Anais: Geocronologia e evolução da paisagem

Cronologia relativa de eventos deposicionais no megaleque do rio Taquari revelada por hipsometria

AUTORES
Andrades Filho, C.O. (USP) ; Zani, H. (INPE)

RESUMO
Este estudo apresenta a aplicação da curva e integral hipsométrica (Hi) como forma de análise e interpretação cronológico/evolutiva dos lobos deposicionais do megaleque do Taquari, no Pantanal brasileiro. Como bases destas análises, foram utilizados os dados de elevação obtidos na missão SRTM (Shuttle Radar Topography Mission). Os dados revelam relação com a cronologia da sedimentação dos lobos deposicionais, confirmando a validade do modelo evolutivo atualmente sugerido para o megaleque.

PALAVRAS CHAVES
Quaternário; Geomorfometria; Integral hipsométrica

ABSTRACT
This study presents the application of the curve and hypsometric integral (Hi) as instruments to analyze and interpret the chronology and evolution of the depositional lobes on Taquari megafan (Pantanal, Brazil). The elevation dataset was obtained from the SRTM (Shuttle Radar Topography Mission). We conclude that the hypsometric information is closely related with the relative chronology age of the depositional lobes, confirming the validity of the current evolutionary model adopted for megafan.

KEYWORDS
Quaternary; Geomorphometry; Hypsometric integral

INTRODUÇÃO
Sistemas de megaleques ocorrem comumente associados a depressões tectonicamente ativas e são caracterizados por depósitos clásticos que superam 1.000 km2 de extensão superficial (Horton e DeCelles, 2001). Este tipo de feição tem chamado atenção da comunidade científica devido às características peculiares destes ambientes, com frequentes mudanças dos cursos fluviais por processos de avulsão. A região do Pantanal é marcada pela ocorrência de diversos sistemas de megaleques (Assine e Soares, 2004), sendo o megaleque do rio Taquari o mais notável com extensão de 50.000km2 (Assine, 2005; Zani et al., 2012). O conhecimento detalhado dos processos responsáveis por sua gênese é de grande importância para a elaboração de modelos preditivos sobre mudanças futuras. Técnicas de geomorfologia são fundamentais neste tipo de análise, fornecendo dados que auxiliam na compreensão da evolução da paisagem. Neste sentido destaca-se a aplicação do conceito da hipsométrica (Strahler, 1952), que permite identificar a cronologia relativa do terreno com base na topografia. Dois elementos conceituais são fundamentais na análise hipsométrica, a curva hipsométrica, que é uma forma de representação gráfica do relevo, e a integral hipsométrica (Hi), representada pela área do gráfico sob a curva hipsométrica. A integral é um índice que descreve a frequência acumulada das altitudes de uma determinada área do terreno (Strahler, 1952). A partir desta informação o índice Hi pode representar determinada porção do terreno que ainda não esteve sujeita a processos erosivos, configurando-se como indicador de diferentes estágios evolutivos (Pérez-Peña et al., 2009). Um modelo que segmenta o megaleque do rio Taquari em diversos compartimentos, os quais refletem os sucessivos eventos deposicionais que formaram este depósito foi proposto por Assine (2005). O objetivo deste trabalho é aplicar o conceito de hipsometria para identificar a cronologia relativa dos eventos que formaram o megaleque do rio Taquari.

