Anais: Geomorfologia costeira

Radarfácies e considerações sobre a morfodinâmica costeira da barreira holocênica entre Saquarema e Arraial do Cabo – RJ

AUTORES
Figueiredo, M.S. (UFF) ; Rocha, T.B. (UFRJ) ; Quadros, M.A.R. (UFF) ; Fernandez, G.B. (UFF)

RESUMO
Este estudo teve como objetivo identificar as características morfológicas e das radarfácies da barreira frontal entre Saquarema e Arraial do Cabo, litoral do Rio de Janeiro. Foram realizados perfis de praia, blocos-diagramas e aquisição de dados de radar. Os resultados apontam uma variação sazonal nos perfis de praia feitos e os dados de radar mostram diferentes refletores nas barreiras costeiras a leste e a oeste.

PALAVRAS CHAVES
Morfodinâmica de praias; Barreiras costeiras; Radarfácies

ABSTRACT
This study aimed to identify the morphological characteristics and radarfacies of the frontal barrier between Saquarema and Arraial do Cabo, Rio de Janeiro coast. The methods used in this study were beach profiles, block diagrams and radar data acquisition. The results show a seasonal variation in beach profiles and radar data shows different reflectors in the coastal barriers on the east and west parts.

KEYWORDS
Beach morphodynamics; Coastal barriers; Radarfacies

INTRODUÇÃO
Os ambientes costeiros apresentam sua morfologia resultante da ação de processos particulares frente a outros ambientes dentro da geomorfologia. Além da influência do controle geológico, clima e biota, comum a outros sistemas há nos ambientes costeiros a ação de processos oceanográficos, principalmente as variações no nível do mar e a ação de ondas. Sendo assim, este estudo visa a caracterização da morfologia e das estruturas sedimentares, através de métodos indiretos, na barreira costeira holocênica que se estende entre Saquarema e Arraial do Cabo, litoral do estado do Rio de Janeiro. A formação das barreiras costeiras neste estado foi recentemente discutida nos trabalhos de Dias e Kjerve (2009) e Fernandez (2008) que sugerem a formação de sistemas barreira laguna para este trecho, como resposta a transgressão ocorrida desde o último pós glacial. Para estes autores, mesmo com variações regressivas apresentadas por Angulo et al. (2006) desde o Holoceno médio até o presente, as características morfológicas transgressivas permanecem na paisagem. Importante ressaltar que esta parte do litoral é caracterizada por barreiras arenosas de orientação leste-oeste, sendo diretamente afetadas por ondulações do quadrante sul (MUEHE, 1998). Esta orientação é importante, pois estas feições estão sujeitas a ação de ondas de tempestade, responsáveis por ondulações com níveis de energia mais altos. Outro fator determinante que atua sobre a atual configuração morfológica são os ventos, sendo os oriundos do quadrante nordeste característicos em virtude do estado do Rio de Janeiro estar submetido à ação do Centro de Alta Pressão do Atlântico e os oriundos do quadrante sul gerados por frentes frias migratórias. Desta forma o objetivo deste trabalho é apresentar as características morfodinâmicas da praia e as radarfácies das barreiras costeiras nos extremos praiais, de forma a documentar comportamentos distintos na evolução recente e sub-recente destes ambientes.

