Anais: Interações pedo-geomorfológicas
Inferência das condições ambientais que influenciaram a gênese e evolução de solos na Bacia do São João, RJ, através de estudos de fitólitos e isótopos de carbono.
AUTORES
Garcia Gomes, J. (FFP/UERJ) ; Gomes Coe, H.H. (FFP/UERJ) ; Rocha Moreira Pinto, T. (UFF) ; Chueng, K. (FFP/UERJ)
RESUMO
Análises de fitólitos e isótopos de carbono em 4 tipos de solo da Bacia do S.
João, RJ, identificaram assembléias com variações no teor em fitólitos e seus
tipos segundo a origem do material onde ocorreu a pedogênese. Nos solos com
material de origem aluvial os fitólitos se apresentam muito misturados e em
quantidade similar em todos os horizontes. Nos solos desenvolvidos a partir do
material eluvial, há predomínio de determinados tipos e o estoque de fitólitos
diminui com a profundidade.
PALAVRAS CHAVES
Fitólitos; Isótopos de Carbono; Gênese de Solos
ABSTRACT
Analysis of phytoliths and carbon isotopes in 4 soil types from São João river
basin, RJ, identified assemblages with variations in the content of phytoliths and
their types according to the origin of the material where pedogenesis occurred. In
soils developed from alluvial material, phytoliths are very mixed and their
amounts are similar in all horizons. In soils developed from eluvial material,
there is a predominance of certain types and the phytolith amounts decrease with
depth.
KEYWORDS
Phytoliths; Carbon Isotopes; Genesis of Soils
INTRODUÇÃO
Estudos de Biogeografia procuram explicar a distribuição da vegetação em função
de fatores naturais como o clima, a geomorfologia e as condições edáficas.
Entretanto, grande parte da vegetação primária no Brasil não está de acordo com
essas condições climáticas atuais, sendo necessários estudos paleoambientais
para compreender sua evolução. Tais estudos contribuem para a inferência das
condições ambientais em que se deu tal evolução.
A compreensão dos paleoambientes Quaternários requer uma abordagem
interdisciplinar, envolvendo tanto a Biologia como as Geociências. Até o
momento, ainda há grandes lacunas no nosso conhecimento sobre a história da
evolução e da diversidade atual da flora de algumas regiões brasileiras,
ressaltando a relevância dos estudos paleoambientais.
Reconstituições paleoambientais exigem sempre a utilização de um indicador
(proxy), ou mesmo a combinação de vários deles (estudos multiproxies).
Normalmente a palinologia é usada para reconstruções da vegetação. Entretanto,
esse indicador, apesar de sua comprovada eficiência em muitos estudos, apresenta
limitações quanto à disponibilidade de fontes de coleta de material e à
identificação de gramíneas. Ao contrário, os silicofitólitos, partículas
microscópicas de sílica que se formam como resultado da absorção pelas raízes
das plantas de ácido silícico da solução do solo e se precipitam nas células
vegetais, por se preservarem bem sob condições oxidantes como nos solos, são
muitas vezes, em áreas desprovidas de lagos ou turfeiras para coleta de
testemunhos, os únicos indicadores disponíveis, além de serem excelentes para o
estudo de gramíneas (Coe, 2009). A análise fitolítica pode ser empregada em
substituição ou complementação à análise polínica e ambas podem ser combinadas a
análises isotópicas e outras.
O presente estudo tem como objetivo apresentar um exemplo de aplicação de
análises fitolíticas e de isótopos de carbono estáveis extraídos de perfis de
solo na Bacia do São João, RJ.
MATERIAL E MÉTODOS
Estão sendo analisadas amostras de 4 perfis de solo, em cada um deles foram identificados 4 horizontes ou camadas: um glei (P1), um neossolo flúvico (P2), um argissolo (P3) e um planossolo (P4). Além disso, foram coletadas amostras de solo sob a serrapilheira de 7 formações vegetais atualmente presentes na área, para serem utilizadas como referência, a saber: 3 de manguezal, brejo, 2 de gramíneas e 2 de floresta.
Foram realizadas as seguintes atividades:
1) Trabalhos de campo para coleta de amostras de solo e plantas;
2) Análises físico-químicas;
3) Análises elementares e isotópicas da matéria orgânica do solo (MOS) realizadas pelo Laboratório de Ecologia Isotópica do CENA/USP, com um limite de detecção de 0,03%;
4) Análises fitolíticas: os fitólitos foram extraídos, a partir de 20g de solo seco, da fração 2 a 50µm, após a dissolução dos carbonatos, oxidação total da matéria orgânica, remoção dos óxidos de ferro, separação granulométrica e separação densimétrica (2,35). Em seguida é feita a identificação e contagem das assembléias de fitólitos presentes em cada amostra em microscópio óptico com aumento de 400x. São contados pelo menos 200 fitólitos de diâmetro superior a 5µm e com significado taxonômico (classificados). São também contados os fitólitos sem significância taxonômica (não-classificados) devido a sua forma original ou subsequente dissolução ou fragmentação. As assembléias são apresentadas como porcentagens do total de fitólitos classificados. Segue-se a classificação de Twiss (1992), aumentada por Mulholand (1989), Fredlund & Tiezen (1994), Kondo et al. (1994), Alexandre et al. (1997), Barboni et al. (1999) e Runge (1999), de acordo com o ICPN (International Code for Phytolith Nomenclature 1.0), 2005. Após a contagem, são calculados os índices fitolíticos D/P, Pa/P, Bi, Iph e Ic;
5) As datações por 14C AMS da MOS estão sendo realizadas nos laboratórios do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O estudo foi realizado na bacia do rio São João, no Rio de Janeiro, como parte de um projeto que visa compreender a gênese de solos e identificar mudanças ambientais na área, relacionando topossequências de solos com a geomorfologia, geologia, cobertura vegetal, uso do solo, precipitação e qualidade das águas. Estão sendo analisadas amostras de 4 perfis de solo: um glei, um neossolo flúvico, um argissolo e um planossolo.
