Anais: Geocronologia e evolução da paisagem

HISTÓRIA DE EXPOSIÇÃO DE SUPERFÍCIES GEOMÓRFICAS NA BACIA DO RIO DA PRATA, QUADRILÁTERO FERRÍFERO, MG, ATRAVÉS DE MENSURAÇÕES DE MÚLTIPLOS NUCLÍDEOS COSMOGÊNICOS (10Be e 21Ne) PRODUZIDOS IN SITU

AUTORES
Lopes, M.R.S. (UFRJ) ; Shuster, D.A. (BERKELEY GEOCHRONOLOGY CENTER) ; Balco, G. (BERKELEY GEOCHRONOLOGY CENTER) ; Binnie, S.A. (UCA-BERKELEY) ; Welten, K.C. (UCA-BERKELEY) ; Caffee, M.W. (PURDUE UNIVERSITY) ; Salgado, A.A.R. (UFMG) ; Fernandes, N.F. (UFRJ) ; Dietrich, W.E. (UCA-BERKELEY) ; Nishiizumi, K. (UCA-BERKELEY)

RESUMO
21Ne e 10Be foram mensurados em amostras de sedimentos e de rocha numa bacia de drenagem com o objetivo de revelar sua a história de exposição/erosão na escala de milhares de anos. Todas as amostras mostraram excesso de 21Ne em relação ao 10Be, de modo que no diagrama 21Ne/10Be – 10Be as amostras mostraram uma história de exposição complexa, cujos períodos de soterramento por sedimentos variaram de 2,2 a 6,0 Ma. Porém, a hipótese de 21Ne herdado ainda não foi totalmente descartada.

PALAVRAS CHAVES
21Ne; historia de exposição; Quadrilátero Ferrífero

ABSTRACT
21Ne and 10Be were measured on sediment and rock samples in a drainage basin in order to access its exposure/ erosion history over millions years timescale. All samples have shown an excess of 21Ne in relation to 10Be, so that in the 21Ne/ 10Be – 10Be diagram the samples have shown a complex exposure history, whose burial periods has ranged from 2.2 to 6.0 My. However, the hypothesis of 21Ne inheritance has not been fully discarded.

KEYWORDS
21Ne; exposure history; Quadrilátero Ferrífero

INTRODUÇÃO
As taxas de erosão-desnudação derivadas da mensuração de um nuclídeo cosmogênico produzido in situ fornecem taxas reais de erosão somente se as superfícies geomórficas encontrarem-se saturadas ou quase saturadas por esses nuclídeos, o que não ocorre em muitas situações (Dunai, 2010). O emprego de múltiplos nuclídeos numa mesma amostra permite calcular simultaneamente a idade exposição (t) e a taxa de erosão (ε) daquela superfície geomórfica (Klein et al., 1986). Nesse caso há uma evolução da razão de produção, mostrada em diagramas isotópicos, entre dois radionuclídios, 26Al /10Be, pois eles têm diferentes taxas de decaimento (fator de 2) e possuem razões de produção conhecidas (≈ 6.75); ou entre um radionuclídeo e um nuclídeo estável, 21Ne/10Be, cuja razão de produção é ≈ 4.00. Apesar do diagrama 26Al/10Be-10Be ser muito útil na determinação da história de exposição de superfícies, ele tem menor precisão quando as amostras encontram-se plotadas dentro ou próximo das linhas de erosão- zero ou de equilíbrio secular, porque a imprecisão analítica da mensuração de 27Al é muitas vezes igual ou superior à largura da ilha de erosão, dificultando a interpretação. Em regiões com taxas de erosão lentas (< 10 m Ma-1) o diagrama isotópico 21Ne/10Be – 10Be fornece uma melhor resolução para essa região problemática do gráfico, logo desvenda histórias de exposição/ taxas de erosão de superfícies com maior precisão (Schafer et al., 1999; Kober et al., 2005; 2007; Balco & Shuster, 2009; Goethals et al., 2009). Este trabalho objetivou mensurar concentrações de 21Ne nos mesmos sedimentos e rochas onde foram mensurados 10Be (Lopes, 2012), como forma de verificar a história de exposição/ erosão da bacia do rio da Prata, localizada no Quadrilátero Ferrífero, MG, na escala dos últimos milhares de anos. Acredita-se que essas análises possam lançar pistas importantes sobre a estabilidade climática e/ou tectônica da margem do cráton do São Francisco naquela escala de tempo.

