Anais: Geotecnologias e mapeamento geomorfológico

Mapeamento da densidade de processos erosivos e de movimentos de massa, a partir de imagens do Google Earth georreferenciadas, utilizando estimador kernel: uma aplicação na APA Fernão Dias (MG)

AUTORES
Garófalo, D.F.T. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - UNICAMP) ; Ferreira, M.C. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - UNICAMP) ; Ferreira, M.F.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - UNIFAL-MG) ; Messias, C.G. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - UNICAMP)

RESUMO
Este trabalho apresenta uma aplicação do estimador de densidade kernel, para o mapeamento da densidade de processos erosivos e movimentos de massa na APA Fernão Dias, utilizando como base, imagens do Google Earth georreferenciadas. Os resultados mostram que os processos analisados, ocorrem em maior concentração nas porções oeste e centro oeste da APA, junto ao corredor da rodovia Fernão Dias, e em menor concentração na porção centro leste, onde há a maior presença de fragmentos florestais.

PALAVRAS CHAVES
Erosão e escorregamentos; densidade Kernel; APA Fernão Dias

ABSTRACT
This paper presents an application of kernel density estimator for mapping the density of erosion and mass movements, in the APA Fernao Dias, using as a base, Google Earth georeferenced satellite images. The results show that both erosion, and mass movements occur in higher concentration in the west and west central portions of the APA (the corridor along the highway Fernao Dias) and lower concentration in the central east, where there is a greater presence of forest fragments.

KEYWORDS
erosion and mass movement; kernel density; APA Fernao Dias

INTRODUÇÃO
Os materiais alterados formadores do solo encontrados em superfície ou em subsuperfície, sujeitos à ação dos agentes geológicos, climáticos e biológicos, constituem a estrutura das vertentes - onde ocorrem em estado de equilíbrio metaestável (BIGARELLA, 2007). No entanto, de acordo com Bigarella et al. (1985), quando a ocupação de uma região é realizada sem um planejamento adequado, há uma ruptura de equilíbrio, e condições de alta energia no ecossistema são favorecidas, contribuindo para a ocorrência de processos erosivos e de movimentos de massa. Segundo Guerra (2008), a maioria dos autores se refere de forma distinta, à erosão dos solos e aos movimentos de massa, sendo oferecidas diferentes explicações a tais processos. O conceito de erosão está associado a processos de desgaste da superfície do terreno, produzidos pelo escoamento superficial com caráter mais contínuo e gradativo, por meio da desagregação, transporte e deposição dos materiais alterados que compõem o solo (IPT, 1986; GUERRA, 2005; BIGARELLA, 2007; TOMINAGA et al., 2012). Já os movimentos de massa, de caráter mais esporádico, constituem-se no deslocamento coletivo de material (solo, rocha e vegetação), onde a gravidade/declividade/quantidade de água no solo possui um papel significativo (FIORI, 1995; GUERRA, 2005; BIGARELLA, 2007; Tominaga et al., 2012). Prever a possibilidade de ocorrência de tais eventos em determinadas áreas, com o objetivo de minimizar perdas econômicas, ambientais e sociais, é um desafio para as comunidades científica e governamental. Neste contexto, o presente trabalho apresenta uma alternativa baseada em técncias de geoprocessamento a construção de mapas detalhados de densidade de processos erosivos e densidade de movimentos de massa. Estes mapas podem ser utilizados para a identificação e delimitação de áreas de risco, pois a densidade de eventos antigos em uma determinada área é um indicador probalilístico de suscetibilidade à ocorrência destes mesmos eventos no futuro.

