Anais: Geomorfologia costeira
UNIDADES DE RELEVO EM ZONA COSTEIRA ESTUARINA – PORÇÃO ORIENTAL DO GOLFÃO MARAJOARA, ESTADO DO PARÁ
AUTORES
Barbosa, E.J.S. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO)
RESUMO
Mapeamento, classificação e discussão de unidades de relevo em trecho estuarino da Zona Costeira Amazônica, numa perspectiva geossistêmica e taxonômica que une elementos da Cartografia Geomorfológica com a Geomorfologia Costeira. Foram identificadas oito unidades morfológicas: tabuleiro; planície aluvial; leito estuarino arenoso; banco lamoso de intermaré; planície lamosa de maré; praia estuarina; cordão arenoso sub-atual; planície aluvial sob influência de maré.
PALAVRAS CHAVES
Unidades de relevo; Estuários; Zona Costeira Amazônica
ABSTRACT
Analysis, classification and mapping of landforms in estuarine area of Amazonian Coastal Zone, Northern Brazil, by geosystemic and taxonomic approach, which associates Geomorphologic Cartography and Coastal Geomorphology. The research shows eight landforms types: plateau; alluvial plain; estuarine sand plain; intertidal mudflat; tidal plain; estuarine beach; ancient sand barrier; tide influence alluvial plain.
KEYWORDS
Landforms; Estuaries; Amazonian Coastal Zone
INTRODUÇÃO
O texto apresenta resultados de pesquisa sobre a compartimentação do relevo na porção oriental do Golfão Marajoara, onde se encontra o vasto estuário representado pela baía de Marajó. A área de estudo abrange o Município e ilha de Colares, Nordeste do Estado do Pará, Brasil, entre 0° 49’ S e 01° 01’ S, 48° 09’ W e 48° 19’ W, aproximadamente. Numa escala mais ampla este Município integra a Zona Costeira Amazônica (ZCA), caracterizada por meso e macromarés (2 a 8 m de amplitude) em quase toda sua extensão, vasta plataforma continental (até 200 km de extensão), clima quente (médias mensais > 18º C) e úmido (> 1.500 mm anuais), topografia suave, altitudes modestas (0-80 m) e uma diversidade de feições em depósitos inconsolidados que se refazem constantemente pela dinâmica de agentes marinhos e fluviais (LIMA, TOURINHO, COSTA, 2000; SOUZA FILHO et al., 2005).
A porção oriental do Golfão Marajoara é tipicamente estuarina. Pela baía de Marajó escoam as vazantes dos rios Pará, Tocantins, Guamá, Capim, Acará, Moju e muitos outros de menor extensão, o que faz dela um estuário do tipo tidal river, descrito por Wells (1996). Isto implica o domínio de processos fluviais controlando a hidrodinâmica, a biota e as feições sedimentares, em associação com as marés e suas correntes.
Enfatizou-se na pesquisa a compartimentação morfológica, que trata da distribuição das unidades de relevo identificando grupamentos em função das escalas espaço-temporais (análise taxonômica). Isto requer a combinação de elementos de morfoestrutura, cobertura superficial, topografia, morfogênese, dinâmica da paisagem, tipos e agentes do modelado (AB’SÁBER, 1969; TRICART, 1977; ROSS, 1992).
MATERIAL E MÉTODOS
Para a identificação, a delimitação e o entendimento das unidades de relevo aliou-se a abordagem geossistêmica (TRICART, 1977) com os princípios da Cartografia Geomorfológica, adotando-se a taxonomia de Ross (1992). No primeiro caso, dados secundários (revisão de literatura, mapas temáticos e tábuas de marés) e primários (observações in locu ou tomadas de imagens orbitais) serviram para caracterizar os elementos da paisagem e suas variações/combinações locais.
No segundo caso, a análise foi feita em duas escalas: a) regional – Zona Costeira Amazônica, no 1º (unidades morfoestruturais), 2º (unidades morfoesculturais) e 3º (padrões de formas semelhantes) táxons da proposta de Ross (1992); b) sub-regional e local – município da área de estudo, no 4º táxon (unidades morfológicas).
As unidades de relevo foram mapeadas no 4º táxon, com interpretação visual (textura e cor – combinação 5R 4G 3B) de cena Landsat-TM 5, de 08/06/1995, órbita-ponto 223-06. Esta cena foi vetorizada no programa ArcView 3.2, disponibilizado para o LAENA/NAEA/UFPA (ano de 2007). Antes disso fez-se o tratamento e o processamento desta imagem orbital no programa SPRING 3.5. A margem de erro geométrico individual é de 509,7 m2 por área, e 19,29 m lineares. O georreferenciamento foi feito na base de dados municipais do IBGE.
