Anais: Geomorfologia costeira
AVALIAÇÃO MULTITEMPORAL DO COMPORTAMENTO DA LINHA DE COSTA NO LITORAL ENTRE CARAPEBUS E QUISSAMÃ, RJ – APLICAÇÕES COM GEOTECNOLOGIAS E RADAR DE PENETRAÇÃO DE SOLO (GPR)
AUTORES
Quadros, M.A.R. (UFF) ; Rocha, T.B. (UFRJ) ; Figueiredo, M.S. (UFF) ; Fernandez, G.B. (UFF)
RESUMO
O trabalho tem como objetivo avaliar o comportamento da linha de costa utilizando
fotografias aéreas, perfis topográficos e registro em subsuperfície. A comparação
entre os métodos mostrou coerência entre os trechos de comportamento da linha de
costa, evidenciando setores estáveis, retrogradação da escarpa de pós-praia e
processos de transposição. O registro sedimentar destes dois últimos foram
identificados no perfil de GPR, indicando as características de uma barreira
transgressiva.
PALAVRAS CHAVES
Linha de costa; retrogradação; transposição
ABSTRACT
The study aims to evaluate the behavior of the coastline using aerial photographs,
topographic profiles and registration in the subsurface. The comparison between
the methods showed consistency between the behavior of sections of coastline,
showing stable sectors, retrogradation of the escarpment on the backshore and
implementation processes. The sedimentary record of the latter two were identified
in the GPR profile, indicating characteristics of a transgressive barrier.
KEYWORDS
Shoreline; retrogradation; washover
INTRODUÇÃO
A detecção de mudanças de linha de costa é um elemento importante na
investigação da geomorfologia costeira, considerando a perspectiva de
intensificação de erosão costeira associada à eventos de ressaca e às variações
do nível do mar. Dolan et.al. (1980) definiram o termo “linha de costa” como uma
interface física entre o continente e oceano. Embora seja aparentemente simples,
Boak e Turner (2005) ressaltaram a dificuldade de aplicar este conceito em
termos de mapeamento, uma vez que há alterações constantes do nível d’água em
função da variação diária da maré, da altura das ondas e da zona espraiamento.
Considerando a abordagem geomorfológica, a feição predominante que caracteriza o
litoral fluminense são as barreiras costeiras arenosas. Estas são definidas como
estrutura paralela à linha de costa, apresentando geralmente sub-ambientes como
praia, antepraia, dunas, canais de maré e leques de transposição (Leatherman,
1988). Tais feições têm o comportamento associado às variações do nível do mar,
aporte sedimentar, clima de ondas e gradiente do substrato que podem refletir
num comportamento transgressivo, regressivo ou agradacional da barreira
(Dillenburg e Hesp, 2009).
O litoral compreendido entre Carapebus e Quissamã, no norte do estado do Rio de
Janeiro, é caracterizado morfologicamente por uma barreira costeira
transgressiva, cujo comportamento reflete na sua migração em direção ao
continente, resultando numa linha de costa retrogradante, conforme apontado por
Silva (1987) e Dias e Kjervef (2009). Nesse sentido, o objetivo do presente
trabalho é avaliar o comportamento da linha de costa a partir da detecção de
mudanças, utilizando fotografias aéreas, monitoramento de perfis transversais e
registro deposicional em subsuperfície, visando à contribuição para investigação
da evolução da respectiva barreira frontal.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizadas fotografias aéreas do ano de 1976, do arquivo do Departamento
de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro – DRM/RJ e ortofotos do ano de
2005, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Sendo o IBGE o
principal fornecedor de dados cartográficos, as fotografias de 2005 foram
utilizadas como base para o georreferenciamento das fotografias de 1976,
realizado no software ArcGis 9.3.
A definição do melhor critério para delimitação da linha de costa foi obtida a
partir das considerações definidas por Boak e Turner (2005). Para a presente
pesquisa foi utilizado o indicador da “zona de arrebentação de intensidade
máxima”. Esta caracteriza-se pela linha de arrebentação das ondas, com alta
reflectância, que denota um bom contraste entre a superfície líquida e a faixa
emersa. De acordo com os mesmos autores, este critério é recomendado para praias
refletivas, onde a zona de espraiamento é curta e não há zona de surfe
expressiva, embora possa sofrer alterações em função do vento e da altura das
ondas.
O monitoramento da linha de costa a partir de perfis transversais foi realizado
em oito pontos com espaçamento em torno de 5km no respectivo litoral, em
campanhas iniciadas em Junho de 2010, com intervalo em torno de 6 meses. Estes
levantamentos foram realizados com Estação Total e as cotas foram amarradas ao
nível médio do mar e corrigida com a variação da maré no instante do
levantamento, a partir da previsão horária divulgado pela Diretoria de
Hidrografia e Navegação (DHN), segundo a metodologia de Muehe (2003).
