Anais: Geocronologia e evolução da paisagem

A intrusão do corpo alcalino de Poços de Caldas e sua influência na evolução do relevo e da rede de drenagem regional: correlação entre índice Relação Extensão – Declividade dos canais de drenagem e Traço de Fissão em apatitas

AUTORES
Souza, D.H. (GEOLOGIA REGIONAL - MESTRADO - UNESP - RIO CLARO) ; Hackspacher, P.C. (DPM-IGCE-UNESPE-RIO CLARO) ; Doranti, C. (GEOLOGIA REGIONAL - DOUTORADO - UNESP - RIO CLARO)

RESUMO
Através da correlação entre traço de fissão em apatitas e análise do índice Relação Extensão – Declividade dos canais de drenagem constatou-se que,com intrusão alcalina em Poços de Caldas, houve um alçamento térmico da crosta e um rejuvenescimento do relevo. Iniciando-se um processo erosivo que culminaria por preservar em altitudes elevadas o Maciço Alcalino de Poços de Caldas, limitando sua drenagem interior e oferecendo uma barreira geográfica aos canais externos.

PALAVRAS CHAVES
Intrusão; Traço de fissão em apatit; Drenagem

ABSTRACT
Apatite fission track analysis and slope vs. length index was possible to conclude that with the alkaline intrusion of Poços de Caldas, there was a thermal uplift of the crust and a reshape of the relief. It starts a erosional process that preserved the higher topography of the Poços de Caldas Alkaline Massif, limiting the interior drainage and offering a geographical barrier to the external river channels.

KEYWORDS
Intrusion; Fission track; Stream

INTRODUÇÃO
O planalto Sul de Minas, localizado a sudeste do Brasil, na divisa entre os estados de São Paulo e Minas Gerais, é caracterizado por planaltos elevados sustentados por rochas cristalinas do Pré-Cambriano e Cambro-Ordoviciano da Província Mantiqueira e tem como particularidade uma intrusão alcalina do final do período Cretáceo que corta o embasamento cristalino. Esta intrusão foi responsável pela origem do Maciço Alcalino de Poços de Caldas (MAPC), uma estrutura anelar constituída por relevo acidentado repleto de vertentes abruptas, circundando uma área rebaixada com topografia de morros e vertentes suaves. Sua origem situa-se por volta de 89 Ma, com a intrusão de rochas félsicas, as qual se estende até 54 Ma (Sonoki&Garda 1988, Ulbrichet al. 2002). De acordo com Franco et al. (2005), a história térmica obtidas em amostras do MAPC e adjacências por traço de fissão em apatitas indicam soerguimento tectônico e domeamento na região associados à intrusão do dique anelar e de rochas supracrustais, representados na história das amostras por um resfriamento continuo até perto de 60 Ma, quando então, segue-se um resfriamento brusco, indicando, segundo a autora, episódios de abatimento do conduto vulcânico e estruturação da caldeira para acomodar a câmara magmática, resultando daí, em termos geomorfológicos, um ressalto topográfico dos anéis do maciço em relação as áreas vizinhas externas, alterando e condicionando o desenvolvimento da rede de drenagem local. Neste sentido, visando detectar a medida da influência da intrusão alcalina na evolução do relevo regional e da estruturação da rede hidrográfica, foram correlacionados dados de termocronologia por traço de fissão em apatitas com análise morfométrica da drenagem através do índice de Relação Declividade- Extensão dos cursos d’água.

