Anais: Geocronologia e evolução da paisagem
DEPÓSITO DE CACIMBA COMO FERRAMENTA PARA RECONSTRUÇÃO AMBIENTAL NO SEMIÁRIDO PERNAMBUCANO: O CASO DE FAZENDA NOVA, MUNICÍPIO DE BREJO DA MADRE DE DEUS, NORDESTE DO BRASIL.
AUTORES
Gomes da Silva, D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS/CAMPUS SERTÃO) ; de Barros Corrêa, A.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO)
RESUMO
A análise dos eventos deposicionais da cacimba da Fazenda Logradouro foi realizada a partir da abordagem morfoestratigráfica. Amostras foram coletadas para sedimentologia, datação por LOE. O resultado obtido indicam a ocorrência de períodos pontuais de remobilização dos mantos de intemperismo para o eixo deposicional da cacimba, mediante a operação de eventos de grande magnitude e baixa recorrência, sob diversas combinações de semiaridez ocorridas desde o Penúltimo Máximo Glacial.
PALAVRAS CHAVES
Depósito de Cacimba; Morfoestratigrafia; Datação por LOE
ABSTRACT
The analysis of the depositional events was carried out based on a morphostratigraphic approach. Samples were collected for sedimentological, plus OSL dating. The results obtained for the analyzed samples point to the occurrence of isolated periods of weathering mantle remobilization towards the center of the weathering pool, as a response to the operation of high magnitude, low recurrence events, under several combinations of semi-aridity, since the penultimate glacial maximum.
KEYWORDS
Weathering-pool deposits; Morphostratigraphy; OSL dating
INTRODUÇÃO
O estudo do relevo, sobretudo dos modelados deposicionais, vem permitindo identificar eventos desestabilizadores da estrutura superficial da paisagem, de grande magnitude, capazes de reorganizar o comportamento dos processos geomórficos. Desta forma, a paisagem geomorfológica e sua evolução dependem da atuação em conjunto de diversos fatores, representados em diferentes escalas de espaço e tempo, que influenciam os processos superficiais tendendo a gerar uma multiplicidade de resultados complexos e interconectados na morfologia da paisagem.
A identificação e análise dos processos nas encostas foram consideradas como de importância fundamental para a determinação dos agentes modeladores das formas de relevo resultantes no distrito de Fazenda Nova. Assim, a premissa norteadora deste estudo foi a de que estas evidências geomorfológicas – os depósitos de cacimbas – embora confinados espacialmente estejam associadas às flutuações climáticas do Quaternário superior, cujas pulsações de maior energia alcançaram até mesmo o Holoceno médio e superior, com repercussões notáveis sobre o registro sedimentar e arranjos páleo-ambientais da região.
Diante dessa assertiva, a análise da evolução do relevo através dos depósitos correlativos, a morfoestratigrafia, caracteriza-se como um importante recurso para se identificar a dinâmica geomorfológica atual e pretérita. A importância desta abordagem reside na sua ênfase morfogenética, uma vez que cada unidade morfoestratigráfica está alicerçada sobre materiais que resgatam a história erosiva/deposicional da área.
MATERIAL E MÉTODOS
A área de estudo localiza-se na porção centro-leste do estado de Pernambuco, no município de Brejo da Madre de Deus, tendo como foco o distrito de Fazenda Nova, situado na microrregião do Vale do Ipojuca, distando cerca de 180 Km da cidade do Recife, perfazendo uma superfície de aproximadamente 300 Km2.
A área de coleta de amostras está localizada na localidade Incó, Fazenda Logradouro. A Cacimba apresenta formato ocelar, com diâmetro superior à profundidade (27m de cumprimento X 8,90m de largura) evidenciando a ocorrência de zonas de intercessão de linhas de fraturas verticais com planos das juntas de alívio de pressão subparalelos à superfície do terreno, que facilitam a penetração horizontal da água, favorecendo o crescimento lateral da marmita em detrimento de sua profundidade.
O depósito que preenche a cacimba apresenta espessura de 3,20 metros da base ao topo, exibindo quatro unidades estratigráficas distintas. Compostas por cascalho possui matriz argilo-arenosa, com grãos de quartzo e feldspatos pobremente selecionados, predomínio de grãos angulosos e grande concentração de pirita. A fração grossa é um conglomerado suportado por clastos e bioclastos (ossos da megafauna) com cimentação carbonática formando um nível endurecido. Os bioclastos são constituídos por ossos cranianos e pós-cranianos em sua grande maioria, dentes e placas dérmicas isoladas e elevado número de fragmentos de ossos não identificáveis taxonomicamente.
Amostras de sedimentos foram coletadas em todas as unidades estratigráficas, para realização, em laboratório, de análises sedimentológicas. Tal procedimento foi efetuado nas dependências dos Laboratórios de Geomorfologia do Quaternário (GEQUA), do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE.
As datações de sedimentos por luminescência opticamente estimulada (LOE) foram realizadas na empresa Datação, Comércio & Prestação de Serviços, em São Paulo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Analisando em escala temporal a estratigrafia do depósito de cacimba foi possível reconstruir qualitativamente os cenários de deposição responsáveis pelo seu preenchimento, percebendo-se que alguns eventos estão relacionados a ritmos climáticos já conhecidos para o Nordeste do Brasil desde o Pleistoceno Superior.
A unidade basal é marcada por uma remoção das coberturas residuais do entorno do tanque por fluxos de detritos de baixa viscosidade associados, provavelmente à atuação de sistemas meteorológicos convectivos em períodos de aridez concernentes ao anti-penúltimo estadial sob vegetação de caatinga arbóreo-arbustiva, que serviu como um anteparo para os clastos maiores liberando apenas as frações grossas.