MATERIAL E MÉTODOS
Para os objetivos propostos foram realizados 12 perfis transversais de praia dispostos em quatro pontos distintos e confeccionados quatro blocos-diagramas com intuito de documentação morfológica. As estruturas sedimentares primárias foram adquiridas com Radar de Penetração do Solo (GPR) nos quatro pontos de monitoramento. Para este trabalho foram escolhidos dois pontos que representaram as diferentes morfologias e radarfácies sugeridas nos objetivos. Os perfis de praia foram adquiridos com estação total, sendo as cotas estabelecidas por meio de DGPS dupla frequência, em quatro levantamentos nos extremos do arco. A partir dos perfis de praia, foram confeccionados blocos- diagramas, a partir de duas linhas paralelas (a oeste e a leste) a 50 metros do perfil central, de forma a delimitar a área de aquisição da malha de pontos. A partir de aquisição no modo cinemático do DGPS, os pontos foram interpolados no programa Surfer for Windows da Golden Software. Os dados para o bloco diagrama foram gerados em gabinete sendo exportados pelo programa NovAtel CDU, processados através do programa GTR Processor 2.8 e corrigidos em altura ortométrica através do MapGeo, disponibilizado gratuitamente no endereço eletrônico do IBGE. O radar de penetração do solo foi utilizado em uma aquisição em linha transversal a costa, feita ao longo do perfil topográfico. O método de aquisição utilizado foi common-offset, com os pulsos eletromagnéticos disparados pela distancia entre os traços em 5 cm. A frequência utilizada foi de 400 MHz e a janela de aquisição de 200 ns. Para cada perfil foram feitos procedimentos padrão para processamento de dados de GPR, seguindo as considerações de Jol (2009).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados obtidos nos extremos da barreira costeira estão expostos na figura 1 para o extremo oeste e na figura 2 para o extremo leste. Nestas figuras estão distribuídos os dados de perfis transversais à costa no topo, e abaixo a interpretação das radarfácies. A localização de ambos os pontos está na base das figuras. Em relação à morfologia nota-se que o extremo oeste se ajusta às características de um sistema barreira laguna. Este sistema lagunar provavelmente se prolongava até o outro extremo, sendo porém seccionado em diversos pontos, por evolução dupla de esporões, dividindo o que deveria ser um sistema alongado em diversos pequenos sistemas. Tal processo se ajusta ao modelo de Zenchovitch (1967), que prevê tal evolução em condições de ventos tangenciais a orientação lagunar, que no caso deve ser creditado a ondulações geradas no interior lagunar por ventos de NE. Por outro lado no extremo leste, no reverso da barreira costeira não se nota a formação de sistemas lagunares. Fernandez e Muehe (2004) descrevem processos de transposição de ondas para este setor do litoral, o que deve ter contribuído para o provável soterramento da laguna formada no reverso, determinando o desaparecimento da laguna naquele trecho. Em relação aos resultados do radar de penetração do solo, o Perfil A (parte oeste) apresentou radarfácies bastante claras como indicativos de progradação. Este padrão foi interpretado por sequencias de refletores praiais, migrando em direção ao mar. No topo deste perfil, notou-se o pouco desenvolvimento de refletores eólicos, impressos em subsuperfície por estruturas direcionadas ao continente. Os refletores praiais parecem indicar uma resposta progradante da barreira costeira à regressão do nível do mar desde o máximo transgressivo holocênico, cujo comportamento migratório em direção ao oceano, seria uma resposta a incorporação de sedimentos, favorecendo a progradação. Fato bastante importante uma vez que a morfologia da barreira preserva ainda as condições transgressivas, típicas de um sistema barreira laguna. Por outro lado o Perfil D (parte leste) apresentou sequencias progradacionais no reverso da barreira costeira, sendo interpretada na radarfácie 1. Estes refletores provavelmente são os refletores da base do espaço de acomodação da barreira transgressiva. Por outro lado foram ainda descritos refletores de leques de transposição (radarfácie 2), conforme se nota nas estruturas mergulhantes de baixo grau, em direção ao continente. Tal padrão nas radarfácies deve ser creditado à documentação feita por Fernandez e Muehe (2004), que mostram os efeitos deste fenômeno na área. A barreira frontal de fato se mostrou ajustada a refletores de dunas, com estruturas cruzadas predominantes. Um fator que chama a atenção foi a não observação de refletores praiais na base da barreira, o que de fato indicaria uma continuidade das características transgressivas neste trecho. De fato apenas na própria praia é possível identificar os refletores de bermas e faces praiais. Os dados morfodinâmicos apesar de preliminares, mostram que a variação observada em ambos os extremos são sensivelmente distintas, ainda que todo o arco esteja submetido ao mesmo padrão de ondas, uma vez que ambos os perfis foram feitos em dias subsequentes. No extremo oeste a variação detectada alcançou mais de 30 metros em termos horizontais enquanto no extremo leste a variação detectada foi de menos de 7 metros, resultados ajustados às considerações feitas por Muehe e Corrêa (1989).

Perfil A (extremo oeste)

Perfis transversais a costa (topo), interpretação das radarfácies (centro) e localização dos pontos monitorados (base).

Perfil D (extremo leste)

Perfis transversais a costa (topo), interpretação das radarfácies (centro) e localização dos pontos monitorados (base).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados de radarfácies, que representam indicadores evolutivos importantes, mostraram que a barreira costeira holocênica entre Saquarema e Arraial do Cabo experimentou processos de evolução distintos. O trecho mais a oeste, apesar de manter características transgressivas, apresentou sequencias progradantes, indicando uma resposta evolutiva, com padrões regressivos. Por outro lado o trecho mais a leste mostra condições ainda em ajuste a sequencias transgressivas, com refletores de leques de transposição e o efeito da ação dos ventos como importante agente na sequencia dos refletores cruzados que foram identificados. Apesar de ainda pouco sólidos os dados morfodinâmicos mostraram que a variação documentada mais a oeste, com valores mais elevados, não se configura como um elemento detonador de processos de transposição. De fato mais a leste a menor variação dos perfis mostra que efeitos transgressivos, causam translação da barreira, com as mesmas características morfológicas mantidas.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a FAPERJ pela cessão da bolsa de iniciação científica para Mariana Figueiredo e a bolsa de Jovem Pesquisador a Guilherme Fernandez, em que sem este apoio não seria possível a realização deste trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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