MATERIAL E MÉTODOS
A área de estudo compreende a Área de Proteção Ambiental (APA) Fernão Dias, localizada ao sul de Minas Gerais, abrangendo os municípios de Camanducaia, Extrema, Gonçalves, Itapeva, Sapucaí-Mirim e Toledo, e parte dos municípios de Brasópolis e Paraisópolis. Inicialmente, para o ambiente Google Earth foram importados arquivos vetoriais em formato kmz, correspondentes aos limites territoriais da APA e de seus respectivos municípios. A identificação e mapeamento dos processos erosivos e dos movimentos de massa foi realizada diretamente no software Google Earth, por meio do comando Adicionar Marcador. Foi atribuído um símbolo gráfico pontual para processos erosivos (ravinas e sulcos bem desenvolvidos) e outro para os movimentos de massa (escorregamentos rotacionais, planares e em cunha). Após este processo, para cada município foi gerado uma imagem contendo a localização pontual dos processos identificados. As imagens Google Earth com os pontos referentes aos processos identificados foram exportadas para o software ArcGIS 10, onde foram georreferenciadas. No ArcGIS 10, os processos identificados nas imagens foram novamente digitalizados, criando-se assim, arquivos vetoriais de pontos em formato shp, representando a distribuição dos processos erosivos em análise. A densidade dos processos em análise foi calculada pelo algoritmo do estimador Kernel. Este estimador é uma ferramenta de análise espacial para processos espaciais de primeira ordem, que permite a análise da dispersão ou concentração de um dado fenômeno no espaço. O papel do Kernel é interpolar um valor de intensidade para cada amostra em uma área, considerando uma função simétrica, centrada nas amostras, utilizando para o cálculo os pontos situados até certa distância do centro da amostra (OLIVEIRA et al., 2011). A partir desta lógica, o mapa de densidade dos processos erosivos e movimentos de massa foi gerado por meio da ferramenta Kernel Density do software ArcGis 10, empregando um raio de abrangência de 3km.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A interpretação visual dos processos erosivos e cicatrizes de escorregamento na APA Fernão Dias, a partir das imagens Google Earth georreferenciadas, permitiu a identificação de 731 processos erosivos lineares (Figura 1A) e 181 cicatrizes de escorregamento (Figura 2A). O resultado da aplicação do estimador de intensidade de Kernel das ocorrências de processos erosivos lineares pode ser observado na Figura 1B. As áreas com maior densidade de processos erosivos estão localizadas na porção oeste da APA (Figura 1B), abrangendo grande parte do município de Toledo. Esta alta concentração de processos erosivos pode estar relacionada à alta densidade de vias de circulação não pavimentadas, associada a grande ocorrência de culturas anuais e pastagens degradadas, desenvolvidas em relevos com declividades médias a acentuadas. As vias de circulação, se mal planejadas ou sem manutenção, aceleram os escoamentos pluviais, intensificando processos erosivos e o transporte de sedimentos. Por consequencia, os níveis de inundação se elevam, degradando os ecossistemas aquáticos (assoreamento de corpos d’água), além colaborar para a perda de solo e o lixiviamento de nutrientes, constituindo em problemas para a conservação do solo, que afetam áreas à jusantes na bacia hidrográfica (Forman & Alexander, 1998). Também na porção centro oeste da APA (Figura 1B), nas imediações da rodovia Fernão Dias, ocorre alta densidade de processos erosivos. Esta área está inserida no geossistema Corredor da Rodovia Fernão Dias, delimitado por Moretti (2011). De acordo com a autora, neste geossistema há o predomínio de rochas metamórficas mais suscetíveis à erosão, diferente das demais áreas da APA, onde predominam rochas ígneas. A média densidade observada na porção leste da APA está associada ao cultivo de banana desenvolvido em vertentes com declividades elevadas. A baixa densidade de processos erosivos na porção centro-leste (Figura 1B) se deve ao fato desta área apresentar ainda expressiva quantidade de fragmentos florestais, representados principalmente pela floresta ombrófila densa, floresta ombrófila mista e floresta estacional semidecidual – além de grandes áreas de silvicultura. Em relação aos movimentos de massa, o mapa de densidade pode ser observado na figura 2B. Analisando-se o mapa de densidade de movimentos de massa da Figura 2B, nota-se que as áreas com maior densidade estão localizadas próximas a malhas urbanas, principalmente na área abrangida pelo geossistema Corredor da Rodovia Fernão Dias. Após concluídas as obras de duplicação da rodovia Fernão Dias, os municípios de Extrema e Camanducaia receberam novos empreendimentos industriais, o que pode ter contribuído para a ocupação e o crescimento desordenado desta região - sobretudo nas áreas periféricas e regiões de entorno imediato (REI). Esta nova ordenação espacial é um dos fatores responsáveis para a concentração da alta densidade de movimentos de massa nesta área, se comparada à área da APA que contém maior quantidade de fragmentos florestais (alta bacia do Jaguari, entre os distritos de Juncal e Monte Verde). Da mesma forma, a baixa densidade de movimentos de massa localizada na porção centro-leste da APA, também se deve à maior proteção do solo gerada pelos remanescentes florestais daquela área.