Para mapear o registro deposicional do processo transgressivo foi utilizado
perfil de radar de penetração do solo (GPR), com antena de 400 Mhz em modo
common-off-set. O processamento foi realizado no Radan 6.6, onde foi realizado
correção topográfica, aplicação de filtros e ganho. A interpretação foi baseada
no padrão de configuração dos refletores de acordo com Neal (2004), com auxílio
do Coreldraw X5 para a confecção das figuras
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da sobreposição dos vetores das linhas de costa extraídas das
fotografias aéreas de 1976 e 2005, foram identificados setores do litoral em
estabilidade, progradação e retrogradação, totalizando 65 km de costa. Foram
consideradas áreas estáveis o setor de linha de costa cuja variação foi menor
que 10 metros. Este valor foi estimado em função do erro de georreferenciamento
em torno de 1,5 m e da possível variação do indicador de linha de costa
decorrente da alteração da maré. Do total mapeado, 29,36 km equivalem à
estabilidade.
De acordo com o mapeamento, o segmento de retrogradação foi equivalente à 25,24
km. Este comportamento não significou uma taxa homogênea, chegando a um máximo
de até 60 metros. De acordo com o mapa (fig.1), o trecho próximo ao município de
Carapebus apresenta ainda pequenos trechos de erosão intercalados com áreas
consideradas estáveis. Já ao Norte de Quissamã foi identificada uma
significativa área de progradação, que está associado ao efeito do guia-corrente
construído na foz do rio Macabu que gera o aprisionamento de sedimentos em
função da deriva litorânea, que é predominante SW-NE (Machado, 2007). Neste
setor foi mapeada uma progradação máxima de 200 metros que tende a diminuir em
no sentido sudoeste, cujo segmento total equivale à 10,4 km.
Os resultados dos perfis transversais mostraram significativa mobilidade
morfológica associada às condições de praias refletivas, onde há significativa
alteração do perfil emerso das praias. Ainda assim, em função do alcance
temporal do monitoramento, não foi possível verificar tendências evidentes em
termos de progradação e retrogradação, sobretudo nos perfis 1, 2, 3, 7 e 8.
Destaca-se o perfil 6 que mostrou retrogradação da escarpa de pós-praia em torno
de 3 metros. Na imagem (fig.1), este mesmo ponto apresentou uma retrogradação de
36 metros, significando uma taxa de 1,2 metros por ano. Tal indicador mostra-se
bastante coerente, uma vez que os três metros de retrogradação observado nos
perfis em 2 anos, resulta numa taxa de 1,5 metros/ano.
O perfil 4 (fig.1) não indicou uma retrogradação clara. Porém, foi identificado
um significativo alteamento do reverso da barreira resultado da ação de
transposição das ondas, uma vez que este processo é considerado o principal
mecanismo para translação da barreira em direção ao continente (Niedorada,
1985). Esta relação também pode ser constatada comparando a taxa de
retrogradação da barreira, com a alteração da largura da mesma. No mapeamento
por imagens, a taxa de retrogradação neste ponto foi de 34 metros em 29 anos, ou
seja, 1,17 m/ano e no mesmo período a largura da barreira variou 8 metros, ou
seja, a erosão da feição foi bastante reduzida em comparação com a migração da
mesma.
Esta relativa manutenção do volume da feição está associada à deposição dos
leques de transposição, cujo registro sedimentar pode ser visualizado no perfil
de radar de penetração do solo (fig.2), onde foram interpretadas duas
radarfácies. A unidade A foi caracterizada por refletores contínuos, sub-
paralelos com suave mergulho em direção ao continente e alguns truncamentos
erosivos, caracterizando os depósitos de leques de transposição. A radarfácie B
representa os depósitos de face de praia (foreshore)., apresentando ângulo de
inclinação superior à unidade anterior, além de truncamentos erosivos. Estas
características refletem uma dinâmica de erosão de berma por eventos de
tempestade, formando escarpas erosivas com posterior recuperação do sistema
praial.
Fig.1
Mapa de localização dos pontos de monitoramento, dos
setores de variação da linha de costa e perfis
topográficos
Fig.2
Perfil de radar de penetração do solo (GPR)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A detecção de variações da linha de costa a partir de fontes de alta resolução
mostra-se uma poderosa ferramenta para avaliação dos processos costeiros e
comportamento das respectivas feições. A escolha do indicador para o seu
mapeamento deve ser feita mediante a fonte dos dados e a escala temporal e
espacial da análise. Neste caso, o indicador de “zona de arrebentação de
intensidade máxima” mostrou-se positivo em função das características da praia e
das imagens, porém ainda é necessária uma avaliação mais precisa em termos de erro
associado à variação das condições hidrodinâmicas.
A comparação entre os dados do mapeamento e os dados dos perfis topográficos
mostrou coerência entre os trechos de comportamento da linha de costa,
evidenciando setores estáveis, retrogradação da escarpa de pós-praia e processos
de transposição. O registro sedimentar destes dois últimos foi claramente
identificados no perfil de GPR, indicando características de uma barreira
transgressiva.
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