MATERIAL E MÉTODOS
O índice Relação Declividade-Extensão do canal é dado por RDE=(Dh/Dl). L, na qual: Dh – amplitude altimétrica de um segmento ao longo do curso d’água; Dl – comprimento do referido segmento; L - comprimento total do curso d’água a montante do segmento calculado. Refere-se à declividade de um determinado trecho de um canal de drenagem normalizado pela distancia do referido trecho à cabeceira. Relaciona-se com os níveis de energia da corrente, a qual reflete na capacidade de erodir e transportar sob diferentes condições litológicas, tectônicas ou climáticas, proporcionando a oportunidade de comparar o comportamento de segmentos de drenagens de diferentes ordens e tamanhos, sendo de grande utilidade para a interpretação da história geomorfológica de uma determinada bacia hidrográfica. Neste trabalho calculou-se o índice por conjuntos de canais de uma mesma ordem, a fim de comparar conjuntos de ordens distintas, objetivando verificar a influência da intrusão alcalina no MAPC na estruturação e desenvolvimento da drenagem. O método de traço de fissão, por sua vez, permite determinar quando um determinado mineral passou pela chamada Zona de Annealing Parcial (ZAP), que consiste numa faixa de temperatura na qual traços gerados pela fissão do U238 são formados e preservados. No caso da apatita, esta faixa fica entre 120° e 60° C, representando uma profundidade de ~3 Km. Através da relação entre idades e altitudes topográficas, além de sua distribuição no espaço é possível inferir acerca da evolução do relevo. Deste modo, o comportamento das drenagens detectado pelo RDE pode ser analisado a luz de uma calibração no tempo dos eventos geológicos e geomorfológicos responsáveis pela estruturação do relevo local. Para tanto, foram utilizadas idades contidas nos trabalhos Hackspacher (2007) e Doranti (2010), gerando-se um gráfico de dispersão com a relação entre idade e altitude topográfica e um mapa indicando a correlação e distribuição espacial entre as idades das amostras.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A bacia do alto Rio Pardo perfaz uma área que passa de 4353 Km², sendo que a nascente do rio principal esta situada na porção sul da bacia, com a maior parte de seu curso seguindo direção NNW, desviando para W a norte da bacia, contornando desta maneira o MAPC. Ao longo da bacia, diversificados padrões de drenagem são distinguidos, dentre os quais, o mais notável consiste no padrão anelar apresentado pelos canais que drenam o interior do MAPC, demonstrando assim a importância deste na organização da rede de drenagem, seja limitando os canais de seu interior, como impondo uma barreira geográfica aos canais exteriores. A influência desta intrusão na evolução geomorfológica da região pode ser visualizada através do gráfico de Idade Vs. Altitude e o mapa de distribuição espacial das idades de TFA (figura 1). Sob condições termais da crosta em estado estacionário, as idades obtidas por TFA das amostras devem aumentar linearmente com a elevação (Braun et. al., 2002a), isto porque as amostras exumadas em áreas topograficamente elevadas teriam passado pela ZAP anteriormente as encontradas em áreas baixas. No entanto na região estudada há uma tendência das idades diminuírem conforme aumenta a altitude. Isto se deve pelo efeito daintrusão do corpo alcalino de Poços de Caldas, provocando soerguimento térmico associado ao calor da intrusão alcalina (Mancktelow & Grasemann 1997), o qual afetou as áreas que bordejam o MAPC, rejuvenescendo as idades destes locais. De acordo com Hackspacher et al. (2007), esse alçamento térmico pode ter efeito geomorfológico abrangente, influindo também na formação e na destruição da SuperfícieSul- Americana de abrangência regional. Este processo pode ser visualizado na seqüência de mapas de valores de RDE (figura 2). Para o conjunto de segmentos de drenagem de sexta e sétima ordem notam-se certas semelhanças com o mapa de distribuição de idades: além da localização similar entre a concentração de idades recentes e RDEs, há uma leve tendência dos valores mais altos se localizarem em regiões topograficamente mais elevadas, o que não ocorre claramente com os conjuntos de segmentos das demais ordens. O Ribeirão das Antas, por exemplo, tem seu início dentro do Maciço de Poços de Caldas, ultrapassando o dique anelar, desaguando no Rio Pardo; comportamento seguido pelas demais drenagens com valores altos (em áreas com altitudes semelhantes ao MAPC). O Rio Pardo, que tem seu percurso condicionado pela barreira geográfica imposta pelo MAPC e áreas adjacentes, impõe visualmente um contorno de valores altos ao redor das áreas soerguidas. Podemos inferir, portanto, que o comportamento das drenagens de sétima e sexta ordem devem refletir a ação pretérita da intrusão: com as áreas alçadas, há um rejuvenescimento do relevo, a rede de drenagem aumenta seu potencial erosivo e inicia-se o esfacelamento da superfície Sul-Americana(King 1956, Amaral et al. 1997), restando, ao final do processo, alguns resquícios da mesma. A mudança de estagio, entre o inicio do esfacelamento e a preservação de resquícios da superfície pode ser observada nos valores de RDE obtidos para o conjunto dos canais de quinta e quarta ordem. As concentrações de altos valores são espalhadas ao longo da bacia, concentrando-se preferencialmente nas bordas de regiões elevadas, configurando, principalmente no caso do MAPC, erosão diferencial, entre as alcalinas e as encaixantes, preservando em altitudes elevadas remanescentes da superfície Sul-Americana (dique anelar), assim como a paisagem do interior do MAPC, onde as drenagens apresentam baixos valores de RDE se comparado ao restante da região, indicando que, com baixa energia para erodir o substrato, o relevo permanece relativamente preservado.

Figura 1

Mapa com a distribuição espacial das idades obtidas por traço de fissão em apatitas. A direita: gráfico com a relação entre idades e altitude.

Figura 2

Mapas de RDE, a esquerda: valores para as drenagens de 6ª e 7ª ordem. A direita: valores para canais de 4ª e quinta ordem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A geração do MAPC alterou e condicionou a estruturação geomorfológica da área de estudos. A intrusão alcalina soergueu a região e alçou a zona de anneling parcial, rejuvenescendo a idade das rochas ao entorno do MAPC, fazendo com que idades mais jovens sejam exumadas em altitudes elevadas, enquanto em regiões baixas, a norte da bacia, prevaleçam idades antigas. Com o relevo rejuvenescido estrutura-se a rede de drenagem com alta energia erosiva, como pode ser observado no mapa de RDE para os conjuntos de drenagens de 6ª e 7ª ordem, onde os altos valores concentram- se nas regiões soerguidas. Com a continuidade do processo, a erosão diferencial entre alcalinas e embasamento modela o relevo da região, gerando uma feição topográfica positiva para o MAPC em relação às rochas do pré-cambriano. Deste modo, os valores altos de RDE (5ª, 4ª) distribuem-se ao longo da bacia, concentrando-se nas bordas das áreas soerguidas, preservando o relevo interior.

AGRADECIMENTOS
FAPESP (Processo:2011/05373-4), pelo apoio financeiro. Ao grupo de termocronologia da Unesp-Rio Claro pelas idades de traço de fissão em apatitas. À Michele, pela revisão ortográfica do texto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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