Anais: Interações pedo-geomorfológicas

MENSURAÇÃO DA EROSÃO DOS SOLOS COM 210Pb EM ÁREAS DEGRADADAS DO NOROESTE FLUMINENSE

AUTORES
Ferraz dos Santos, A.C. (UFRJ) ; Ferreira Fernandes, N. (UFRJ) ; Godoy, J.M. (IRD/CNEN) ; Bhering, S. (EMBRAPA SOLOS)

RESUMO
O adequado conhecimento do processo erosivo requer a mensuração da perda de solo. Diante das limitações da abrangência espacial e temporal dos métodos comumente utilizados, o uso de radionuclídeos, como o 210Pb, tem se apresentado como uma técnica de grande potencial. A aplicação desse método no Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, uma das regiões mais críticas em relação a questão erosiva, mostrou resultados satisfatórios e compatíveis com estudos em outros locais no mundo.

PALAVRAS CHAVES
Erosão dos Solos; Radionuclídeos; 210Pb

ABSTRACT
Adequate understanding of the erosion processes requires the measurement of soil loss. Given the limitations of the spatial and temporal methods commonly applied, the use of radionuclides, such as unsupported lead-210, has emerged as a technique of great potential. The application of this method in the Northwestern Rio de Janeiro State, one of the most critical areas in the state in relation to erosional processes, showed satisfactory results, consistent with studies elsewhere in the world.

KEYWORDS
Soil Erosion; Radionuclides; unsupported lead-210

INTRODUÇÃO
A erosão dos solos é um dos problemas ambientais mais importantes em todo o mundo, sendo sua quantificação fundamental para a efetiva caracterização dos impactos decorrentes, assim como para o desenvolvimento e avaliação das práticas de controle e conservação dos solos. Porém, os métodos tradicionalmente utilizados para estimar taxas do processo erosivo possuem limitações relacionadas à sua abrangência espacial e temporal. Em relação à questão temporal, são menos freqüentes os estudos que consideram a erosão a médio e longo prazo, já que a maioria dos experimentos está restrita a alguns anos de monitoramento e exige altos custos para se manter em funcionamento por longos períodos. Esse aspecto dificulta a caracterização do significado geomorfológico da erosão dos solos em determinadas paisagens (Wilbanks e Kates, 1999; Boix- Fayos, 2006). Dessa forma, o uso de radionuclídeos, como o chumbo-210 (210Pb), tem se mostrado um método alternativo e/ou complementar as técnicas comumente utilizadas para documentar taxas de erosão dos solos, sendo capaz de superar as limitações apresentadas anteriormente. No estado do Rio de Janeiro, a Região Noroeste Fluminense se destaca pelos problemas decorrentes da erosão hídrica. O surto cafeeiro no século XIX e o avanço da pecuária a partir de 1980 provocaram grande redução da cobertura florestal de Mata Atlântica, que associada a práticas de manejo inadequadas e características naturais da região, como a ocorrência de chuvas concentradas em um período do ano e a presença de declividades acentuadas, favoreceram a perda de solo. Embora alguns trabalhos relacionados à erosão já tenham sido realizados na região (RADEMA, 1999; GEPARMBH, 2003), a maioria dos estudos está relacionada a monitoramentos em curto prazo ou em estimativas a prazos mais extensos baseadas na modelagem. Dessa forma, o presente estudo utiliza o 210Pb para mensurar e analisar o processo erosivo no Noroeste do Estado do Rio de Janeiro ao longo dos últimos 100 anos.

MATERIAL E MÉTODOS
Conforme explicado por Robbins (1978), o 210Pb é gerado in situ pelo decaimento do 226Ra. Porém, a precipitação radioativa de uma pequena parte do 210Pb que é liberado na atmosfera provoca um acréscimo desse radionuclídeo nos sedimentos presentes na superfície do solo, chamado por isso de 210Pb em excesso (210Pbex). O 210Pbex é adsorvido pelas partículas do solo, e sua subseqüente redistribuição lateral e vertical na paisagem são controlados pelos processos de erosão, transporte e deposição (Walling et al., 2003). Assim, a técnica se baseia na obtenção do teor de 210Pbex em sítios de referência (áreas de relevo estável e vegetação preservada); a redução do teor desse elemento comparado aos sítios de referência é indicativa da ocorrência de processos erosivos; o aumento desse teor é indicativo de locais com ocorrência de processos de deposição. O estudo foi desenvolvido na Bacia Hidrográfica de Barro Branco, localizada no município de São José de Ubá, no Noroeste Fluminense. Esta bacia, com tamanho aproximado de 6 Km2, é uma sub-bacia do Rio São Domingos, com 280 Km2, que por sua vez, é sub-bacia do Rio Muriaé, que drena suas águas para o Rio Paraíba do Sul. Na área de estudo, foi selecionado um transecto representativo das condições da bacia. O transecto foi dividido em três partes, nomeadas de alta, média e baixa encosta. Devido as suas características de relevo e uso do solo, a alta encosta funcionou como o sítio de referência para a análise do Pb210. A média encosta é uma área côncava e com evidências de perda de solo, enquanto a baixa encosta localiza-se no sopé da encosta, tendo acúmulo de sedimentos. Em ambas as partes já foi realizado o cultivo de tomate, com uso atual de pecuária. Em cada uma das três partes do transecto foram coletadas amostras indeformadas utilizando o anel do Kopeck, com profundidades de 10 cm em 10 cm, até 80 cm de profundidade. A análise do teor de 210Pbex nos solos foi realizado conforme procedimento descrito em Godoy et al.(1998)

