Anais: Geotecnologias e mapeamento geomorfológico

GEOMORFOMETRIA E INTENSIDADE TECTÔNICA NA PORÇÃO EMERSA DA BACIA PARAÍBA – NORDESTE DO BRASIL

AUTORES
Andrades Filho, C.O. (USP) ; Rossetti, D.F. (INPE)

RESUMO
Este estudo aplica índices morfométricos na avaliação da intensidade tectônica na porção emersa da Bacia Sedimentar Paraíba a partir dos dados: rede de drenagem e modelo digital de elevação. Os índices relação declividade-extensão (RDE), fator assimétrico (Af), integral hipsométrica (Hi) e sinuosidade de frente de montanha (Smf) possibilitaram distinguir diferentes intensidades de deformação. Destaca-se a porção NE da área, onde é sugerido tectonismo mais intenso no Neógeno e Quaternário.

PALAVRAS CHAVES
quaternário; deformações tectônicas; Formação Barreiras

ABSTRACT
This study applies morphometric indices in the evaluation of tectonic intensity in the onshore portion of the Paraíba Sedimentary Basin using the following data: drainage network and digital elevation model. The indices slope-length ratio (SL), asymmetric factor (Af), hypsometric integral (Hi) and mountain-front sinuosity (Smf) enabled us to distinguish different intensities of deformation. We highlight the NE portion of the area, where more intense tectonism is suggested in Neogene- Quaternary.

KEYWORDS
quaternary; tectonic deformation; Barreiras Formation

INTRODUÇÃO
O sensoriamento remoto tem contribuído significativamente no avanço de estudos geológicos e geomorfólogicos em escalas regionais. Imagens adquiridas por sensores ópticos têm larga aplicação em áreas áridas e semi-áridas, porém seu uso é limitado em regiões tropicais úmidas, onde a cobertura vegetal e de nuvens é frequente. Este é o caso do território brasileiro, onde radar de abertura sintética (SAR), e em particular, modelos digitais de elevação (MDE) gerados a partir de radar interferométrico de abertura sintética – InSAR, tem maior potencial na geração de informações geológicas e caracterização do relevo. A distribuição de modelos interferométricos derivados da missão SRTM (Shuttle Radar Topography Mission) (Rabus et al., 2003) favorece estudos dessa natureza. Existem publicações recentes com foco na identificação de deformação tectônica com aplicação de índices geomorfométricos (p.e., El Hamdouni et al., 2008; Jordan et al., 2005). O objetivo deste trabalho é aplicar índices geomorfométricos na determinação da intensidade de influência tectônica de unidades sedimentares na porção central emersa da Bacia Paraíba, nordeste brasileiro (Figura 1a), que inclui principalmente a Formação Barreiras (Mioceno) e os Sedimentos Pós-Barreiras (Pleistoceno-Holoceno), bem como do embasamento precambriano adjacente. Essa área é inserida no contexto de bacia de margem passiva, porém com registro de atividade tectônica após o estabelecimento do rift intercontinental no Juro- Cretáceo (p.e., Barreto et al., 2002; Bezerra et al., 2008; Brito Neves et al., 2004; Morais Neto e Alkmin, 2001; Nogueira et al., 2006). Além disto, abalos sísmicos, provavelmente relacionados à reativação de falhas, têm sido mais frequentes na região (Ferreira et al., 1998). Tectônica ativa até os dias atuais faz desta área uma excelente oportunidade para se testar métodos de extração de índices geomorfométricos visando registrar a influência de eventos tectônicos no desenvolvimento das formas de relevo.