MATERIAL E MÉTODOS
Foi selecionada a bacia do rio da Prata, localizada entre o anticlinório da parte central do QF, composto por rochas do SupGr. Rio das Velhas, e o sinclinal do Gandarela, formado por rochas do SupGr. Minas, no limite E do QF. No alto curso a bacia possui canais tributários que cortam quartzitos da Fm. Casa Forte, xistos do Gr. Nova Lima, e litologia mista, composta de xisto do Gr. Nova Lima, quartzito da Fm. Moeda, filito da Fm. Batatal e itabirito da Fm. Cauê. Ao longo do canal tronco coletor e nas drenagens tributárias foram coletadas amostras de sedimento de carga de fundo de leito e também foram coletadas duas amostras de rocha em topo de elevação; uma sobre quartzito e outra no interflúvio sobre xisto. A mensuração de 10Be foi realizada por diluição isotópica e descrita em Lopes et al. (2012). Alíquotas das amostras (1-3g) previamente limpas, conforme Kohl & Nishiizumi (1992), foram empregadas nas mensurações de 21Ne. O 21Ne foi extraído das amostras através do encapsulamento de 50-150 mg de quartzo em alvos metálicos (Ta) sob vácuo com um diodo a laser (75W), com controle de temperatura. A escala de aquecimento incluiu passos de temperaturas de 370, 740 e 1140 oC. Após aquecimento, os gases liberados foram reagidos com SAES getter e o Ne foi separado de outros gases numa armadilha baixíssima de temperatura (criogênica). O 21Ne resultante foi analisado em espectrômetro de massa MAP-215 no laboratório de Termocronometria de gás nobre do Berkeley Geochronology Center. Os totais de 20Ne e 21Ne foram obtidos pela altura dos picos em comparação com o padrão atmosférico. Nas concentrações de 21Ne cosmogênico foi assumido que as amostras sempre continham a mistura dos dois componentes 21Ne atmosférico e cosmogênico. Essa observação concorda com os resultados de (Niedermann et al., 1993; Schafer et al., 1999). As concentrações de 21Ne foram combinadas com 10Be, gerando o diagrama isotópico 21Ne-10Be/ 10Be através do programa Cosmocalc® (Vermeesch, 2007).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As concentrações de 21Ne foram muito elevadas, variando de 43.7 a 320.5 milhões de atm g-1. O excesso de 21Ne presente em todas as amostras pode ser devido a três causas principais: i) pode ter sido produzido pela geração de partículas-α, advindas de elementos radioativos, como U e Th; ii) pode ser resultado do decaimento do 10Be, implicando que as áreas fonte das amostras permaneceram soterradas por coberturas sedimentares por milhões de anos; iii) pode ter sido herdado de períodos prévios de exposição, pois o 21Ne é um nuclídio estável e é fortemente retido no retículo cristalino do quartzo, de forma que é capaz de registrar múltiplos episódios de exposição. A primeira hipótese foi descartada porque as concentrações de U e Th nos grãos de quartzo analisados são irrisórias, de modo que seriam incapazes de produzir tais teores de 21Ne. Na segunda hipótese o alto teor de 21Ne em relação ao 10Be seria resultado do decaimento do 10Be ao longo do tempo. Dependendo da taxa desse decaimento, as amostras, quando plotadas no diagrama isotópico, podem cair no campo que indica soterramento. No diagrama isotópico 21Ne-10Be-10Be, todas as amostras foram plotadas abaixo da linha de soterramento de 2,0 Ma. Períodos de soterramento e taxas de erosão, calculados a partir do diagrama, indicam que as áreas fonte dos canais tributários e do canal tronco coletor, assim como as rochas dos topos de elevação, que hoje estão sendo exumados, estiveram recobertos por sedimentos dos últimos 2,2 até 6,0 My, correspondendo o todo o Plioceno e o final do Mioceno. Esse cenário parece possível para amostras onde o quartzo originou-se de veios, como nas drenagens tributárias sobre o xisto do Gr. Nova Lima, mas parece improvável que afloramentos de quartzitos da Fm. Casa Forte pudessem ter sido soterrados por sedimentos durante todo esse tempo. Logo, uma terceira hipótese seria a de que o alto teor de 21Ne seria herdado de períodos prévios de exposição. As rochas metassedimentares arqueanas e paleoproterozóicas (Supergrupos Rio das Velhas) do Quadrilátero Ferrífero de 2.8-2.5 Ga de idade pertencem às fácies metamórficas xisto verde e anfibolito. Isso significa que essas rochas experienciaram temperaturas máximas que variaram 400-500 oC durante os eventos de metamorfismo regional. Logo, é levantada a possibilidade de que parte do 21Ne pode não ter sido totalmente liberado durante os mais importantes eventos metamórficos, relacionados às orogenias Transamazônica (2.0 Gy) e Brasiliana (0.5 Gy). As mensurações de 21Ne em cada passo de aquecimento mostraram que 52-87% do 21Ne liberado ocorreu durante a segunda (740 oC) e a terceira (1140 oC) etapas de aquecimento. Há, portanto, a possibilidade do 21Ne liberado pelos grãos de quartzo nestas últimas etapas incluírem 21Ne herdado das rochas dos Supergrupos Rio das Velhas e Minas, que por sua vez, derivou-se de rochas do embasamento Arqueano (área fonte dos sedimentos), expostas às partículas cósmicas naquele tempo. No entanto para quartzo derivado de veios, que é o caso das drenagens tributárias sobre o xisto do Gr. Nova Lima, essa hipótese é inválida. No caso do quartzo ser derivado diretamente das rochas metassedimentares serão realizados cálculos de cinética de Ne em grãos de quartzo a várias temperaturas para confirmar ou refutar essa hipótese da herança de 21Ne.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O diagrama isotópico 21Ne/ 10Be – 10Be mostrou um excesso de 21Ne em todas as amostras. Esse excesso de 21Ne em relação ao 10Be mostra que as superfícies que estão sendo hoje exumadas na bacia do rio da Prata permaneceram recobertas por sedimentos no mínimo entre 2,2 e 6,0 Ma, uma hipótese que parece válida para as amostras onde o quartzo derivou-se de veios, como as dos canais tributários sobre xisto Nova Lima. Porém, ainda não está descartada a hipótese de que parte do 21Ne possa ter sido herdado de períodos prévios de exposição para as amostras derivadas diretamente das rochas metassedimetares Aqueanas e Proterozóicas. Cálculos de cinética de difusão de Ne em quartzo a várias temperaturas serão realizados futuramente para confirmar ou refutar a hipótese da existência e 21Ne herdado nessas amostras.

