequena presença de APP de declividade encontrada apenas junto ao afloramento rochoso a NO da área de estudo. Já as APP das Faixas Marginais de Proteção dos cursos d’água correspondem a 17,4% da área de estudo, enquanto as APP de nascentes correspondem a 3,4% da área estudada. Por fim, as APP de topo de morro abrangem 41,3% da área em estudo. Constata-se, assim, que 57,5% da área de estudo representam a soma total do espaço que deveria ser considerado como área protegida permanentemente.
O cruzamento entre as cicatrizes dos movimentos de massa e o mapa de uso e cobertura da terra (Figura 1) demonstrou que 58% das cicatrizes se concentraram na classe vegetação arbórea. A segunda classe com maior presença de cicatrizes corresponde ao afloramento rochoso, representando cerca de 16%.
Por outro lado, deve ser enfatizado que a presença de cicatrizes nas classes restantes (vegetação rala e áreas construídas) apresenta área relativa menor do que a área relativa da classe na área de estudo. Juntas, estas classes representam 37% da área de estudo e apenas 25% das cicatrizes estão presentes na área.
No cruzamento das cicatrizes com a declividade verificou-se a concentração das ocorrências nas áreas com alta declividade, no intervalo entre 30 e 100 % de declividade, correspondendo a um total de 73,9% das ocorrências.
Em relação ao cruzamento entre as APP e as cicatrizes, verifica-se que do total de ocorrências aproximadamente 35% delas ocorrem no interior do buffer criado para delimitar a APP de faixa marginal permanente de rios e das nascentes. Este valor é elevado, considerando que a área destes dois tipos de APP corresponde a cerca de 20% da área de estudo. Apesar de predominarem canais de primeira ordem, com exceção do Córrego d’Antas, verificou-se, em campo, a grande destruição causada por estes cursos, destruindo estradas asfaltadas e construções, transportando material pesado (matacões).
Em relação à APP de topos de morro, verifica-se que 33,7% da área das cicatrizes estão aí localizadas. Quanto à situação da ocupação urbana nas APP, verifica-se que 32% da sua área estão aí localizadas. Em visita de campo foi verificado que a totalidade de construções localizadas às margens do Córrego d’Antas estava com marcas deixadas pela inundação ocasionada pelas chuvas de janeiro de 2011.
Tabela 1
Área ocupada pelas cicatrizes de movimentos de massa nas diferentes classes de mapeamento.
Figura 1
Mapa do cruzamento entre cicatrizes de movimentos de massa e uso e cobertura da terra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O bairro Córrego D’Antas em Nova Friburgo (RJ) foi intensamente atingido pelas fortes chuvas de 11 e 12/01/2011, apresentando 14,6% da sua área ocupada por cicatrizes dos movimentos de massa. Tais cicatrizes se estendem desde o topo dos morros até o fundo de vale, abrangendo áreas consideradas de proteção permanente, especialmente as de faixa marginal de canais, as de nascente e as de topo de morro. Deste modo, o respeito a estas unidades de conservação, com características geológicas e geomorfológicas significativas para a ocorrência de movimentos de massa, pode evitar perda de vidas e prejuízos, além de preservar a cobertura vegetal e os recursos hídricos – outras funções destas APP. Este resultado pode estar relacionado ao fato do mapeamento das cicatrizes abranger tanto a área de início da deflagração quanto pela marca do material arrastado pelo movimento de massa.
Em relação ao uso e cobertura da terra, verificou-se que a vegetação arbórea recobre 50% da área, além de ser o principal tipo de cobertura afetado pelas cicatrizes, provavelmente devido a combinação de grande declividade e encharcamento do solo deflagrando os escorregamentos.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à empresa GlobalGeo Geotecnologias pelo fornecimento da Imagem Quickbird.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
Resolução CONAMA n° 303 de 20/03/2002, acessado em http://www.mma.gov.br /port/conama/res/res02/res30302.html
PNDC, Política Nacional de Defesa Civil. - Brasília: Ministério da Integração Nacional - Secretaria Nacional de Defesa Civil, 2007.
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE / Diretoria de Geociências - DGC / Coordenação de Cartografia – CCAR. Modelo Digital de Elevação 1:25.000 - SÃO CRISTOVÃO SF-23-Z-A-III-1-NO 2714-1-NO. Acessado em http://www.metadados.geo.ibge.gov.br/geonetwork/srv/br/main.home
SNDC, Secretaria Nacional de Defesa Civil. 2011. Disponível em: www.defesacivil.gov.br/pdf/planilha_rj_27jan2011_12h.xls - Acesso em: 15 fev. 2012.