MATERIAL E MÉTODOS
A análise quantitativa foi realizada em SIG (Sistema de Informações Geográficas) SPRING e ArcGIS, e baseada em 4 índices morfométricos: relação declividade- extensão (RDE), fator assimétrico (Af), integral hipsométrica (Hi), e sinuosidade de faces de montanha (Smf) e um índice combinatório (Cit), calculados com base em informações derivadas do MDE-SRTM-3” e da rede de drenagem de 22 bacias hidrográficas, definidas de forma semi-automática. Os índices podem auxiliar na investigação morfotectônica quando excluída a possibilidade de interferência de fatores litológicos. O índice RDE (Etchebehere et al., 2006) é utilizado na detecção de possíveis deformações tectônicas por parâmetros quantitativos obtidos pelo perfil longitudinal do canal, sendo indicador sensível às mudanças na declividade do canal. O índice Af é capaz de sugerir basculamentos tectônicos em escala de bacia hidrográfica. Já o índice Hi descreve a curva de distribuição de elevação do terreno em bacia hidrográfica através da frequência acumulada das altitudes. A integral hipsométrica é representada graficamente pela área sob uma dada curva hipsométrica. Esta informação pode representar a área da bacia que ainda não esteve sujeita a processos erosivos, configurando-se como indicador de diferentes estágios evolutivos do relevo. Por fim, o índice Smf representa o grau de equilíbrio entre processos erosivos e o desgaste de uma face de relevo acentuado. A movimentação vertical de blocos tende a produzir faces de relevo acentuadamente retilíneas, que coincidem com falhas ou fraturas ativas. A combinação destes índices se deu a partir das categorias de intensidade tectônica (1=alta; 2=média; 3=baixa), o que sintetizou os resultados pela aferição da média do valor de Cit para cada sub-bacia. Aos valores de média de Cit foram atribuídas classes, enquadradas em quatro níveis de atividade tectônica relativa (Iat). A análise dos índices baseou-se na integração com mapa geológico apresentado em Rossetti et al. (2011).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Cada índice apresentou sensibilidade distinta. Esta constatação pode ser atrelada à própria natureza deformacional da área e à forma que o índice responde a determinada deformação. O índice RDE revelou indícios de anomalias de drenagem em todas as sub-bacias hidrográficas analisadas. As anomalias ocorrem tanto em segmentos do alto curso dos rios, quanto de seus cursos médios e baixos, compreendendo aproximadamente 67% do total de trechos de rio analisados. Quanto ao índice Af foram reconhecidas bacias hidrográficas com baixa, média e alta assimetria. Assim como a assimetria, a integral hipsométrica também revelou diferentes graus de arrasamento do terreno, destacando o setor norte-nordeste como a área de menor dissecação, portanto com feições de terreno mais jovem. De acordo com o índice Smf, a maior parte das sub-bacias hidrográficas, i.e., 77%, recebeu a categoria de intensidade tectônica (Cit) moderada. Os índices geomorfométricos extraídos do MDE-SRTM levaram à obtenção do índice de atividade tectônica (Iat) para a área de estudo (Figura 1). Em geral, este índice revelou terrenos com fortes indicativos de influência tectônica. A partir do índice Iat, é possível sugerir que todas as bacias hidrográficas da área de estudo revelam indícios expressivos de deformação tectônica, visto que nenhuma bacia recebeu atribuição de baixa intensidade tectônica. Apesar da não identificação de um padrão uniforme na espacialização da intensidade tectônica, este índice aponta a porção leste, em especial, o setor nordeste da área, onde há predomínio das unidades sedimentares, como tendo maior intensidade tectônica. Neste setor, os maiores valores de Iat correspondem a sedimentos pleistocênicos e holocênicos (Figura 2), confirmando que a bacia continuou tectonicamente até tempos relativamente recentes. Juntamente com este setor, a porção norte da área, onde aflora o embasamento cristalino, forma uma faixa de sub-bacias hidrográficas com potencial influência de deformações tectônicas. Adicionalmente, estudos recentes de cunho geomorfológico e estrutural (p.e., Andrades Filho e Rossetti, 2012; Maia e Bezerra, 2011; Rossetti et al., 2011; Moura Lima et al., 2011) vem revelando novos dados de superfície e sub-superfície que contribuem e corroboram a sugestão de um modelo evolutivo geológico-geomorfológico para o nordeste brasileiro que passe a considerar a possibilidade e importância dos movimentos tectônicos durante o Neógeno, e até no período Quaternário.

Figura 1

Área de estudo (a) e bacias hidrográficas classificadas segundo o índice Iat (b).

Figura 2

Unidades geológicas e bacias hidrográficas (ver Figura 1) na área de estudo. Adaptado de Rossetti et al. (2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As porções nordeste e norte da área, com domínio de cobertura sedimentar e embasamento cristalino, respectivamente, são apontadas como as que sofreram influência mais intensa de atividade tectônica em períodos geológicos relativamente recentes (i.e. Neógeno e Quaternário). Os dados do MDE-SRTM permitiram a aplicação de índices morfométricos (i.e., RDE, Af, Hi, Smf e Iat) de forma dinâmica, sendo ferramenta efetiva na análise quantitativa do relevo em assentamentos geológicos precambrianos a quaternários. A sensibilidade dos índices indica influência de atividade tectônica recente na evolução do relevo da Bacia Paraíba. Não se descarta que investigação mais aprofundada aplicando-se testes em diferentes terrenos, possa indicar limiares de classes de intensidade tectônica (Cit) mais apropriados, favorecendo a análise mais precisa da evolução tectônica da Bacia Paraíba.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo auxílio à pesquisa (Projeto # FAPESP#06/04687- 7) e pela concessão da bolsa de doutorado ao primeiro autor, e ao CNPq, pela concessão de bolsa de produtividade em pesquisa à segunda autora.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
Andrades Filho, C. O.; Rossetti, D. F. Effectiveness of SRTM and ALOS-PALSAR data for identifying morphostructural lineaments in northeastern Brazil. International Journal of Remote Sensing (Print), v. 33, p. 1058-1077, 2012.

