Anais: Geocronologia e evolução da paisagem
Relação Declividade - Extensão (RDE) nas bacias dos rios Sirinhaém, Una e Mundaú: uma análise comparativa
AUTORES
Monteiro, K.A. (UFPE) ; Ramos, D.A.M.C. (UFPE) ; Corrêa, A.C.B. (UFPE)
RESUMO
A presente pesquisa utilizou o método morfométrico de Relação Declividade-Extensão
(RDE) para identificar índices anômalos em três cursos fluviais: os rios
Sirinhaém, Una e Mundaú. As drenagens se encontram na borda oriental do maciço da
Borborema. Este método foi efetivo ao identificar rupturas de patamares, no qual
podemos traçar uma relação direta entre estas rupturas e as estruturas
condicionantes das formas de relevo, quantificando a anomalia identificada.
PALAVRAS CHAVES
RDE; Borborema; Morfometria
ABSTRACT
This research used the morphometric method called Slope-Length Index to identify
anomalous indexes in three drainage: Sirinhaém river, Una River and Mundaú River.
Those drainages are located in the oriental side of the Borborema highlands. This
method was effective to identify level breaks, showing that we can make a
relationship between those breaks and the structures which command the landforms,
quantifying the identified anomalies.
KEYWORDS
SL Index; Borborema Highland; Morphometry
INTRODUÇÃO
Desde os primeiros teóricos, muito conhecimento tem sido produzido acerca da
dinâmica evolutiva da paisagem, onde há uma busca constante em se entender como
as formas surgem e se modificam.
Devido a grandes contribuições como as de Davis (1899), King (1956) e
outros, o relevo passou a ser analisado em sua espacialidade e temporalidade,
preocupando-se não apenas em descrever as formas que se contemplavam, mas em
diagnosticar, a partir de peculiaridades presentes na paisagem, como se
estrutura a relação material-processo-forma.
Uma dos métodos de abordagem acerca do processo evolutivo da paisagem
faz-se com a análise da drenagem, visto que de acordo com Christofoletti (1980)
os cursos de água constituem-se em processo morfogenético dos mais ativos na
esculturação da paisagem terrestre, tornando relevante o estudo das drenagens
fluviais, de forma que esta pode levar à compreensão e à elucidação de numerosas
questões geomorfológicas.
Por ser uma área de constante transporte e deposição de sedimentos as bacias de
drenagem possibilitam, através da aplicação de técnicas, como análise do perfil
longitudinal, o índice de relação-declividade-extensão (RDE) e densidade de
drenagem, identificar em seus cursos características que permitem um diagnóstico
da dinâmica existente na área.
Este tipo de abordagem tem a virtude de servir como ferramenta auxiliar para a
reconstrução da dinâmica dos sistemas da superfície terrestre, na medida em que
nos permite, através da análise da drenagem, avaliar e identificar as rupturas
de patamares encontrados na encosta.
No presente estudo avaliou-se o perfil longitudinal de três drenagens inseridas
no contexto regional da borda oriental do maciço da Borborema. Os rios
Sirinhaém, Una e Mundaú localizam-se entre a costa atlântica e a escarpa
oriental da Borborema, a sul do Lineamento Pernambuco, drenando a Zona da Mata
Sul de Pernambuco e a Mata Norte de Alagoas.
MATERIAL E MÉTODOS
A análise morfométrica foi introduzida por Horton (1945) e vastamente publicada
no Brasil sob influência de Christofoletti (1972). Dentre as diversas técnicas
de análise estão os cálculos do RDE (relação-declividade-extensão), proposto por
Hack (1973) e difundidos neste país por Etchebehere et al (2004). Estes cálculos
permitem a quantificação dos valores padrões no perfil longitudinal do rio,
identificando desvios neste padrão.
Esta análise identifica, no perfil longitudinal de drenagem, alterações em seu
curso, relacionando a declividade do canal fluvial com a extensão do referido
trecho, fornecendo um índice para comparação de trechos em um mesmo curso d’água
com diferentes gradientes e extensão.
