Anais: Geomorfologia costeira

IMPACTO DA URBANIZAÇÃO NA DINÂMICA DAS PLANÍCIES MARINHAS ATUAIS: UMA ANÁLISE DE CENÁRIOS EM MONGAGUÁ (SP).

AUTORES
Cunha, C.M.L. (UNESP)

RESUMO
O objetivo deste artigo é demonstrar a importância da avaliação de diversos cenários para o diagnóstico das alterações provocadas pela urbanização na dinâmica praial. Ainda, discutem-se algumas informações passíveis de serem obtidas com a interpretação de ortofotocartas digitais. Os dados apresentados permitem afirmar que a interpretação de produtos de sensores remotos, de cenários diferenciados e de boa resolução, é instrumento importante nesse tipo de estudo.

PALAVRAS CHAVES
Dinâmica praial; Ortofotocarta digital; Drenagem urbana

ABSTRACT
The aim of this paper is to demonstrate the importance of evaluating different scenarios for the diagnosis of the changes caused by urbanization in beach dynamics. Still are discussed some information obtained with the interpretation of digital ortophoto maps. The data indicate that the interpretation of remote sensing products for different scenarios and of good resolution is important tool in this type of study.

KEYWORDS
Beach dynamics; digital ortophoto maps; urban drainage

INTRODUÇÃO
Nos ambientes litorâneos, o uso das planícies marinhas comumente é intenso devido a valorização pelo turismo.Considera-se que tais áreas, popularmente conhecidas como praias, são ambientes cada vez mais fragilizados pelas ações antrópicas e, por isso, busca-se discutir nesse artigo alternativas de análise destas áreas, utilizando produtos de sensores remotos. Assim, o objetivo desse trabalho é, através do estudo de caso da linha de praia de Mongaguá, demonstrar a importância da avaliação de diversos cenários para o diagnóstico das alterações provocadas pela ação antrópica. Para isso discute-se o uso de produtos de sensoriamento remoto. A dinâmica das planícies marinhas tem sido tradicionalmente avaliada através de procedimentos de campo. Nesta pesquisa, objetiva-se também apontar algumas informações passíveis de serem obtidas com a interpretação de ortofotocartas digitais que podem orientar as atividades de campo. Segundo Fookes, Lee e Griffiths (2007), o uso de ortofotos como base para a identificação de feições geomorfológicas e seu mapeamento auxiliam no direcionamento dos trabalhos de campo. Nas campanhas de campo é que se obtêm os dados que possibilitam definir os estados morfológicos modal, por meio da quantificação dos parâmetros morfodinâmicos, elaboração do perfil topográfico praial e dados análiticos por amostragem de sedimentos, conforme apontado por Muehe (1998b). Assim, a análise das ortofotocartas digitais permite levantar hipóteses sobre os perfis diferenciados existentes em uma área de zona intertidal. No caso de Mongaguá (SP), município integrante da Região Metropolitana da Baixada Santista, o padrão de urbanização tem provocado uma série de alterações nos sistemas de drenagem (SATO, 2008), criando canais de escoamento que são direcionados para as linhas de praia. Assim, a análise histórica dessas alterações é fator importante para o entendimento das ações erosivas e deposicionais que se verificam na atualidade nos setores de praia

MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho foi elaborado considerando que o relevo pode ser entendido a partir dos princípios que regem a Teoria Geral dos Sistemas. A Teoria Geral dos Sistemas tem sido amplamente utilizada por profissionais ligados ao estudo das questões ambientais e seu emprego tem sido analisado como um dos mais eficientes no que se refere aos resultados obtidos. Com relação à Geomorfologia, verifica-se que é impossível compreender o relevo sem considerar os fluxos de matéria e energia responsáveis por sua gênese e morfologia. Desse modo, entendendo-se as formas de relevo como fruto da interação da estrutura geológica, clima (atual e passado) e, atualmente, da atividade antrópica, cujas relações interferem nas características pedológicas e da cobertura vegetal, verifica-se que a visão sistêmica possibilita estabelecer e analisar tais inter-relações. Para a obtenção dos dados necessários para a pesquisa foi realizado o mapeamento da planície marinha atual em escala de detalhe de setor do município de Mongaguá que corresponde aos terrenos da Folha Mongaguá II (SG-23-V-A-III-2-NO-F). Tal mapeamento foi realizado sobre ortofotocarta digital, com escala original de 1:10.000. A ortofotocarta digital utilizada é resultado da ortoretificação de fotografias aéreas obtidas em um aerolevantamento datado de abril/maio de 2002, realizado pelo consórcio Base S.A., Engefoto e Aerocarta para a Agência Metropolitana da Baixada Santista (AGEM) e cedidas pela Prefeitura Municipal de Mongaguá para uso em trabalhos acadêmicos. Essa ortofoto, devido a sua alta resolução, permitiu o detalhamento da imagem até a escala de 1:3.500. Em tal mapeamento buscou-se identificar o contato da praia com o oceano, as linhas deposicionais e as rupturas de declive. Os dados obtidos com essas imagens de 2002 foram levados ao campo e comparados com as características atuais das linhas de praia. Para efeito de apresentação nesse artigo, utiliza-se uma imagem do Google Earth a fim de ilustrar as alterações da área.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ao realizar os mapeamentos geomorfológicos em escala de detalhe foi possível verificar que certos aspectos do setor de sedimentação marinha atual eram passíveis de serem identificados nas ortofotocartas digitais. Assim, discute-se a seguir as possibilidades e restrições da análise de tais aspectos para o estudo da morfodinâmica praial. Através da interpretação da ortofotocarta digital de Mongaguá foi possível diferenciar dois setores de acumulação marinha atual que possivelmente apresentavam processos morfodinâmicos distintos. Estes setores estão ilustrados nas figuras 1A e B e 1C e D, nas quais, em A e C, tem-se apenas a imagem da ortofotocarta digital e em B e D a interpretação das linhas deposicionais passíveis de serem identificadas nesta imagem. Convém esclarecer que essas figuras estão em escala de maior detalhe, aproximadamente 1:3.500, fato possível devido a alta resolução da ortofotocarta digital. Na escala de 1:10.000 foi impossível mapear detalhes da planície marinha atual. Esses fatos indicam que, para o mapeamento de detalhes das feições deposicionais das planícies marinhas, fazem-se necessários produtos de sensoriamento remoto de escala de grande detalhe. A figura 1 mostra um cenário comum nos dias atuais em Mongaguá. O padrão de urbanização do município organiza a drenagem através de uma rede de canais que afluem diretamente para o mar, cortando a planície marinha atual. Estes canais se caracterizam por apresentarem padrões e diâmetros distintos, encontrando-se setores de canais abertos e setores com canais em condutos fechados. Quando desta segunda situação, identifica-se claramente o deságue destes em contato direto com os sedimentos praiais, como pode ser observado na figura 1A. Nesta situação foi possível identificar várias linhas deposicionais (Figura 1B), tanto na área exposta, como naquela relacionada ao estirâncio menor, constantemente tomada pela oscilação da maré. Além disso, no setor emerso formas arredondadas lembram a presença de cúspides que, em um cenário menos alterado, poderia indicar um estágio morfológico intermediário caracterizado por “banco e praia de cúspides” (MUEHE, 1995). Contudo, tais morfologias semelhantes às cúspides estão diretamente vinculadas aos canais de escoamento do sistema de drenagem urbana, o que inviabiliza o levantamento de tal hipótese. Assim, na foz de cada um destes canais, a porção emersa do prisma praial apresenta reentrâncias cuja origem pode estar relacionada à erosão provocada pelas águas da drenagem urbana. Já a figura 1C apresenta o setor sudoeste da planície marinha vinculada ao município de Mongaguá o qual se caracterizava, em 2002, por menor intensidade da ocupação urbana se comparado aos setores centrais e nordeste da linha de costa do município. Fato importante de notar é que em 2002 não se registram canais de drenagem urbana neste trecho. Assim, foi possível identificar (Fig. 1D) uma linha deposicional bem demarcada no centro da área de acumulação a qual se estende longitudinalmente de forma significativa no setor analisado. Dessa linha de acumulação em direção ao oceano, há pequeno declive que culmina em ruptura topográfica (Fig. 1D) mais abrupta no setor final do depósito emerso vinculado a acumulação praial. Estas feições morfológicas apontam para um possível estado morfológico refletivo (MUEHE, 1995, pg. 294) o qual se caracteriza por elevado gradiente da praia, que se vinculam às bermas também elevadas. Contudo, no cenário atual, estas feições já não se registram. Na figura 2 utiliza-se imagem do Google Earth por esta ilustrar de forma mais nítida o perfil praial hoje do que as fotografias de campo. Assim, comparando o cenário de 2002 com o registrado em 2010, verifica-se que este setor atualmente apresenta elementos morfológicos que muito se aproximam do cenário retratado na figura 1A, no qual os canais de drenagem urbana criam reentrâncias no prisma praial emerso, dificultando o entendimento do estágio morfológico atual.









CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados apresentados permitem então afirmar que a interpretação de produtos de sensores remotos de cenários diferenciados e de boa resolução são instrumentos importantes na avaliação da dinâmica das áreas de acumulação marinha atual, possibilitando tanto uma avaliação preliminar para orientar as atividades de campo, como um entendimento ao longo do tempo histórico do comportamento erosivo/deposicional nestas áreas. As praias do município de Mongaguá (SP) encontram-se atualmente sofrendo intenso processo de alteração em função da organização do sistema de drenagem urbana, desconfigurando suas feições originais (Fig. 1C e D), impossibilitando a identificação do estágio praial modal e portanto inviabilizando o levantamento de hipóteses sobre sua evolução.

AGRADECIMENTOS
À FAPESP, processo n. 2008/10965-5

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
FOOKES, P.G.; LEE, E. M.; GRIFFITHS, J. S. Engineering geomorphology: Theory and practice. Boca Raton: CRC Press, 2007.
MUEHE, D. Geomorfologia Costeira. In: GUERRA, A.J.T.; CHUNHA, S. B. (Org.) Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p.253-301.
SATO, S. E. Zoneamento Geoambiental do Município de Mongaguá – Baixada Santista. 2008. 167 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2008.