Anais: Interações pedo-geomorfológicas
Diferenciação de solos desenvolvidos sobre rochas quartzíticas da Serra do Espinhaço/MG
AUTORES
Nunes, M.S. (UFMG) ; Carvalho, V.L.M. (UFMG) ; Oliveira, F.S. (UFMG)
RESUMO
As relações entre morfogênese e pedogênese revelam características importantes da
paisagem de uma região. Este estudo visa analisar dois perfis pedológicos de uma
vertente elaborada sobre rochas quartzíticas da Serra do Espinhaço/MG. Diferenças
significativas foram observadas nos perfis analisados, como a cor e a espessura do
horizonte B e a presença de mosqueados no perfil da média vertente. Atribui-se a
isso as possíveis variações da declividade, da litologia e da circulação hídrica.
PALAVRAS CHAVES
Solos; Relevo; Quartzitos
ABSTRACT
The morphogenesis and pedogenesis relationship in the study area shows important
characteristics of the landscape.This paper aims to analyze two soil
of a hillslope developed on the quartzite rocks of the Espinhaço complex,
MG.Significant differences were observed in the profiles analyzed, such as color
and thickness of B horizon, and the presence of mottling in the profile of the
middle hillslope.This is attributed to the possible variations of the slope,
lithology and water circulation.
KEYWORDS
Soils; Relief; Quartzites
INTRODUÇÃO
A identificação e análise dos solos podem ser consideradas de fundamental
importância para o entendimento da formação e evolução do relevo, especialmente
quando estabelecida a relação entre os processos de pedogênese e morfogênese.
Nesse sentido, diversos trabalhos têm sido elaborados com o intuito de
evidenciar esta influência e explicar ou justificar a evolução do relevo.
As formas de relevo e os solos estão intimamente relacionados, de modo que
interagem na paisagem a partir de uma série de associações espaciais e temporais
(Kilian & Rosseli, 1978 apud Furquim, 2002). Para Tricart (1968), a
geomorfologia de uma área interfere diretamente na pedologia local, sendo um
elemento que compõe a morfogênese. Porém, o autor destaca que a geomorfologia
revela apenas uma parte dos dados relativos à análise pedológica, ou seja, ela
não atua de maneira exclusiva na definição de determinado tipo de solo: “Pode-se
falar de um verdadeiro balanço da morfogênese-pedogênese, cujo resultado muda de
sentido conforme o lugar e as circunstâncias” (TRICART, 1968, p. 9).
Nesse sentido, a relação estabelecida entre o solo e a paisagem pode ser
entendida a partir da análise dos atributos do solo e de seu posicionamento no
relevo (Bui et al., 1999). Outros aspectos, como o clima, a geologia e aspectos
hidrológicos, também são fundamentais para o entendimento dessas relações. Os
aspectos topográficos interferem de maneira significativa nas características
pedológicas, já que condicionam os fluxos da água e orientam a erosão e a
deposição de materiais (Barthold et al., 2008).
Dessa maneira, o presente artigo visa apresentar e discutir algumas diferenças
observadas entre dois perfis de solo localizados em uma mesma formação
geológica, porém em feições diferentes de uma vertente na Bacia Hidrográfica do
Rio Pardo Pequeno, que drena parte dos municípios de Diamantina, Gouveia e
Monjolos, em Minas Gerais.
MATERIAL E MÉTODOS
A área geral de estudo localiza-se em uma região de clima tropical de altitude,
com inverno seco e verão brando e úmido. De acordo com a classificação de Köppen
é o denominado Cwb-mesotérmico (Nimer, 1989). A Bacia encontra-se no bioma
Cerrado, com ocorrência de campos de altitude e rupestres nos trechos mais
escarpados e nas áreas de maiores altitudes. Nos fundos de vale há matas
ciliares e galerias, destacando-se o porte arbóreo. Atualmente o solo tem sido
utilizado para pastagens, descaracterizando a vegetação original.
A litologia da área pertence, predominantemente, ao Supergrupo
Espinhaço, sendo que a maior parte da Bacia estudada encontra-se sobre a
Formação Galho do Miguel, composta por quartzitos puros e finos (cerca de 90% da
formação), quartzitos finos micáceos e intercalações de metargilitos
acinzentados ou esverdeados (entre 5 e 10%) (Knauer, 2007). Também há indicações
de ocorrência de metabásicas na área geral de estudo.
A Bacia do Rio Pardo Pequeno localiza-se na porção meridional da Serra
do Espinhaço, caracterizada geomorfologicamente pela presença de planaltos
elevados interceptados por escarpas quartzíticas (Grossi-Sad et al, 1997). A
vertente estudada está inserida em uma área de relevo suavemente ondulado e
altitude média de 1200 metros. Em relação à pedologia, estudos anteriores
apontam a presença de Cambissolos, Neossolos Quartzarênicos e Litólicos, além da
ocorrência de gleissolos nos fundos de vale.
Duas trincheiras foram abertas, em uma vertente para a descrição e análise dos
perfis, sendo o primeiro (P1) em alta vertente e o segundo (P2) em média.
Realizou-se a descrição morfológica de acordo com Santos et al (2005), além da
coleta de amostras para a caracterização morfológica (macro e micro), física,
química e mineralógica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em termos gerais, a vertente é convexa, não apresentando erosão aparente e
recoberta por campo sujo, onde há majoritariamente porte herbáceo e algumas
espécies arbustivas. O uso do solo se dá, basicamente, para pastagens. O Perfil
1 encontra-se localizado na alta vertente, com topografia aplainada, e o Perfil
2 na média vertente, de baixo declive (figura 1).