Durante o penúltimo interestadial, a cerca de 58,9 Ka, a paisagem foi marcada por uma remobilização maciça dos fragmentos clásticos das coberturas superficiais. Este evento está associado a uma cobertura vegetal aberta após período de secura prolongada deixando disponível sobre a superfície apenas os materiais mais grossos (ossos da megafauna e fragmentos de rochas) sendo removidos por movimentos de massa sob condições torrenciais, dando origem a uma cascalheira que posteriormente se converteria em conglomerado sob cimentação carbonática. Esta interpretação está em concordância com a formação de colúvios ligados a fluxos de detritos na região do vale do Rio Carnaúba, Seridó potiguar, estudado por Mutzenberg (2007), confirmando assim, a ocorrência de um episódio de reumidificação com fortes tempestades convectivas.
No penúltimo estadial do Pleistoceno, com temperaturas rebaixadas e predominância de períodos bastante secos em relação à fase anterior, eventos isolados de alta precipitação promoveram a remoção dos materiais rudáceos para o eixo do tanque. O evento datado em 45 Ka, reforça a interpretação de eventos ocasionais de alto grau pluviométrico inseridos em um clima mais frio e seco durante este período.
Existiu ainda um período mais seco relacionado ao UMG, o que corresponderia a uma pausa na sedimentação terrígena e formação de carbonato de cálcio. A ocorrência de longos períodos de extrema aridez seguidos de períodos com precipitação proporcionou oscilações mais ou menos rápidas ou pronunciadas do nível d’água favorecendo a carbonatação através da mobilidade do carbonato de cálcio no perfil. Datações de 14C realizadas por Alves (2007) em 19,4 Ka para o cimento carbonátco permite inferir que a bacia não funcionou como área de estocagem de sedimento durante o último interestadial.
O UMG na área foi marcado por uma nova remobilização dos mantos de intemperismo relacionada a um clima provavelmente mais frio e seco com eventos de chuvas sazonais de alta magnitude, a cerca de 19,8 Ka. Eventos de coluvionamento associados a uma reumidificação do ambiente no UMG encontram-se bem marcado por Corrêa (2001) para a Serra da Baixa Verde, Corrêa et. al. (2008) para Brejo da Madre de Deus e Mutzemberg (2007) para o vale do Rio Carnaúba, RN. Estas evidências corroboram a hipótese da ocorrência de chuvas torrenciais isolados durante o UMG para o Nordeste do Brasil, que então estava sob um clima semiárido severo.
Valores isotópicos δ13C (‰) da matéria orgânica do solo (MOS) para o depósito realizado por Alves (op.cit.) demonstraram variações de enriquecimento alternado por empobrecimento isotópico (-22,7 ‰ a 18,8 ‰) após 45 Ka, indicando que a vegetação passou por mudanças vegetacionais entre C3 e C4, e o atual bioma caatinga foi estabelecida na área a partir de 19,8 Ka, devido a mistura de vegetação de plantas do tipo C3 e plantas CAM, como Bromeliáceae, Cactaceae, Crassulacear, Euphobiaceae e gramíneas.
Flutuação do nível d’água favoreceu a formação de ferruginização do depósito com formação de nódulos. Ao final do período certamente a erosão laminar era o processo predominante com remoção das fácies argilo-sílticas e concentração de grossos atestando que este funcionou como um paleopavimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As idades demonstraram uma dinâmica episódica de remoção dos mantos de alteração, com pulsos bem marcados, atestando que a cacimba funcionou como área de estocagem de sedimento durante episódios de maior energia do clima para o sistema erosivo/deposicional.
Um nível conglomerático de 58,9 Ka, atesta que o episódio de mortandade da megafauna ocorreu anteriormente à presença do homem na área, refutando, pelo menos com base nas evidências encontradas na área, a hipótese de convivência destes com paleo-índios, já que o registro de ocupação humana mais antigo na área foi datado em 9.150 anos AP (Canto, 1998).
Entretanto, a principal dificuldade dessa proposta incide na natureza intrínseca do material, pois os depósitos na forma que se encontram na paisagem, representam apenas uma pequena parcela dos materiais originais que conseguiram permanecer incólumes às perturbações decorrentes das mudanças ambientais da ordem de centenas a milhares de anos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
ALVES, R. S. Os Mamíferos Pleistocênicos de Fazenda Nova, Brejo da Madre de Deus, Pernambuco, Brasil. Dissertação de mestrado, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Pernambuco.2007. 150p.
CANTO, A. C. L. Caracterização Geoarqueológica e Paleoambiental do Sítio Arqueológico Furna do Estrago, Brejo da Madre de Deus – PE/Brasil. Dissertação de Mestrado, Departamento de Geologia, Universidade Federal de Pernambuco, 1998.
CORRÊA, A. C. B. Dinâmica geomorfológica dos compartimentos elevados do Planalto da Borborema, Nordeste do Brasil. Rio Claro, 2001. 386p. Tese de Doutorado – IGCE, UNESP.
CORRÊA, A. C. B. et al. Utilização dos depósitos de encostas dos brejos pernambucano como marcadores paleoclimáticos. Mercator, v. 7, p. 99-125, 2008.
MUTZENBERG, D. S. Gênese e ocupação pré-histórica do Sítio Arqueológico Pedra do Alexandre: uma abordagem a partir da caracterização paleoambiental do Vale do Rio Carnaúba – RN. Dissertação de Mestrado, Departamento de Arqueologia, Universidade Federal de Pernambuco, 2007. 142p.