Figura 1

Mapa de ocorrência de processos erosivos lineares (A) e mapa de densidade de processos erosivos lineares, gerado pelo estimador Kernel (B), na APA Fer

Figura 2

Mapa de ocorrência de movimentos de massa (A) e mapa de densidade de movimentos de massa, gerado pelo estimador Kernel (B), na APA Fernão Dias – MG

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A técnica de análise espacial empregada para o mapeamento da densidade de processos erosivos lineares e movimentos de massa se mostrou eficaz, tendo sido observada a associação entre: A) áreas com alta intensidade de processos erosivos e vias de circulação não pavimentadas, situadas em áreas agropastoris; B) alta densidade de movimentos de massa situada próxima às áreas urbanas; C) baixa densidade destes dois tipos de eventos geomorfológicos em áreas de remanescentes florestais. Este procedimento de análise espacial pode contribuir com para estudos que tenham como propósito mapear áreas de risco, indicando aquelas onde tais eventos são mais frequentes e podem ser recorrentes no futuro. Os resultados obtidos mostram ainda que, determinadas áreas da APA Fernão Dias devem ser monitoradas e fiscalizadas, a fim de evitar o uso intensivo agrícola dos sistemas ambientais e a expansão urbana desordenada.

AGRADECIMENTOS
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, pelo auxílio recebido, mediante Processo 2011/05125-0.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BIGARELLA, J. J.; MAZUCHOWSKI, J. Z. Visão integrada da problemática da erosão. Curitiba, Associação de Defesa e Educação Ambiental e Associação Brasileira de Geologia de Engenharia, 1985, 329p.

BIGARELLA, J. J., BECKER, R. D., SANTOS, G. F. dos. Estrutura e origem das paisagens tropicais e subtropicais vol. 3. Contribuição de Maria Lúcia de Paula Herrmann... [et al.]. – Florianópolis: Ed. da UFSC, 2007.

CÂMARA, G.S., CARVALHO, E.J. Análise de dados espaciais. Brasília: Embrapa, 2001.
FIORI, A. P.; CARMIGNANI, L. Fundamentos de mecânica dos solos e rochas: aplicações na estabilidade de taludes. Curitiba: Editora da UFPR, 2001. 550 p.

FORMAN, R. T. T.; ALEXANDER, L. E. Roads and their major ecological effects. Annual Reviews in Ecology & Systematics, v. 29, p. 207-231, 1998.

GUERRA, A. J. T. Encostas e a questão ambiental. In: CUNHA, S. B. & GUERRA, A. J. T. (orgs.). A questão ambiental – diferentes abordagens. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2005. p. 191-218.

GUERRA, A. J. T; SILVA, A. S; BOTELHO, R. G. M. (orgs.). Erosão e conservação dos solos: conceitos, temas e aplicações. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

IBITU CONSULTORIA AMBIENTAL. APA Fernão Dias – Plano de Gestão Ambiental. Minas Gerais: IBITU/DER-MG, 1998.

INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – IPT. Orientações para o combate à erosão no Estado de São Paulo, Bacia do Peixe/Paranapanema. São Paulo: IPT/DAEE. 6v. (IPT, Relatório 24 739). 1986.

MORETTI, A. I. P. Mapeamento de corredores ecológicos na APA Fernão Dias – MG a partir de técnicas de geoprocessamento e análise espacial. Dissertação (Mestrado em Geografia), Campinas: Instituto de Geociências, UNICAMP, 2011.

OLIVEIRA, C. F.; SANTOS, R. L. Mapeamento de estatística espacial dos deslizamentos em Salvador. In: V GEO NORDESTE, 2011, Anais... Feira de Santana – BA: 2011. cdrom.

TAYLOR, P. J. The spacing approach. In: P. J. Taylor. Quantitative methods in geography. Boston, Houghton Mifflin Co., 1977, pp. 155-174.

TOMINAGA, L. K.; SANTORO, J.; AMARAL, R. do. Desastres naturais: conhecer para prevenir. São Paulo : Instituto Geológico, 2009.