Ao propor o índice de gradiente (stream gradient-index), Hack (1973) contribui
com um elemento bastante prático na determinação de “anomalias” na curva
“normal” do perfil longitudinal.
O índice RDE é calculado da seguinte maneira:
RDE = (∆h/∆l).L
Onde:
Δh= diferença altimétrica entre dois pontos de um seguimento ao longo do curso
d’água;
Δl= projeção horizontal da extensão do referido segmento;
L= comprimento total do curso d’água a montante do ponto para o qual o índice
está sendo calculado até a cabeceira.
Posteriormente os resultados obtidos foram divididos com o RDE total da
drenagem obtido pela relação entre a diferença total de altitude e o log do
comprimento da drenagem (RDEtotal = ∆H/logL). Os valores obtidos da relação
entre os RDE’s dos trechos e o RDE total indicam valores de anomalias no perfil
longitudinal da drenagem, como proposto por Seeber e Gornitz (1983), onde
valores entre 0 e 2 não apresentam anomalias, valores entre 2 e 10 apresentam
anomalias de segunda ordem e valores acima de 10 caracterizam anomalias de
primeira ordem.
Os índices obtidos através deste método quando correlacionados a cartas
topográficas e geológicas permitem a obtenção de informações acerca da
estruturação e controle dos processos modeladores do relevo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com a aplicação do método de RDE aos rios Sirinhaém, Una e Mundaú foram geradas
tabelas com os valores de RDE e de anomalias em cada trecho analisado.
No caso do Rio Sirinhaém foram encontrados diversos setores com anomalias de 1ª
e 2ª ordens. Focando apenas nos valores de 1ª ordem teríamos o setor de 425m com
índices de 21,45 o setor de 250m com índices de 18,45 o setor de 225m
apresentando 11,94 e em 150m teríamos 15,4 de índice.
Para o Rio Una também foram encontrados quatro trechos possuidores de anomalias
de 1ª ordem. Em 500m foi obtido o índice de 15,9 em 275m o índice de 23,17 no
setor de 250m o valor de 21,04 e em 200m o valor de 25,64.
Para o Rio Mundaú, mais ao sul da região, foram encontrados três valores
anômalos de 1ª ordem, sendo eles em 400m, cujo resultado foi de 17,21 e em 375m
e 200m onde os valores foram de 10,96 e 10,84 respectivamente.
Diante destes resultados pode-se verificar a ausência de uma continuidade
proximal nos valores de anomalias de 1ª ordem. No caso do Rio Sirinhaém os
valores se encontram nas cotas de 425m depois apenas em 250m e 225m e por ultimo
em 150m. Isto indica que a drenagem percorre uma escarpa escalonada com pelo
menos 3 patamares relativamente significativos em relação ao todo do canal.
Existe nesta drenagem um setor próximo à costa de áreas com um perfil muito
suave até a cota de 150m, onde se encontra o primeiro valor com anomalia de 1ª
ordem. Segue-se um curto trecho de relativa suavidade até a ruptura encontrada
entre 225m e 250m. e posteriormente encontram-se setores com menor suavidade mas
que possuem valores de anomalias de 2ª ordem de pouca expressão até a cota de
425m onde encontramos a maior ruptura de patamar com um índice de 21,45
demonstrando um perfil escalonado em pelo menos quatro patamares.
No caso do Rio Una encontramos três principais patamares. Um abaixo da cota de
200m onde encontramos o primeiro e maior valor de anomalia com 25,64. Entretanto
os próximos valores se encontram logo acima, em 250m e 275m. Acima deste trecho
ocorre um setor com relativa suavidade no declive onde encontramos apenas alguns
poucos valores de 2ª ordem e não muito expressivos. Até a cota de 500m onde
novamente ocorre um trecho com anomalia de 1ª ordem com valor de 15,9. Esta
ruptura determina mais um patamar que segue até a cabeceira da drenagem.
No Rio Mundaú encontramos também três possíveis patamares relacionados com a
existência de rupturas de 1ª ordem. A primeira ocorrendo em 200m e as segunda e
terceira ocorrendo próximas, entre 375m e 400m, sendo este ultimo possuidor de
uma anomalia no valor de 17,21.
