Anais: Interações pedo-geomorfológicas

Evolução do relevo associada à gênese e evolução do manto de alteração no maciço bauxítico de Barro Alto, GO.

AUTORES
Oliveira, F.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS) ; Varajão, A.F.D.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO) ; Varajão, C.A.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO) ; Boulangé, B. (MUSEÉ DE LA BAUXITE)

RESUMO
Esse trabalho objetivou correlacionar a gênese e evolução da bauxita de Barro Alto à evolução do relevo. Os resultados mostram que o relevo teve participação decisiva na formação da bauxita a partir de uma superfície cretácica, e que, uma vez formada, a bauxita preservou parcialmente essa superfície. A evolução da bauxita, entretanto, condicionou a formação de mantos argilosos através da degradação da couraça, gerando materiais mais erodíveis, formando áreas concavizadas nos topos e encostas.

PALAVRAS CHAVES
bauxitização; ressilicificação; evolução do relevo

ABSTRACT
This study aimed to correlate the genesis and evolution of the Barro Alto bauxite to the evolution of relief. The results show that the relief has a decisive role in the formation of bauxite from a cretaceous surface and, once formed, the bauxite partially preserved this surface. The evolution of bauxite, however, conditioned the formation of clays horizons through the degradation of duricrust, generating more erodible materials, forming concave areas in the tops and slopes.

KEYWORDS
bauxitisation; ressilicification; relief's evolution

INTRODUÇÃO
Reconhecidas como produtos secundários ricos em óxidos e hidróxidos de alumínio, as bauxitas tem sua origem relacionada à alteração hidrolítica de diferentes rochas. Tendo em vista o histórico da descoberta e evolução dos conhecimentos sobre as bauxitas brasileiras (Melfi, 1997), os estudos revelam sua existência na região amazônica, com as maiores reservas, e nas regiões sudeste e sul do Brasil. Mais recentemente, foram apresentados também estudos que revelam sua presença na região centro-oeste, mais especificamente no município de Barro Alto, Goiás (Oliveira et al., 2009; Oliveira et al., 2011). A bauxita de Barro Alto desenvolveu-se a partir de anortositos da Série Superior do Complexo Máfico-Ultramáfico Acamadado de Barro Alto (CBA), cujas primeiras investigações (Reis, 2007; Veiga & Girodo, 2008) revelaram a existência de jazidas com elevados teores de minério. Sem dúvidas, após a descoberta das bauxitas da região de Cataguases (MG), trata-se da maior descoberta de bauxita no Brasil, nos últimos 30 anos. Considerando que a evolução das paisagens está intimamente relacionada à gênese e evolução dos mantos de intemperismo, sendo possível reconhecer diferentes estilos de paisagens associados a diferentes tipos de coberturas (Millot, 1983), tornou-se necessário realizar um estudo que buscasse associar o conhecimento sobre a gênese e evolução da bauxita de Barro Alto com a evolução do relevo local. Vitte (1998), fazendo referência a Stralohov (1963), enfatizava que a melhor maneira de se trabalhar na Geomorfologia Tropical, seria associar as formas de relevo com a profundidade do manto de intemperismo e suas características. Nesse sentido, esse trabalho buscou associar os tipos de coberturas (fácies de alteração) encontradas no maciço bauxítico de Barro Alto com sua distribuição na paisagem, visando compreender a participação do relevo na gênese dessas coberturas e como, uma vez formadas, elas passaram a influenciar na evolução das vertentes.