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A figura 1 mostra a encosta em que as amostras foram coletadas, assim como a distribuição em profundidade do 210Pb em cada uma das partes do transecto analisado. Por apresentar topos planos e vegetação densa e preservada, não apresentando sinais de erosão ou deposição, a alta encosta funcionou como a área de referência. Em comum com os resultados obtidos em outros trabalhos (Walling e He, 1999; Matisoff et al. 2002; Walling et al., 2003; Gaspar et al., 2011) , o sítio de referência apresentou concentração de 210Pb nas camadas mais superficiais do solo, devido ao acréscimo de 210Pbex advindo da atmosfera, tendo a tendência de um decaimento exponencial em profundidade. A maioria dos estudos que analisam o processo erosivo através dos radionuclídeos, apontam que em áreas agrícolas, a distribuição do 210Pb em profundidade passa a exibir um padrão mais uniforme, devido à mistura desse elemento no solo causado pelas práticas de cultivo e manejo, conforme explicado por Walling e He (1991). Porém, esse comportamento não foi observado nas áreas da média e baixa encosta. Como o cultivo do tomate é altamente itinerante na região e ocupa uma determinada encosta por pouco tempo (em torno de dois anos), sendo a área posteriormente destinada a pastagem na maioria dos casos, acredita- se que os efeitos do revolvimento do solo durante a prática agrícola não sejam expressivos diante dos efeitos da pecuária, que ocupam as áreas por mais tempo. Pode-se ainda supor que as implicações verticais no perfil do solo decorrentes do breve período de atividade agrícola em uma encosta não consegue ser captado pelo método do 210Pbex, que estima a redistribuição dos solos ao longo dos últimos 100 anos. Quando se analisa apenas o 210Pbex, observa-se, conforme mostrado na tabela 1, que na alta e média encosta este elemento se concentrou nas camadas acima de 20 cm do solo, enquanto que na baixa encosta ele está presente até os 30 cm iniciais de profundidade. Estes dados são semelhantes aos encontrados por Gaspar et al. (2011), que relatam que 80% do teor de 210Pb na alta encosta, média e baixa encosta é encontrado nos 13, 14 e 28 cm iniciais do solo,respectivamente. Ainda como mostrado na tabela acima, o valor do inventário total de 210Pbex da área de referência é de 2646 Bq.m-2, similar ao valor de 2602 Bq.m-2 encontrado por Walling e al. (2003) para uma bacia hidrográfica na Zâmbia. Já Gaspar et al. (2011) relata um valor 1890,7 Bq.m-2 para a área de referência em uma bacia na Espanha, e Walling e He (1999) apresenta o valor de 4930 Bq.m-2 para uma bacia no Reino Unido. Tendo como foco o transecto analisado, nota-se que a média encosta apresentou um inventário total 18% menor que o inventário mensurado para a alta encosta, indicando que uma importante proporção do teor de 210Pb recebido da atmosfera tem sido perdido deste sítio através do processo erosivo nos últimos 100 anos. Por outro lado, o inventário da baixa encosta foi quase 30% superior do registrado na área de referência, mostrando que sítios com essas características tem sido submetidos a um significativo processo de deposição de sedimentos.

FIGURA 1: Distribuição em profundidade do 210Pb na encosta em estudo.

Distribuição vertical do 210Pb na alta, média e baixa encosta.

TABELA 1

Teor do 210Pbex por Amostra e Inventário Total do 210Pbex por Segmento da Encosta

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Níveis detectáveis de 210Pbex na região e resultados compatíveis com estudos realizados em outros locais do mundo confirma a viabilidade da aplicação desse método para o estudo de erosão dos solos nas condições da área apresentada. Existe uma crescente necessidade por informações sobre a redistribuição de sedimentos ao longo da encosta a médio e longo prazo, contribuindo assim para o entendimento da evolução de diferentes paisagens. A técnica do 210Pbex tem se apresentado como um caminho possível para superar as limitações das técnicas comumente utilizadas em estudos erosivos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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