Anais: Geocronologia e evolução da paisagem

GEOMORFOGÊNESE DA BORDA DE UMA FAIXA MÓVEL NEOPROTEROZÓICA: o atual Planalto do Espinho Meridional

AUTORES
Valadão, R.C. (INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS / UFMG) ; Silveira, J.S. (CENTRO UNIVERSITÁRIO DE SETE LAGOAS / UNIFEMM) ; Simões, P.M.L. (PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA / UFMG) ; Santos, P.R.O. (GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA / IGC – UFMG) ; Oliveira, C.V. (INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS / UFMG) ; Carvalho, V.L.M. (INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS / UFMG) ; Augustin, C.H.R.R. (INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS / UFMG)

RESUMO
Este trabalho trata da evolução geomorfogenética de trecho da borda oeste do Planalto do Espinhaço Meridional, em Minas Gerais. Essa borda constitui registro típico de um “front” de cavalgamento, no qual foram reconhecidas três unidades geomorfológicas principais, organizadas espacial e altimetricamente em configuração “envelope”. Análises de campo e laboratório apontam para a supremacia da desnudação geoquímica conjugada à dissecação e recuo à montante da rede hidrográfica regional.

PALAVRAS CHAVES
Geomorfogênese; Planalto do Espinhaço; Processos Desnudacionais

ABSTRACT
The present work deals with the geomorphogenetic evolution of the west stretch edge in the Espinhaço Meridional Plateau, in Minas Gerais. This edge consists in typical registry of thrust fault “front”, in which are recognized three main geomorphologic units organized in “envelope” configuration. Field and laboratory analyzes point to the supremacy of geochemical denudation associated with dissection and backwearing of the regional hydrographic net.

KEYWORDS
Geomorphogenesis; Espinhaço Plateau; Denudation Processes

INTRODUÇÃO
O Planalto do Espinhaço Meridional desempenha, em Minas Gerais, importante funcionalidade na organização da rede hidrográfica ao constituir o divisor hidrográfico entre a bacia do Rio São Francisco e aquelas do leste do estado. Sua gênese geotectônica remonta aos episódios colisionais neoproterozóicos, quando extensas faixas móveis ocuparam as bordas do Cráton do São Francisco (ALKMIM, 2004). É vasta a contribuição dos estudos geológicos quanto às etapas geodinâmicas que, ao alvorecer do fanerozóico, teriam edificado um sistema de dobramentos de marcante orientação norte-sul que, hoje, se estende para além do território mineiro (ALKMIM et al., 1993; CHEMALE et al., 2011; PEDROSA-SOARES et al., 1992). Todavia, desde que o fragmento litosférico no qual essa faixa móvel foi estruturada alcançou estabilidade, tendo em vista ter passado a ocupar posicionamento intra-placa, a reconstrução de sua evolução se desloca do campo da geologia para aquele da geomorfologia. Essa longa trajetória do Espinhaço Meridional, notadamente aquela iniciada após os processos orogenéticos no Cambriano, é de resgate difícil ou quase impossível. Não há registro sedimentar algum, na região atualmente ocupada pelo Planalto do Espinhaço Meridional, datado do paleozóico tardio e mesmo do mesozóico; ao Cenozóico são atribuídas raras e fragmentadas coberturas eluviais, coluviais e aluviais de pequena expressão regional, todas elas atreladas ao Quaternário (AUGUSTIN et al., 2011; SAADI e VALADÃO, 1987 a,b). Esse fato aponta para uma forte desnudação da faixa móvel ao longo do fanerozóico, por período não inferior a 400 milhões de anos. É nesse contexto que se insere este trabalho, cujo objetivo está voltado para o uso de registros de natureza geomorfológica, não-estratigráfica, com vistas a contribuir com elementos que possam auxiliar na compreensão da geomorfogênese do Planalto do Espinhaço Mineiro, notadamente em sua borda oeste voltada para a bacia hidrográfica do rio São Franciscisco.

