Anais: Geomorfologia cárstica

FEIÇÕES DE CARSTE EM ROCHAS VULCÂNICAS NO MUNICÍPIO DE SÃO MARTINHO DA SERRA - RS

AUTORES
Guareschi, V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA) ; Nummer, A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA)

RESUMO
Feições cársticas são mais comuns em relevos formados por rochas carbonáticas, mas podem ocorrer em rochas ricas em sílica como as vulcânicas ácidas. Este trabalho tem como objetivo compreender os mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento destas formas de relevo associadas as rochas vulcânicas, através da identificação e mapeamento das feições cársticas, averiguando sua relação com a declividade, hipsometria, litologia e lineamentos morfo-estruturais no município de São Martinho da Serra-RS.

PALAVRAS CHAVES
Feições cársticas; Rochas vulcânicas; Lineamentos estruturais

ABSTRACT
Karst features are more common in relief formed by carbonate rocks, but can occur in silica-rich rocks such as volcanic acid. Thus, this working aims to understand the mechanisms responsible for the development of these landforms associated volcanic rocks through the identification and mapping of karst features, analyzing its relationship with the slope, hypsometry, lithology and morpho-structural lineaments in the city of São Martinho da Serra - RS.

KEYWORDS
Karst Features; Volcanic rocks; Structural lineaments

INTRODUÇÃO
Rochas não calcárias também podem apresentar processos de dissolução, e os resultados assemelham-se muito às formas originadas no carste de rochas calcárias. Conforme argumenta Piló (2000), atualmente existe uma tendência em incluir rochas siliclásticas no grupo das rochas cárstificáveis. Esta propensão deriva de demonstrações de que a dissolução da sílica, anteriormente considerada de baixa solubilidade, tem tido um papel importante na configuração de morfologias superficiais e subterrâneas tipicamente cársticas. A maioria das pesquisas de âmbito nacional e internacional que tratam da dissolução e elaboração de formas cársticas em litologias não calcárias estão relacionadas à intemperização do arenito e do quartzito. No Brasil, alguns autores como Filizola e Boulet (1994), Coelho Netto (2003) e Uagoda (2006), associam a evolução destas feições doliniformes a ocorrência de lineamentos estruturais que por dissolução e erosão mecânica condicionam a abertura de vales de cabeceira. Em rochas vulcânicas são mais escassos os trabalhos que procuram compreender a origem e evolução das feições cársticas. Na Formação Serra Geral, nos estados do Paraná e Santa Catarina, autores como Paisani, Pontelli e Geremia (2006) vem pesquisando o desenvolvimento de depressões circulares e concavidades associadas as cabeceiras de drenagens. No Planalto vulcânico do Rio Grande do Sul, também sob a Formação Serra Geral, Maciel Filho, Cabral e Spinelli (1993) e Gontan (2002), identificaram a presença de feições cársticas do tipo dolinas sob condições de tectônica especiais como falhas, fraturas e descontinuidades. Neste sentido, este trabalho tem como objetivos identificar e mapear a ocorrência das feições cársticas em rochas vulcânicas no Município de São Martinho da Serra – RS averiguando sua relação com a declividade, hipsometria, litologia e lineamentos morfo-estruturais.