Barreto, A. M. F., Bezerra, F. H. R., Suguio, K., Tatumi, S. H., Momose, E. F., Paiva, R. P., Munita, C. S., 2002. Late Pleistocene marine terrace sequences in northeastern Brazil: sea-level changes and tectonic implications. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, n. 179, pp. 57 – 69.

Bezerra, F. H. R., Neves, B. B. B., Correa, A. C. B., Barreto, A. M. F. & Suguio, K., 2008. Late Pleistocene tectonic-geomorphological development within a passive margin - The Cariatá trough, northeastern Brazil. Geomorphology, v. 01, pp. 555-582.

Brito Neves, B. B., Riccomini, C., Fernandes, T. M. G. & Sant´Anna, L. G., 2004. O sistema tafrogênico terciário do saliente oriental nordestino na Paraíba: um legado Proterozóico. Revista Brasileira de Geociências, n. 34, v. 1, pp. 127-134.

El Hamdouni, R., Irigaray, C., Fernández, T., Chacón, J. & Keller. E., 2008. A. Assessment of relative active tectonics, southwest border of the Sierra Nevada (Southern Spain). Geomorphology, v. 96, n. 1-2, pp. 150-173.

Etchebehere, M. L. C., Saad, A. R.; Santoni, G. C., Casado, F. C., Fulfaro, V. J., 2006. Detecção de prováveis deformações neotectônicas no vale do Rio do Peixe, região ocidental paulista mediante aplicação de índices RDE (Relação Declividade-Extensão) em segmentos de drenagem. Revista de Geociências USP, v. 25, pp. 271-289.

Ferreira, J. M., Oliveira, R. T., Takeya, M. K. & Assumpção, M., 1998. Superposition of local and regional stresses in NE Brazil: evidence from focal mechanisms around the Potiguar marginal basin. Geophysical Journal International, v. 134, pp. 341–355.

Jordan, G., Meijninger, B. M. L., Van Hinsbergen, D. J .J., Meulenkamp, J. E. & Van Dijk, P. M., 2005. Extraction of morphotectonic features from DEMs: Development and application for study areas in Hungary and Grece. International Journal of Applied Earth Observation and Geoinformation, n. 7, pp. 163–182.

Maia, R. P.; Bezerra, F. H. R. Neotectônica, Geomorfologia e Sistemas Fluviais: Uma análise preliminar do contexto Nordestino. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 12.3, p. 32-4-42, 2011.

Morais Neto, J. M. & Alkmin, F. F., 2001. A deformação das coberturas terciárias do Planalto da Borborema (PB-RN) e seu significado tectônico. Revista Brasileira de Geociências, v. 31, pp. 95-106.

Moura Lima, E.N. ; Sousa, M. O. L. ; Bezerra, F. H. R. ; Castro, David L. ; Damascena, R.V.C. ; Vieira, M. M. ; Legrand, J. M. . Reativação Cenozóica do Sistema de Falhas de Afonso Bezerra, Bacia Potiguar. Geociências (São Paulo. Online), v. 30, p. 77-93, 2011.

Nogueira, F. C. C., Bezerra, F. H. R. & Castro, D. L., 2006. Deformação rúptil em depósitos da Formação Barreiras na porção leste da Bacia Potiguar. Geologia USP-Série Científica, v. 6, pp. 51-59.

Rabus, B., Eineder, M., Roty, A. & Bamler, R., 2003. The Shuttle Radar Topographic Mission: a new class of digital elevation models acquired by spaceborne radar. ISPRS Journal of Photogrammetry & Remote Sensing, v. 57, pp. 241-262.

Rossetti, D. F., Bezerra, F. H., Góes, A. M., Valeriano, M. M., Andrades Filho, C. O., Mittani, J. C. R., Tatumi, S. H. & Brito Neves, B. B., 2011. Late Quaternary sedimentation in the Paraíba Basin, Northeastern Brazil: landform, sea level and tectonics in Eastern South America passive margin. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, v. 300, pp. 191-204.