Na elaboração dos mapas de unidades de relevo, além da interpretação visual da imagem supracitada sob controle de campo e cotejo com mapeamentos morfológicos anteriores, foram utilizados e sobrepostos mapas temáticos já existentes: geologia (IBGE), solos (Embrapa, IBGE), cobertura vegetal (Embrapa, IBGE) e altimetria (DSG – Ministério do Exército). Para maior precisão nos dados topográficos, produziu-se um mapa altimétrico e perfis morfológicos a partir de imagens orbitais do tipo SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), cenas S.A.-X-B, S.A.-X-C e S.A.-X-D (Embrapa).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Município de Colares situa-se, do ponto de vista morfoestrutural, em parte na Plataforma Bragantina e outra na Fossa Vigia-Castanhal, caracterizando-se esta última por subsidência no Mioceno (ROSSETTI, GOÉS, 2004). Estas feições estruturais da Costa Norte ainda não foram devidamente estudadas na sua relação com as unidades de relevo, havendo, contudo, indícios de controle geológico na extensão de costas “altas” com falésias e costas “baixas” com planos de inundação (FRANZINELLI, 1976, 1992; SOUZA FILHO, 1995).
As características do relevo na área mapeada confirmam as análises do projeto Radam (BARBOSA, RENNÓ, FRANCO, 1974) sobre a existência de duas unidades morfoesculturais no Golfão Marajora:
a) Planalto Rebaixado da Amazônia, formado pelos terrenos acima do nível atual pelas inundações e modelados em substrato sedimentar da Formação Barreiras (Mioceno) e dos Sedimentos Pós-Barreiras (Plio-Pleistoceno). Apresenta em sua morfologia a ação de sucessivos eventos de pediplanação e dissecação ao longo do Quaternário;
b) Planície Amazônica, formada por baixos terraços e sítios inundáveis constituídos por sedimentos holocênicos inconsolidados. A Planície Amazônica registra os processos de inundação e sedimentação associados ao estabelecimento do clima úmido a partir do final do Pleistoceno.
O Planalto Rebaixado apresenta, na área de estudo, apenas um padrão de formas semelhantes, o Baixo Planalto Costeiro, denominação sugerida por alguns autores (e.g.: SOUZA FILHO, 1995; SENNA, SARMENTO, 1996; FRANÇA, 2003) para designar as bordas e fragmentos do platô sedimentar que, na costa, é limitado por canais estuarinos, planícies flúvio-marinhas e falésias. Em Colares o Baixo Planalto Costeiro é constituído por blocos que têm em comum a litologia (sucessão Barreiras/Pós-Barreiras) e a presença de apenas uma unidade morfológica, o tabuleiro. Trata-se de um planalto com topografia suave ondulada e altimetria média de 5 a 30 m.
A identidade genética e litológica dos tabuleiros indica a fragmentação de uma superfície plio-pleistocênica por efeito dos eventos de inundação do Holoceno, sobretudo a elevação do nível do mar após a última glaciação do Pleistoceno. De modo associado toda a porção oriental do Golfão Marajoara foi seccionada em zonas positivas e negativas pela reativação de falhas (neotectônica) que passaram a orientar o estabelecimento de canais estuarinos (PINHEIRO, 1987) como a baía de Marajó, o rio Guajará-Mirim e o furo da Laura, que juntos contornam a ilha de Colares.
A Planície Amazônica é produto de fatores glácio-eustáticos e climáticos, conduzindo o incremento da deposição em canais, e a generalização do intemperismo químico gerando volumosa carga de sedimentos finos (BARBOSA, RENNÓ, FRANCO, 1974). Ela é dividida em dois padrões de formas semelhantes: a Planície Aluvial e a Planície Flúvio-marinha.
A Planície Aluvial ocupa estreitas áreas de acumulação ao longo dos rios que seccionam os tabuleiros. Ela apresenta apenas uma unidade morfológica, também denominada de planície aluvial. A altimetria varia de acordo com o caimento dos rios para jusante, situando-se acima do nível de inundação pelas marés de sizígia (5 m).
Os sítios emersos e submersos sob influência das marés constituem a Planície Flúvio-marinha, que têm significativa diversidade de unidades morfológicas atestando a evolução costeira no Holoceno.
A planície estuarina arenosa, o banco lamoso de intermaré e a praia estuarina são feições de sedimentos inconsolidados que as marés, correntes de maré e ondas retrabalham constantemente. Nos terrenos mais elevados e antigos surgem a planície lamosa de maré, a planície aluvial sob influência de maré e o cordão arenoso sub-atual, sendo este último o testemunho de paleolinhas de costa. A diferenciação entre a planície de maré lamosa e a aluvial sob influência de maré é a vegetação, visto que na primeira a cobertura típica é o mangue, e na segunda predominam espécies da várzea e do igapó.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As unidades de relevo do Município de Colares revelam a ação de fatores climáticos, glácio-eustáticos, tectônicos e costeiros elaborando o modelado em substrato sedimentar. Uma superfície plio-pleistocênica, cujos fragmentos integram os tabuleiros do Planalto Rebaixado da Amazônia, foi seccionada em blocos. A expansão da sedimentação holocênica originou a Planície Amazônica, em parte aluvial, pois tem sua maior extensão na Planície Flúvio-marinha que domina este trecho estuarino da ZCA. A costa é predominantemente “baixa”, com feições de sedimentos inconsolidados e planícies lamosas em sua maior extensão. A cobertura de mangue sobre estas planícies é mais reduzida em comparação com a vegetação de várzea e de igapó, devido ao baixo índice de salinidade das águas. Praias e barras arenosas são pontuais. Este cenário morfológico é indicativo do contexto estuarino da área (tidal river), no qual as descargas fluviais são, junto com as marés e suas correntes, os principais agentes costeiros.