MATERIAL E MÉTODOS
O trecho da borda oeste do Planalto do Espinhaço Meridional de interesse neste trabalho foi investigado a partir de procedimentos de gabinete, laboratório e de campo. Uma vez delimitada a área de estudo, mapas morfométricos e modelos digitais de terreno foram gerados utilizando-se técnicas de geoprocessamento. A base cartográfica foi elaborada a partir da Base GeoMinas e da Folha Diamantina (1:100.000, IBGE), tendo sido as informações cartográficas georeferenciadas em projeção UTM, datum horizontal SAD69. A espacialidade das informações geológico-estruturais foi obtida em mapeamentos de base do Projeto Espinhaço (COMIG, 1996). No mapeamento das unidades geomorfológicas e na geração de modelos de elevação digital foram empregados o software ArcGis 9.3 e o aplicativo de visualização tridimensional para aplicações especificas e locais (ArcScene). Esses modelos permitiram uma visão regional da configuração do relevo, realçando diferentes níveis topográficos e suas principais feições morfológicas, como também constituíram a base para a obtenção de parâmetros morfométricos. Seções topográficas e geológicas regionais foram traçadas com o objetivo de se reconhecer e caracterizar a organização geomorfológica em consonância com o arcabouço litoestrutural. As investigações de campo foram guiadas pela análise prévia daqueles produtos derivados da aplicação de técnicas de geoprocessamento. No campo, a zonalidade das unidades geomorfológicas indicadas nesses produtos foi checada e ajustada, na medida em que foram selecionadas áreas representativas de cada unidade geomorfológica com vistas à sua análise detalhada do ponto de vista morfométrico e das formações superficiais. Catenas abertas nessas áreas permitiram a investigação e reconhecimento das formações superficiais; amostras indeformadas foram coletadas com o objetivo de se proceder sua análise micromorfológica. Ensaios de lixiviação geoquímica foram efetivados em amostras deformadas coletadas nessas mesmas catenas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A borda oeste do Planalto do Espinhaço Meridional é aquela drenada por rede hidrográfica cujas águas se dirigem para o rio São Francisco. Nesse trecho do planalto as bacias contribuintes desse rio têm suas cabeceiras situadas nas superfícies cimeiras do Espinhaço e, por meio de percurso entrecortado por fortes rupturas de seus perfis longitudinais – na forma de rápidos e cachoeiras –, se lançam em direção à Depressão Sanfranciscana. Nesse percurso, transpõem em média 500 metros de desnível ao longo de pouco mais de 30 quilômetros. Esse é o caso, por exemplo, dos rios Paraúna, Pardo Grande, Pardo Pequeno e Curumataí. As investigações conduzidas neste trabalho foram realizadas em região drenada pelos rios Paraúna e Pardo Pequeno, a qual guarda configuração geomorfológica que, sob análise, tem revelado aspectos significativos acerca da geomorfogênese do planalto. Nessa região o arcabouço geológico predominante é de uma espessa sequência de rochas siliciclásticas e vulcanoclásticas pertencentes ao Supergrupo Espinhaço (KNAUER, 2007), localmente entrecortada por densa e complexa rede de descontinuidades regionais derivadas de empurrões e dobras com vergências para oeste; é marcante, nessa borda do planalto, sua feição morfotectônica típica de “front” de cavalgamento (OLIVEIRA e ALKMIM, 1994; SAADI, 1995). Na região investigada foram reconhecidas, mapeadas e caracterizadas três unidades geomorfológicas principais (Figura 01). A Unidade I é aquela em que ocorrem os remanescentes das mais altas superfícies do planalto, cuja altitude está comumente acima dos 1300 metros. É notório o fato dessas superfícies cimeiras ainda conservarem, em extensões consideráveis, aplanamentos de baixo gradiente que truncam litologias diversas, sobretudo quartzitos cujo mergulho das camadas é variado, localmente com valores acima de 60º. O revestimento dessas superfícies é em grande parte de Neossolos Quartzarênicos, não tendo sido encontrados até o momento volumes sedimentares pré-quaternários. Altimetricamente acima dessas superfícies se elevam relevos residuais – cristas monoclinais – também modelados em rochas siliciclásticas (Figura 02). Alguns estudos já sugeriram que essas cristas constituem vestígios de aplanamentos pré-cenozóicos (ABREU, 1982; KING, 1956), o que não se confirma tanto do ponto de vista morfológico como da assinatura das formações superficiais que as revestem; são sustentadas, mais das vezes, por afloramentos e Neossolos Litólicos. Na Unidade II o caráter geomorfológico mais significativo é a ocorrência de rampas de gradiente significativamente mais elevado que na unidade anterior, as quais convergem para vão central ocupado pela drenagem, numa comprovação clara de que esses vales vêm sendo escavados por vigorosa incisão vertical da rede hidrográfica conjugada ao recuo à montante. É comum, nessa unidade, a presença de rápidos e cachoeiras, denotando perfis longitudinais desajustados e estruturalmente fortemente controlados, altimetricamente situados entre 1100 a 1300 metros. As superfícies geomorfológicas de morfologia aplanada reaparecem em cotas altimétricas mais baixas, entre 1050 a 1100 metros, circunscritas à Unidade Geomorfológica III; os perfis longitudinais já se encontram mais ajustados e ocupam comumente o médio curso dos rios. Essa unidade configura o piso de depressões que se estendem ao longo do médio e baixo vale dos principais canais fluviais da região. A organização espacial e altimétrica das unidades I, II e III sugerem uma relação geomorfogenética entre as mesmas. As análises conduzidas em campo e gabinete revelam que essas unidades se justapõem por meio do embutimento daquelas formas de pequena escala – as macroformas –, estando essas articuladas em planta e perfil. Esse embutimento, cuja organização espacial é semelhante a uma escadaria, assume configuração de superfícies do terreno denominadas “envelope” e “subenvelope” (FISCHER, 1963; GOMEZ et al., 2006).









CONSIDERAÇÕES FINAIS
O longo processo desnudacional ao qual a borda oeste do Planalto do Espinhaço vem sendo submetida, há não menos que 400 milhões de anos, resultou na configuração hoje vigente na região: uma sucessão espacial e altimétrica de superfícies “envelope” e “subenvelope”. As mais altas superfícies (Unidade I) vêm sendo submetidas desde o Mesozóico terminal ao desmantelamento guiado pelos processos que vigoram nas unidades II e III (VALADÃO, 1996, 1998, 1999). Todavia, esses processos são, na atualidade, fortemente guiados pela desnudação geoquímica em detrimento daquela de natureza mecânica (ROCHA et al., 2010). Além de raros, os registros sedimentares derivados dessa última são de marcada fragmentação espacial. A análise litoquímica de rochas siliciclásticas, a investigação de formações superficiais em tradagens e catenas e a descrição de lâminas de solo indeformado têm revelado o quão relevante são os processos epidérmicos, subsuperficiais, com ressonância na morfogênese regional.

AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG, que viabilizou as atividades de pesquisa mediante auxílio financeiro e concessão de bolsas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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