Anais: Interações pedo-geomorfológicas
Razão Zircônio/Quartzo e Zircônio/Titânio aplicadas ao estudo da evolução pedogeomorfológica de uma topossequência na Depressão de Gouveia, Serra do Espinhaço - Minas Gerais
AUTORES
ávila, F.F. (UFMG)
RESUMO
Geomorfologicamente a Depressão de Gouveia é considerada como sendo formada a
partir da retração lateral das encostas e o seu piso recoberto por material
coluvial. Com o objetivo de verificar tais afirmações, foi analisada a relação
entre Zr/Quartzo e Zr/Ti nos solos de uma topossequência. Os resultados
demonstraram que a mesma é composta por solos autóctones eluviais, não
apresentando discrepância de valores que possa indicar a existência de material
detrítico coluvial em sua composição.
PALAVRAS CHAVES
Pedogeomorfologia; Topossequência; Razão Zr/Quartzo e Zr/Ti
ABSTRACT
Gouveia Depression is considered, geomorphologically, as formed from side´s slopes
retraction and covered by colluvial material. The aim of this study was to
evaluate the possible contribution of colluvial material in depression´s surface
by the assessment of the relationship between Zr/Quartz and Zr/Ti in soils of a
toposequence. The results shows that the toposequence is covered by eluvial’s
soils, without results that could indicate presence of detrital colluvial
material.
KEYWORDS
Pedogeomorphology; Topossequence; Zr/quartz and Zr/Ti
INTRODUÇÃO
Encravada na porção meridional da Serra do Espinhaço, a Depressão de Gouveia se
encontra na porção centro-norte do Estado de Minas Gerais e é considerada como
sendo formada pelo recuo das cabeceiras dos ribeirões da Areia e do Chiqueiro
(retração lateral das encostas), obtendo por consequência o acúmulo de material
detrítico (pedimentos) que se estendem em direção aos leitos fluviais (AUGUSTIN,
1995a e 1995b, SAADI e VALADÃO, 1987; SAADI, 1995). De acordo com estes autores,
a característica morfológica que mais chama a atenção e que indica a presença de
material transportado no piso da depressão é a presença de linhas de pedras,
marcando o contato entre o colúvio e elúvio.
Contudo, com o objetivo de verificar uma possível descontinuidade litológica
e/ou contribuição de material externo na formação dos solos, foi analisada a
relação entre zircônio/quartzo e zircônio/titânio nos horizontes dos solos de
uma vertente situada na bacia do córrego dos Pereiras e inserida na Depressão de
Gouveia.
Os elementos zircônio (Zr) e titânio (Ti) e o mineral quartzo, devido às suas
grandes estabilidades frente aos processos intempéricos, têm sido utilizados
como indicadores da ocorrência de descontinuidade litológica e sedimentação de
material alóctone no perfil de intemperismo (MARSHALL,1940; CHAPMAN e HORN,
1968; SUDOM e ST. ARNAUD, 1971; MOREIRA e OLIVEIRA, 2008).
Assim sendo, este trabalho visa um estudo da evolução pedogeomorfológica de uma
vertente na bacia do córrego dos Pereiras e, consequentemente, pretende-se
contribuir para um melhor entendimento da evolução pedogeomorfológica da
Depressão de Gouveia. Essas questões orientam as análises expressas neste
trabalho, o qual é parte dos resultados das discussões teóricas, práticas de
campo e análises laboratoriais adquiridas na elaboração de uma dissertação de
mestrado junto ao programa de pós-graduação em Geografia do IGC/UFMG (ÁVILA,
2009).
MATERIAL E MÉTODOS
Para a análise em topossequência utilizou-se a metodologia de Boulet (1988),
realizando um transecto na vertente. Da alta para baixa vertente foram abertas
quatro trincheiras, sendo denominadas de P1, P2, P3 e P4. As trincheiras foram
abertas com 2 metros de profundidade e em cada horizonte de solo identificado
foram coletadas amostras deformadas para análises de química total e mineralogia
em laboratório.
A análise de química total foi realizada no Laboratório de Espectrometria de
Energia e Fluorescência de Raios X no CDTN/CNEM. Foi feito processo de varredura
analítica e quantificação dos elementos presentes, cujo objetivo principal foi a
identificação percentual de zircônio (Zr) e titânio (Ti).
A análise mineralógica foi realizada no Laboratório de Difração e Fluorescência
de Raio X do Centro de Pesquisa Professor Manoel Teixeira da Costa CPMTC –
IGC/UFMG. A técnica de análise utilizada foi a difratometria de raios-X pelo
método do pó. Importante ressaltar que a análise mineralógica foi executada
somente na fração total dos solos.