AGRADECIMENTOS
- aos pesquisadores David Shuster e Greg Balco do Berkeley Geochronology Center pelas mensurações de 21Ne; - ao pesquisador Marc W. McCaffe do Primelab da Purdue University pelas mensurações de 10Be; - ao CNPq pela concessão de bolsa sandwich na UC-Berkeley; - aos pesquisadores William E. Dietrich e Kuni Nishiizumi pela supervisão do estágio no Earth and Planetary Science Department e no Space Science Laboratory, UC-Berkeley; - ao CNPq e à FAPEMIG pelo financiamento dos trabalhos de campo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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Klein, J.; Giegengack, R. et al. Revealing histories of exposure using in situ produced 26Al and 10Be in Lybian desert glass. Radiocarbon, v. 28, p. 547-555, 1986.
Kober, F.; Ivy-Ochs, S. et al. In situ cosmogenic 10Be and 21Ne in sanidine and in situ cosmogenic 3He in Fe-Ti-oxide minerals. Earth and Planetary Science Letters, v. 236n. 1-2, p. 404-418, 2005.
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Lopes, M. R. S. Equilíbrio de desequilíbrio entre taxas de de processos geomórficos, Quadrilatero Ferrífero, MG: uma abordagem por múltiplos nuclídios cosmogênicos (26Al, 10Be e 21Ne). 2012. 148p. Tese – Doutorado em Geografia. Departamento de Geografia, UFRJ, Rio de Janeiro.
Niedermann, S.; Graf, T. et al. Mass spectrometric identification of cosmic-ray-produced neon in terrestrial rocks with multiple neon components. Earth and Planetary Science Letters, v. 118, p. 65-73, 1993.
Schafer, J. M.; Ivy-Ochs, S. et al. Cosmogenic noble gas studies in the oldest landscape on Earth: surface exposure ages of the dry valleys, Antartica. Earth and Planetary Science Letters, v.167, n. 3-4, p. 215-226, 1999.
Vermeesch, P. CosmoCalc: An Excel add-in for cosmogenic nuclide calculations. Geochemistry, Geophysiscs, and Geosystems, v.8, Q08003, 14 PP., 2007
doi:10.1029/2006GC001530.