O Perfil 1 (Figura 2a) apresenta três horizontes, A, Bi e C. O horizonte A, de 0
a 35cm de espessura, apresenta cor 2,5YR 4/4 (úmida), textura arenosa e
estrutura em blocos subangulares médios a grandes. Consistência friável,
ligeiramente plástico e ligeiramente pegajoso, poucas raízes, finas e transição
gradual irregular. O horizonte Bi, de 35 a 79cm de espessura, apresenta
coloração 10YR 6/8 (úmida), textura argiloarenosa e estrutura em blocos
subangulares pequenos e médios. Consistência friável, ligeiramente plástico e
ligeiramente pegajoso, raízes raras, finas e transição clara ondulada. Por
último, o horizonte C, de 79cm até a base da trincheira, apresenta coloração
7,5YR 5/8 (úmida), textura argilosa e estrutura em blocos subangulares pequenos.
Consistência firme, ligeiramente plástico e pegajoso, raízes raras e finas.
Dessa forma, o perfil foi identificado como sendo um cambissolo.
O Perfil 2 (Figura 2b) possui horizontes A, B e BC, sendo que o horizonte A, de
0 à 25cm de espessura, cor 10YR 3/6 (úmida), textura argiloarenosa e estrutura
em blocos angulares médios. Consistência friável, ligeiramente plástico e
ligeiramente pegajoso, poucas raízes e transição difusa plana. O horizonte B, de
25 à 90cm de espessura, apresenta coloração 7,5YR 6/8 (úmida), textura argilosa
e estrutura em blocos angulares e subangulares médios, que se desfaz em
microagregados. Consistência friável, ligeiramente plástico e ligeiramente
pegajoso, poucas raízes, finas e transição gradual plana. Já o horizonte BC, de
90cm até a base da trincheira, apresenta coloração 5YR 5/8 (úmida), textura
argiloarenosa e estruturas em blocos angulares grandes, que se desfazem em
microagregados. Consistência firme, ligeiramente plástico e ligeiramente
pegajoso, poucas raízes e finas. Apresenta mosqueados na cor 10YR 5/8, que
constituem manchas amarelas arredondadas circundadas por uma matriz avermelhada,
além de pedotúbulos (conforme figura 2).Este perfil foi identificado como um
latossolo.
Destaca-se que a descrição acima é relativa às análises macromorfológicas
realizadas em campo, já que até a data de entrega do presente artigo não houve
acesso aos resultados das análises físicoquímicas e micromorfológicas,
realizadas em laboratório. Nota-se que a textura dos perfis é semelhante, apesar
de o P2 parecer ser um pouco mais argiloso. A estrutura do P2 se caracteriza
pela presença de blocos angulares e subangulares de tamanho médio, enquanto em
P1 predominam blocos subangulares médios e pequenos. Os aspectos relativos à
transição também tiveram comportamento distinto, já que em P1 houve maior
nitidez e forma mais irregular. Em relação à presença de raízes, observa-se
maior ocorrência no Perfil 2 Quanto à consistência, plasticidade e pegajosidade
os comportamentos foram semelhantes nos dois perfis.
As diferenças mais significativas estão relacionadas à cor e espessura
do horizonte B, que é mais avermelhado e espesso em P2 . Além disso, foi
detectada a presença de mosqueados no horizonte BC do P2, o que não ocorre em
P1. Sabe-se que a formação destes se dá em função do aumento da concentração de
ferro no solo, possivelmente associada à maior lixiviação, as variações na
disponibilidade hídrica (como a variação do nível freático local) ou mesmo à
própria constituição química da rocha matriz. Assim, os mosqueados destacados no
P2 podem evidenciar a influência direta de aspectos que não interferem da mesma
maneira no P1, demonstrando que a evolução dos solos ocorre de maneira
diferenciada, mesmo estando localizados em uma mesma vertente.
Figura 1
Localização dos perfis.
Figura 2
(a) P1; (b) P2.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As diferenças observadas entre os perfis analisados ocorrem em função de
influências diretas e indiretas de determinados aspectos envolvidos no processo de
formação e evolução dos solos. Apesar de estarem em condições climáticas
semelhantes, as interferências da declividade e do relevo, contribuindo para a
ocorrência de alterações na circulação hídrica subsuperficial, influenciada pela
proximidade de intrusões de metabásicas na região de estudo, podem ser apontadas
como variáveis capazes de justificar as distintas características apontadas entre
os perfis estudados. Isso demonstra a importância e a necessidade de estudos mais
detalhados na área em questão como forma de elucidar a origem das divergências
constatadas e verificar se estas se repetem ao longo da Bacia. Destaca-se também
que os resultados advindos das análises laboratoriais poderão contribuir para o
melhor entendimento da dinâmica local.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem aos discentes da disciplina de Micromorfologia de Solos do
Programa de Pós-Graduação do Instituto de Geociências da UFMG pela colaboração no
trabalho de campo desta pesquisa: Adriane Nunes Pereira, Elizêne Veloso Ribeiro,
Patrícia Mara Lage Simões e Wallace Magalhães Trindade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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