Para a determinação da razão Zr/quartzo e Zr/Ti, foram utilizados dados obtidos
nas análises de química total e mineralogia. Os valores de zircônio encontrados
na primeira análise e de quartzo encontrados na segunda foram relacionados,
sendo que ambos são quantificados em porcentagem. Essa relação é dada por um
cálculo simples, baseando-se em Sudom e Arnaud (1971): % Zr / % Quartzo x
104. A relação entre os elementos zircônio e o titânio também foi
dada por um simples razão: % Zr / % Ti x 102 (TAYLOR E EGGLETON,
2001).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Topossequência
A vertente estudada possui 805,54 metros de comprimento e um desnível de 80
metros entre o interflúvio(topo)e a base. Há variação no padrão de declividade:
o topo possui declividades mais baixas, variando de 2 a 4°; da meia vertente
para o sopé a inclinação aumenta, sendo que a porção média possui declividade de
5° e a baixa apresenta variações entre 8 a 10°. Devido ao grande comprimento da
encosta, essas variações se dão de forma bem suave e com isso não ocorrem
rupturas de declive marcantes na superfície.
Os quatro perfis de solo analisados apresentaram algumas características gerais
semelhantes, exceto pela cor, classificando-se em Latossolo Vermelho-Amarelo
(LVA) os perfis situados na alta (P1) e na média-alta-vertente (P2), Latossolo
Vermelho (LV) o da média-vertente (P3) e de Latossolo Amarelo (LA) o da baixa-
vertente (P4) (Figura 1).
Razão Zr/Quartzo e Zr/Ti
Ao comparar os desvios dos valores da razão Zr/quartzo e Zr/Ti entre os perfis,
percebe-se uma relativa semelhança nas características das curvas de desvio das
duas razões dos perfis de média e baixa vertente com o de alta vertente (Figura
2). Nenhum dos perfis apresentou mudanças abruptas de valores.
Verifica-se que a razão Zr/quartzo apresenta um aumento constante entre os
horizontes superiores e inferiores de três dos quatro perfis analisados,
demonstrando uma correlação entre eles e levando a crer que não há contribuição
de material externo. Os valores dessa razão apresentaram uma regularidade,
demonstrando uma homogeneidade do manto de intemperismo da topossequência.
Chapman e Horn (1968) e Maynard (1992) propõem que se a relação Zr/Ti tiver um
desvio maior que 100% a partir da rocha original, para materiais muito
intemperizados, provavelmente há a presença de algum material alóctone. Já
Tonui, Eggleton e Taylor (2003) relatam que para sugerir sedimentação de
material alóctone associada com um acréscimo de material de outras origens é
preciso identificar mudança abrupta e aumento dos valores da razão Zr/Ti em
direção ao topo do solo.
Os dados da relação Zr/Ti dos quatro perfis de solo estudados na topossequência,
semelhante a Zr/Quartzo, apresentaram valores que levam a crer que o material
que cobre a topossequência é autóctone. Apesar dos valores não demonstrarem uma
regularidade e assim não deixarem claro uma tendência de variação entre a parte
superior e inferior dos perfis, não foi verificada mudanças abruptas entre
horizontes dos perfis e todos os valores de desvio entre horizontes se
apresentaram consideravelmente menores que 100%.
Deste modo, a caracterização morfológica e a razão Zr/Quartzo e Zr/Ti dos quatro
perfis de solo estudados nessa vertente apontam o manto de intemperismo da
topossequência como originado de material in situ, caracterizando-o com a
presença de solos autóctones eluviais.
Além da ausência de qualquer concentração de fragmentos líticos, principalmente
de quartzos, que pudessem ser classificados como linhas de pedras, as
características morfológicas demonstram que as cores dos solos não apresentam
discrepância, variando verticalmente de forma gradual e transicional.
De acordo com esses resultados, considerando a presença de material autóctone,
solos bastante desenvolvidos, profundos e que se organizam concordante à
superfície, pode-se considerar que a vertente estudada se encontra em alto
estado de equilíbrio, caracterizada como um sistema em biostasia (TRICART,
1977), onde os processos pedogenéticos predominam em relação aos morfogenéticos.
Contudo, ressalta-se a complexidade dessas interpretações em que outras
análises dão maiores esclarecimentos a respeito da evolução pedogeomorfológica
da topossequência estudada e da Depressão de Gouveia (ÁVILA,2009).
Figura 2
Gráficos das razões Zr/quartzo e Zr/Ti dos
horizontes dos quatro perfis de solo analisados da
topossequência.
Figura 1
Representação bidimensional da cobertura pedológica
da topossequência estudada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
• Os quatro perfis da topossequência foram classificados como Latossolos (solos
muito intemperizados, evoluídos e profundos). A principal característica
identificada que diferencia os perfis na vertente é a cor, na qual foram
encontrados Latossolos Vermelho-Amarelo (em dois perfis), Vermelho e Amarelo.
• Todas as características analisadas apontam o manto de intemperismo da
topossequência como originado de material in situ, demonstrando uma regularidade
à medida que se aprofunda nos perfis e não apresentando discrepância de valores
que possam indicar a existência de material detrítico coluvial em sua
composição.
• A topossequência se encontra em alto estado de equilíbrio, caracterizada como
um sistema em biostasia, com a sobreposição dos processos pedogenéticos sobre os
morfogenéticos.
• O conteúdo deste artigo é parte integrante de um trabalho maior (ÁVILA, 2009),
em que outras análises permitem maiores interpretações da evolução
pedogeomorfológica da topossequência.
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