Estes resultados nos mostram que a encosta da Borborema no setor à sul da Zona
Transversal (BRITO NEVES et al 2001) possui uma estruturação em patamares
escalonados. Não se observa apenas uma zona de quebra ou ruptura localizada em
um setor da encosta, mas em geral pelo menos 3 patamares, diferente de outras
regiões próximas.
Isto corrobora com a idéia da existência de blocos soerguidos e rebaixados
estruturando o relevo da região, ou uma tectônica em teclas (FORTES, 1896)
composta por grabens e horsts que diferenciam a região de áreas adjacentes, como
a Zona Transversal, localizada à norte.
Os índices indicam que se torna difícil estabelecer uma isoípsa onde se possa
demarcar uma primeira quebra de patamar, visto que os primeiros índices de
anomalias de 1ª ordem possuem uma variação entre 150m e 200m, o que pode indicar
o controle de blocos no estabelecimento da escarpa oriental da Borborema neste
setor.
A existência de patamares com declividades suaves entre estas principais
rupturas pode indicar um basculamento de blocos, se tomarmos por base os
esforços tectônicos, ou ainda a existência de patamares erosivos aplainados,
entendendo uma perspectiva erosiva como norteadora. Entretanto mais pesquisas e
aplicação de outros métodos são necessários para determinar se aspectos
tectônicos são mais atuantes na elaboração das formas da região ou se os
processos erosivos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, a análise morfométrica mostra-se como uma importante ferramenta no
auxílio do entendimento da gênese e evolução do relevo, mas também como uma
primeira aproximação da estruturação da paisagem, possibilitando uma apreciação
quantitativa da mesma.
No caso estudado o método se mostrou eficaz em demonstrar as principais rupturas
dos patamares, inclusive demonstrando áreas onde o perfil mais suave do rio
poderia ser interpretado como uma superfície, erosiva ou tectonicamente abaulada.
Demonstrou também que não existe uma relação direta entre as escarpas de ambos os
rios, pois a estruturação escalonada ocorre em altimetrias diferenciadas. Em parte
por ser uma área onde ocorrem blocos falhados estruturados em hemi-grabens e
horts.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BRITO NEVES, B. B.; SCHMUS, W. R. V.; FETTER, A. 2001 - Noroeste da África - Nordeste do Brasil (Província Borborema) ensaio comparativo e problemas de correlação. Revista do Instituto de Geociências - USP (SP), v. 1, n. 1, p. 59-78.
CHRISTOFOLETTI, A. 1980 - Geomorfologia. São Paulo: Editora Edgar Blücher. 2ª edição, 188p.
DAVIS, W. M. 1899 - The Geographical cycle. Geographical journal. v. 14, p. 481-504.
ETCHEBEHERE, M. L.; SAAD, A. R.; FULFARO, V. J.; PERINOTTO, J. A. J. 2004 - Aplicação do Índice "Relação Declividade-Extensão - RDE" na Bacia do Rio do Peixe (SP) para detecção de deformações neotectônicas. Revista do Instituto de Geociências - USP, v. 4, n. 2, p. 43-56.
FORTES, F. P. 1986 - A tectônica de teclas da Bacia Potiguar. In: Congresso Brasileiro de Geologia, 34, Goiânia. Anais. SBG, 1986, v. 3, p. 1145-1159.
HACK, J. T. 1973 - Stream-profile analysis and stream-gradient index. Journal of Research of the United States Geological Survey. v. 1. n4. p. 421-429.
HORTON, R. E. 1945 - Erosional development of streams and their drainage basins: hydrophysical approach to quantitative morphology. Geological Society of America Bulletin. v. 56, p. 275-370.
KING, L. C. 1956 - A geomorfologia do Brasil Oriental. Revista Brasileira de Geografia. p. 147-265.
SEEBER, L. GORNITZ, V. 1983 - River Profiles aloong the Himalayan arc as indicators of active tectonics. Tectonophysics, v. 92, p. 335-367.