MATERIAL E MÉTODOS
O maciço bauxítico de Barro Alto é compartimentado em dois morros: Morro da Torre e Morro do Buraco (Folha Goianésia – SD-22-Z-D-I). As referidas elevações apresentam topos com altitudes aproximadas, respectivamente, de 1500 e 1300 m; bastante contrastante com o entorno, no qual as cotas variam entre 550 e 900 m. Foram realizados trabalhos de campo com o objetivo de fazer o levantamento sistemático do manto de alteração envolvendo a identificação das fácies de alteração e de suas distribuições laterais. Após reconhecimento da área de estudo, foram selecionadas três topossequências constituídas por furos de sondagem pertencentes à empresa detentora da área. As topossequências são, assim, caracterizadas: T1 - formada por quatro furos e localizada numa seção que corta, transversalmente, a parte mais alta do maciço (Morro da Torre); T2 - formada por cinco furos e localizada numa seção que liga o topo do maciço ao topo do Morro do Buraco; T3 - formada por três furos e localizada da parte alta do Morro do Buraco em direção a sua base, onde ocorre o contato com pedimentos. Nos 12 furos de sondagem foram coletadas, descritas e fotografadas 68 amostras. Todos os furos selecionados foram perfurados da superfície até atingir a rocha fresca. Foram realizadas, também, descrições, registro fotográfico e amostragens em cinco poços localizados em partes distintas do maciço, com profundidades variando entre 8 e 15 metros. Foram coletadas 45 amostras nos respectivos poços. As 113 amostras coletadas foram caracterizadas macromorfologicamente (descrição com lupa); micromorfologicamente (microscopia óptica, MEV com EDS e WDS e MET com EDS); quimicamente (FRX) e mineralogicamente (DRX). A partir dessa caracterização, foram definidas as fácies de alteração. O posicionamento das fácies na paisagem e de sua distribuição lateral através do uso de ferramentas cartográficas e de desenho gráfico permitiu reconhecer suas implicações geomorfológicas e seu papel na evolução do relevo local.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados sugerem a existência de 09 fácies de alteração, podendo ser individualizados dois grupos: fácies bauxíticas e fácies argilosas. Das fácies bauxíticas, destaca-se uma bauxita porosa, isalterítica, formada pela alteração direta dos anortositos através do processo de alitização (Oliveira et al., 2011). Todas as demais representam a evolução dessa primeira a partir de processos diversificados (Fig. 1). Incluem-se processos de colapso, transporte e acumulação de soluções ricas em alumínio na forma de gibbsita neoformada preenchendo poros, gerando as bauxitas compactas e semi-compactas; processos de fragmentação associados à circulação da água nas vertentes (bauxita laminar) ou ao trabalho mecânico da vegetação na parte superior dos perfis (bauxita fragmentária) e processos de pedimentação seguidos de cimentação (bauxitas de paleopedimentos). Em relação às fácies argilosas (Fig. 1), destacam-se argilas isalteríticas cuja origem está associada à alteração dos anortositos, incluindo processos de bissialitização (com identificação de esmectitas do tipo nontronitas) e monossialitização e as argilas de degradação, representantes da transformação de fácies bauxíticas degradadas por processos pedogenéticos e/ou de reincorporação de sílica pela oscilação do nível freático, transformando gibbsita em caulinita. O posicionamento das fácies de alteração na paisagem, considerando as topossequências e estabelecendo as respectivas continuidades laterais (Fig. 2), revelou que as fácies bauxíticas concentram-se nos topos das elevações, enquanto as fácies argilosas estão restritas às reentrâncias (áreas concavizadas e anfiteatros nas vertentes) e bordas do maciço. Tais observações levam a crer que a influência do relevo na formação da bauxita parece seguir o modelo apresentado pela maioria dos depósitos brasileiros e africanos, isto é, condições climáticas bastante úmidas associadas a uma superfície altimetricamente elevada e topograficamente aplainada. Como muitos trabalhos vêm demonstrando que a maior parte dos mantos de alteração no Brasil e na África são eocênicos, com novas fases de laterização no Mioceno (Nahon, 1991; Tardy, 1993; Tardy et al., 1991; Colin et al., 2005; Spier et al., 2006; Beauvais et al., 2008), é provável que a bauxita de Barro Alto tenha se formado a partir de uma superfície erosiva cretácica. Considerando a resistência mecânica da couraça, essa superfície teria sido fossilizada pela bauxita, haja vista que a amplitude altimétrica com o entorno chega aos 1000 metros. A existência de perfis essencialmente argilosos nas reentrâncias seria um indicativo de que nessas feições a existência de uma drenagem mais dificultada possibilitaria uma alteração moderada da rocha. Entretanto, as argilas nelas estudadas são majoritariamente derivadas da degradação da bauxita, sugerindo que tais reentrâncias foram formadas posteriormente à transformação da couraça em coberturas mais facilmente erodíveis, e não o contrário. Como diversos eventos de reativação tectônica foram reportados no Oligoceno (Ricomini & Assumpção 1999, Saadi et al. 2005), é provável que a drenagem tenha sofrido alterações e se direcionado para planos de ruptura, como falhas e fraturas. Sob condições úmidas no Mioceno, o avanço do front de alteração nas partes mais elevadas teria fornecido a essas zonas de concentração da drenagem soluções ricas em sílica capazes de desestabilizar a gibbsita e nuclear caulinita. Numa posterior alternância climática no Plioceno (Tardy et al. 1991, Varajão et al. 2009), a erosão mecânica predominante em clima mais seco, teria atuado sob um conjunto diversificado de coberturas. Nos topos em que a couraça bauxita permaneceu, a remoção do manto de alteração continuaria dificultada, mas nas áreas em que a bauxita foi transformada em argila, a erosão teria atuado com maior proeminência, formando as referidas reentrâncias. Pedimentos argilosos nos sopés das vertentes correlacionam-se a essas feições.

Figura 1

Fluxograma representativo da gênese e evolução da bauxita de Barro Alto, GO.

Figura 2

Posicionamento das fácies de alteração em distintos compartimentos geomórficos do maciço bauxítico de Barro Alto, GO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A identificação das fácies de alteração associada ao seu posicionamento na paisagem, permitiu compreender que a superfície cretácica contribuiu na formação da bauxita durante o Eoceno e foi preservada parcialmente pela couraça, tornando o maciço o teto da paisagem regional. Entretanto, quando submetido às variações climáticas pós-eocênicas (sobretudo Mioceno), sofreu transformações, passando a ser constituída por diferentes fácies de alteração, que responderam diferentemente à atuação dos processos erosivos (Oligoceno e Plioceno). Dessa maneira, a reconstrução paleogeográfica dos ambientes de alteração e de sua evolução desde a formação da bauxita, torna-se possível se forem considerados que nem somente o relevo foi responsável pela formação da laterita aluminosa e que nem somente essa conduziu a evolução das formas superficiais, mas ambos tiveram sua atuação ao mesmo tempo e com magnitudes diferentes conforme as condições ambientais ao longo do tempo.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Empresa EDEM por ter disponibilizado estrutura logística e financeira para a realização desse estudo, bem como acesso à área de pesquisa e aos furos de sondagem. Agradecem, também, ao CNPq, à Capes e à Fapemig pela concessão de recursos na forma de bolsas e fomentos para a realização desse estudo.

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