AGRADECIMENTOS
À Prof.ª Carmena França (UFPA) pela orientação da dissertação de mestrado que originou este trabalho.
À Prof.ª Thereza Prost (MPEG), ao Prof.º Cláudio Szlafstein (UFPA) e ao Prof.º Pedro Walfir Souza Filho (UFPA) pelas contribuições na banca de defesa da dissertação.
Ao Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) pelo apoio financeiro à pesquisa, por meio do Programa BECA.
Aos profissionais e estagiários do IFCH/UFPA, do NAEA/UFPA e do IG/UFPA que auxiliaram na realização da pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
AB’SABER, A. N. Um conceito de Geomorfologia a serviço das pesquisas sobre o Quaternário. Geomorfologia. São Paulo, IGEO-USP, n.º 18, 1969.
BARBOSA, E. J. S. Unidades de relevo em zona costeira estuarina: municípios de Colares e Santo Antônio do Tauá (PA). 2007. 96f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2007.
BARBOSA, G. V.; RENNÓ, C. V.; FRANCO, E. M. Geomorfologia da Folha S.A.22 Belém. In: BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral. Projeto Radam: levantamento de recursos naturais. Rio de Janeiro: DNPM, 1974, v. 5.
FRANÇA, C. F. Geomorfologia e mudanças costeiras da margem leste da ilha de Marajó – PA. 2003. Tese (Doutorado em Geociências) – Centro de Geociências, Universidade Federal do Pará, Belém, 2003.
FRANZINELLI, E. Evolution of the geomorphology of the coast of the State of Pará, Brazil. In: SYMPOSIUM PICG, 1989. Resumes. Cayene: ORSTOM, 1992, p.203-230.
______. Contribuição à sedimentologia da baía de Marajó. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 29, Ouro Preto. Anais... Ouro Preto: SBG, 1976, v. 2, p. 91-113.
LIMA, R. R.; TOURINHO, M. M.; COSTA, J. P. C. Várzeas flúvio-marinhas da Amazônia Brasileira: características e possibilidades agrícolas. Belém: FCAP, 2000.
PINHEIRO, R. V. L. Estudo hidrodinâmico e sedimentológico do estuário Guajará-Belém (PA). 1987. 164f. Dissertação (Mestrado em Geologia) – Centro de Geociências, Universidade federal do Pará, Belém, 1987.
ROSS, J. L. S. O registro cartográfico dos fatos geomórficos e a questão da taxonomia do relevo. Revista do Departamento de Geografia. São Paulo, FFLCH-USP, n.º 6, 1992, p. 17-29.
ROSSETTI, D. F.; GOÉS, A. M. Geologia. In: ______. (orgs.). O Neógeno na Amazônia oriental. Belém: MPEG, 2004, p. 13-52.
SENNA, C.; SARMENTO, A. P. Aplicações do sensoriamento remoto no mapeamento geobotânico do litoral NE do Pará. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Belém: MPEG, 1996, v. 8, p. 137-155.
SOUZA FILHO, P. W. M. A planície costeira Bragantina (NE do Pará): influência das variações do nível do mar na morfoestratigrafia costeira durante o Holoceno. 1995. 123f. Dissertação (Mestrado em Geologia) – Centro de Geociências, Universidade Federal do Pará, Belém, 1995.
SOUZA FILHO, P. W. M.; SALES, M. E. C.; PROST, M. T. R. C.; COSTA, F. R.; SOUZA, L. F. M. O. Zona Costeira Amazônica: o cenário regional e os indicadores de C&T. In: SOUZA FILHO, P. W. M.; CUNHA, E. R. S. P.; SALES, M. E. C.; SOUZA L. F. M. O.; COSTA, F. R. (orgs.). Bibliografia da Zona Costeira Amazônica: Brasil. Belém: MPEG; UFPA; PETROBRÁS, 2005, p. 9-20.
TRICART, J. Ecodinâmica. Rio de Janeiro: FIBGE, 1977.
WELLS, J. T. Tide-dominated estuaries and tidal rivers. In: PERILLO, G. M. E. (ed.). 2. ed. Geomorphology and sedimentology of estuaries. Amsterdam: Elsevier, 1996, pp.179-205.