O gleissolo (P1) está situado em uma várzea da planície costeira no município de Silva Jardim, coordenadas 23K 767244 – 7493734, a uma altitude de 14m. O argissolo (P2) está situado no domínio suave colinoso do municipio de Casemiro de Abreu, coordenadas 23K 773489 – 7491246, numa altitude de 54m, no terço superior da encosta. O neossolo flúvico (P3), está situado em um vale da mesma planície costeira de Silva Jardim, coordenadas 23K 778119 – 7512944, a uma altitude de cerca de 20m, e finalmente o planossolo (P4) está situado em uma várzea da planície costeira no município de Cabo Frio, coordenadas 23K 806281 – 7471978, a menos de 5m de altitude.
Observações preliminares ao microscópio identificaram assembléias fitolíticas em todos os horizontes desses solos, com variações no teor em fitólitos e nos seus tipos de acordo com a origem do material onde ocorreu a pedogênese (fig. 1).
Figura 1: Principais tipos de fitólitos encontrados nas amostras de solo (fotos Coe, 2010)
Os solos com material de origem aluvial apresentaram fitólitos muito misturados e em quantidade semelhante em todos os horizontes. No glei (P1), foram observados como fitólitos predominantes o bulliform, globular echinate e o acicular. No neossolo flúvico (P3) predominaram os fitólitos globular granulate, bilobate e bulliform.
Entre os solos desenvolvidos a partir do material eluvial, no argissolo (P2) há predomínio de determinados tipos como o bulliform e o globular granulate e o teor em fitólitos diminui com a profundidade, segundo o padrão normal de distribuição; no planossolo (P4), os fitólitos são carreados dos horizontes orgânico e eluvial e se concentram no horizonte textural, apresentando predominantemente os tipos bulliform e elongate.
Em relação às análises isotópicas, os horizontes A dos perfis 1, 2 e 3 apresentaram valores 13C típicos de mistura com predomínio de vegetação aberta, que corresponde à vegetação atual de todos os perfis (áreas de pasto). Os fitólitos predominantes nos horizontes A dos perfis 1 e 2 são de gramíneas. No perfil 3 há predomínio de fitólitos de espécies lenhosas, mas com presença também de gramíneas. Entre os três perfis este é o menos enriquecido em 13C. Os perfis 1, 2 e 3 se tornam mais empobrecidos em 13C com a profundidade, indicando uma vegetação mais fechada, que poderia ser a original da região antes de ser transformada em pasto, como se pode observar em alguns fragmentos de mata nos topos dos morros próximos aos perfis. O perfil 4 apresenta resultados bem diferentes, com enriquecimento de 13C em um horizonte mais profundo. Entretanto, isto pode ser explicado pelo tipo de solo, com presença de horizonte eluvial, de onde as partículas são carreadas e um horizonte textural, onde esse material se acumula. É justamente este horizonte que se apresenta enriquecido em 13C, o que é confirmado pelas análises fitolíticas: os horizontes superiores quase não apresentam fitólitos enquanto que no Bt a concentração é grande e com predomínio de fitólitos de gramíneas (fig. 2).
Figura 2: Resultados das análises δ13C dos perfis de solo
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A posição topográfica dos perfis 1, 3 e 4, em áreas de várzea e fundo de vale, favorece a deposição de sedimentos e também de fitólitos. P2, localizado no terço superior de uma colina, é o único que não se encontra numa posição que favorece a deposição, sendo também o único a apresentar uma distribuição normal dos fitólitos que diminui com a profundidade, demonstrando a importância dos fatores geomorfológicos na gênese e evolução dos solos.
Ainda não foi realizada uma contagem detalhada dos fitólitos e o cálculo de índices fitolíticos, mas os resultados, apesar de preliminares, são promissores, pois indicam que os fitólitos são bons indicadores de mudanças ambientais e auxiliam na compreensão da gênese de solos.
O exemplo ilustra a importância de estudos paleoambientais na compreensão da evolução e das mudanças ambientais de uma região, bem como a necessidade de se utilizar o maior número possível de indicadores (análise multiproxy) para maior precisão na inferência dessas mudanças.
AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de expressar os seus agradecimentos à FAPERJ, pela concessão
da bolsa de Iniciação Científica e pelo apoio financeiro para realização desta
pesquisa (processo APQ1 E-26/111.722/2010).
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