MATERIAL E MÉTODOS
Os dados utilizados da missão SRTM (Shuttle Radar Topography Mission; Jarvis et al., 2008), disponibilizados em sua 4º versão (http://srtm.csi.cgiar.org.), constituem versão mais recente, resultante da aplicação de novos algoritmos de interpolação e modelos digitais de elevação (MDE’s) auxiliares (Reuter et al., 2007). Neste conjunto de dados, além do MDE de 3 segundos de arco (~90m), também estão disponíveis dados reamostrados para 21 segundos de arco (~250m), os quais foram utilizados nesse trabalho. O procedimento para a obtenção das curvas hipsométricas se iniciou com a importação do MDE-SRTM no aplicativo ArcGIS 9.2. Os polígonos dos lobos deposicionais do Taquari foram utilizados como máscara para extração individual das altitudes dos compartimentos. Obteve-se 4 arquivos que foram convertidos para formato texto tabular (x,y,z) e importados para planilha eletrônica. Finalmente, gráficos univariados das frequências acumuladas das altitudes foram confeccionados somente com a coluna z. Aplicou-se transformação linear nos eixos x e y para reajustar os valores de 0 a 1, a fim de se realizar comparações entre as curvas geradas. Para a extração dos parâmetros quantitativos que descrevem a curva da hipsométrica foi utilizada a abordagem proposta por Harlin (1978). Os valores de Hi variam de 0 a 1, e serão utilizados como índice descritivo da idade relativa dos lobos deposicionais. As equações que permitem os cálculos hipsométricos foram implementadas por Pérez- Peña et al. (2009) na extensão CalHypso do ArcGIS 9.x. Além da integral hipsométrica, também foi calculada a variável altura do relevo. Este parâmetro foi extraído dos lobos deposicionais através de filtros espaciais não-lineares. Foram aplicados os filtros de mínimo e máximo, com janela de tamanho 7x7. A subtração dos planos de informação resultantes revela a altura do relevo, que pode expressar o grau de dissecação (Evans,1972), utilizado como auxílio na interpretativo das curvas hipsométricas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As curvas hipsométricas obtidas para os lobos deposicionais (Figura 1) estão representadas na Figura 2. Observa-se que quanto maior a concavidade da curva, mais jovem é o lobo deposicional, exceto para o Lobo 3. Esta analogia é igualmente verificada pela análise de Hi, sendo que quanto mais próximo de 0, mais jovem o compartimento, exceto para o Lobo 3. Strahler (1952) e Schumm (1956) identificaram para bacias hidrográficas que quanto mais acentuada a concavidade da curva hipsométrica e menor Hi, mais antigo é o compartimento representado. No entanto, a relação entre curva hipsométrica com idade dos lobos deposicionais, verificada no megaleque do Taquari, é inversa a esta proposta. Então este estudo propõe uma interpretação da curva e integral hipsométrica que corresponde a uma análise oposta à dinâmica de estruturação do relevo existente em uma unidade de bacia hidrográfica. Na bacia hidrográfica as condições de alta maturidade são reveladas por expressivas áreas dissecadas, onde, geralmente, processos deposicionais são atuantes durante longo período. No entanto, em lobos deposicionais, a dinâmica é inversa, visto que quanto mais representativas são às áreas planificadas e com alta deposição sedimentar, mais recente é o compartimento. Neste sentido, esperava-se que os baixos valores de Hi e as curvas hipsométricas com feições mais côncavas representassem justamente os terrenos com menor maturidade, ou seja, mais jovens. A integral hipsométrica é geralmente extraída para a unidade de bacia hidrográfica, o que não exclui a potencialidade de aplicação em outros recortes espaciais que permitem a avaliação do equilíbrio entre os processos erosivos e deposicionais que atuam em determinada porção da superfície. Por isso tal ocorrência era esperada, devido à predominância de processos deposicionais na unidade dos lobos, ao passo que em bacias hidrográficas tributárias predominam processos erosivos. Assim, para ambientes de sedimentação recente, como o Pantanal, é coerente que terrenos mais jovens possuam maior frequência acumulada das altitudes menos elevadas. A discordância da curva hipsométrica do Lobo 3 com as demais pode ser explicada: (1) pela sobreposição quase que total do Lobo 1, que impediu amostrar de forma representativa a topografia do Lobo 3; (2) pela geometria alongada e delgada deste compartimento que, segundo Willgoose e Hancock (1998), pode comprometer a análise da curva hipsométrica e a extração dos parâmetros quantitativos; e (3) por provável interferência de feições erosivas associadas ao canal atual do Taquari, restritas apenas ao cinturão de meandros (Assine, 2005), mas que se encontra sobreposto ao Lobo 3. Foi identificada uma relação positiva entre a altura média do relevo com a cronologia relativa dos lobos deposicionais, visto que a altura média (m) teve comportamento crescente (i.e., lobo 1 = 5,2; lobo 2 = 5,4; lobo 3 = 5,3; lobo 4 = 6,1). Desta maneira, quanto mais antigo for o compartimento sedimentar, mais dissecado estará o seu relevo. Segundo Zani et al. (2012), as maiores amplitudes de relevo no megaleque estão associadas com feições erosivas lineares, que dissecam os depósitos aluviais mais antigos na porção proximal do megaleque. Feições relictas e de elevada amplitude altimétrica já haviam sido documentadas no Pantanal da Nhecolândia (i.e., Lobo 4) por Tricart (1982) e Ab’Saber (1988), corroborando que os lobos deposicionais antigos estão mais dissecados que os recentes.

Figura 1

(A) Localização do megaleque do Taquari no Pantanal. (B) Cronologia dos lobos deposicionais que formaram o megaleque, segundo modelo de Assine (2005).

Figura 2

Curvas e integrais hipsométricas dos lobos deposicionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi aplicada a análise da curva e integral hipsométrica para verificar a validade do modelo de construção e abandono de lobos deposicionais do megaleque Taquari, proposto por Assine (2005). A partir dos resultados obtidos pode-se concluir que: (1) as curvas hipsométricas estão relacionadas com a cronologia dos lobos deposicionais, confirmando a validade do modelo de Assine (2005), exceto para o Lobo 3; (2) a variável morfométrica de altura do relevo confirmou que os terrenos mais antigos do megaleque possuem maior grau de dissecação que os terrenos de sedimentação recente; e (3) para o megaleque do Taquari, a proposta de análise inversa da curva hipsométrica se confirmou como factível na relação com estágios evolutivos do relevo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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