MATERIAL E MÉTODOS
A identificação e mapeamento das feições foram realizadas com base nas imagens do satélite WorldView 2, nas bandas Pancromática MS1 e MS2. A digitalização das feições de carste foi realizada diretamente sobre a imagem de satélite no monitor do computador utilizando o Software ArcGis 9.3, módulo ArcMap, sendo mapeadas um total de 350 depressões circulares. Foram confeccionados produtos cartográficos de natureza temática que permitiram visualizar a distribuição das feições pesquisadas subsidiando a análise e interpretação dos fatos geomorfológicos. Para a determinação da declividade foram estabelecidos os seguintes valores: <2%; 2-5%; 5-15%; 15-30%; 30-45%; >45%. Esta classificação ofereceu um grau de detalhamento bastante satisfatório em vista dos objetivos propostos, visto que grande parte do topo do Planalto Meridional na área de estudo apresenta uma declividade bastante suave. Para a execução do mapa hipsométrico, adotou-se os seguintes valores: de 140 a 200; 200 a 260; 260 a 320; 320 a 380; 380 a 440; 440 a 516 metros. Estas classes foram usadas para verificar a distribuição das feições cársticas em relação a altimetria da área. Com relação à geologia, na área de estudo as feições doliniformes foram plotadas diretamente sobre o mapa geológico e realizou-se a contagem das feições nas rochas vulcânicas ácidas e básicas. A extração dos lineamentos foi realizada a partir de imagens do radar orbital da Shuttle Radar Topography Mission (SRTM) com pixel de 30m. Os lineamentos foram reconhecidos pela presença de cristas alinhadas, fundos de vale e drenagens e digitalizados manualmente diretamente na tela do monitor de vídeo, em escala aproximadamente de 1:50000.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As feições cársticas na área de estudo apresentam-se como depressões circulares e alongadas, que na nomenclatura cárstica corresponderiam a dolinas e uvalas. Localizam-se nas zonas mais planas do topo do Planalto onde o escoamento superficial é dificultado. A maior parte das feições inserem-se em uma área do planalto caracterizada por apresentar colinas com formas tabulares e vertentes suaves. A maioria destas feições (86,4%) encontra-se desconectada da rede de drenagem, podendo ser interpretadas como em uma fase anterior de evolução em relação as que estão conectadas a rede hidrográfica. Um percentual de 83% das depressões encontra-se em vertentes com declividades de até 5%, enquanto que as demais (17%) ocorrem em declividades que variam entre 5 e 15%. É possível verificar que os níveis altimétricos em que ocorre ampla maioria das feições cársticas situa-se acima de 440 metros. Do total das depressões mapeadas, 63%, encontram-se nesta faixa de altitude. O segundo nível de maior ocorrência das feições está localizado na faixa hipsométrica de 380 a 440 metros, perfazendo 28% do total. Com relação à geologia da área, verifica-se que a ampla maioria das feições, 83% localiza-se em rocha vulcânica ácida. Tal constatação permite a seguinte indagação. Qual a influência que a litologia exerce para a gênese das formas? Por que as rochas ácidas ricas em sílica, e, portanto mais resistentes aos processos de intemperismo são as que registram a grande maioria das feições doliniformes? Na busca pela gênese das formas foram levantados 46 pontos de observação dentro do perímetro municipal, localizados em cortes de estrada; depressões circulares e alongadas; zonas de afloramento rochoso e cursos d’ água. A escolha destes locais foi motivada pela busca de possíveis elementos como zonas de contato entre derrames junto às feições pesquisadas, sinal de alteração em materiais de superfície, evidência de controle estrutural e peculiaridades da área, ou seja, qualquer informação que auxiliasse na investigação proposta. Em todos os pontos levantados em campo, foi constatado que as feições estão condicionadas a zonas de contato de derrame, fato que reforça a hipótese da alteração (dissolução) do vidro vulcânico proposto por Maciel Filho, Cabral e Espinelli (1993), Gontan, Maciel Filho (1998), Gontan (2002), para a gênese destas formas no Planalto Meridional do Rio Grande do Sul. A partir da interpretação das imagens SRTM para o município de São Martinho da Serra, foram identificados e mapeados 1230 lineamentos morfo-estruturais (falhas e fraturas). A grande maioria dos lineamentos encontra-se segundo a direção NW- SE, sendo que do total mapeado, 59% estão nesta direção. Como os lineamentos são locais de circulação superficial e subterrânea de água, as feições acabam rompendo sua circularidade e alongando-se no sentido destas estruturas. Quando a depressão tem origem em zonas que apresentam intercruzamento de fraturas, a tendência é que a evolução ocorra de forma mais acelerada, já que estas zonas armazenam e transmitem maior quantidade de água, fato que favorece a alteração geoquímica e o transporte mecânico dos materiais que prossegue ao longo do limite cristal (WRAY, 2003; FORD; WILLIANS 2007). As disjunções horizontais frutos da morfologia interna dos derrames também podem conter água. Estas disjunções, quando interceptadas por zonas de falhas e/ou fraturas constituem pontos importantes de armazenamento e transmissão de água. Na área de estudo estas descontinuidades formam o Sistema Aquífero Serra Geral. Neste sentido, as descontinuidades (tectônicas e morfológicas) funcionam como vias de infiltração e exfiltração de fluxos d’água e contribuem para o desenvolvimento e evolução das feições na medida em que favorecem aos processos de alteração e remoção de materiais. Após estabelecidas na paisagem, essas formas passam a atuar como “depressões por ponto de recarga” (FORD; WILLIANS; 2007).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As feições cársticas apresentam-se como depressões circulares a alongadas e assemelham-se as dolinas e uvalas dos relevos calcários. Estas feições desenvolvem-se nas partes mais planas do topo do Planalto e podem ser divididas em conectadas e desconectadas da rede de drenagem. Embora os dados levantados na pesquisa forneçam indícios de que se trata de uma área potencialmente cárstica, verifica-se a necessidade de mais estudos como a caracterização petrográfica das rochas vulcânicas e análises geoquímicas para melhor auxiliar na compreensão sobre a gênese e evolução das feições descritas neste trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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WRAY, R. A. L. Quartzite dissolution: karst or pseudokarst? Speleogenesis and Evolution of Karst Aquifers, n1, 9 p, april, 2003.