Anais: Geomorfologia cárstica
ANÁLISE MORFOMÉTRICA EM IPUCAS EM CARSTE ENCOBERTO NA DEPRESSÃO DO MÉDIO ARAGUAIA, ESTADO DO TOCANTINS
AUTORES
Nascimento, P.F.O. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS) ; Morais, F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS)
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo fazer a análise morfométrica de feições
geomorfológicas conhecidas como ipucas situadas na Depressão do Médio Araguaia, no
município de Lagoa da Confusão, estado do Tocantins. Para a realização do estudo
foram utilizadas técnicas de sensoriamento remoto e trabalhos de campo. Os
resultados mostraram que as feições estudadas se assemelham às dolinas, típicas da
paisagem cárstica, e que possuem relação com o padrão estrutural da geologia da
região.
PALAVRAS CHAVES
Análise morfométrica; Geomorfologia Cárstica; Ipucas
ABSTRACT
The present study aimed to make a morphometric analysis of geomorphological
features known as ipucas located in the Depression of the Middle Araguaia River,
in the municipality of Lagoa da Confusão, Tocantins state. To order the study we
used remote sensing techniques and field work. The results showed that the studied
features are similar to dolines, typical karst landscape. Those features are
related to the structural pattern of the geology of the area.
KEYWORDS
Morphometric Analysis; Karst Geomorphology; Ipucas
INTRODUÇÃO
A composição litológica da Terra apresenta rochas carbonáticas, que compõem a
geomorfologia de aproximadamente 20% da superfície do nosso planeta (FORD;
WILLIAMS, 2007).
Williams (1971), White e White (1979), Williams (1983) e Denizman (2003) afirmam
que a análise morfométrica permite a identificação, a diferenciação e a
quantificação em diversas feições geomorfológicas, que permitem diagnosticar a
morfodinâmica da paisagem. As técnicas de geoprocessamento e sensoriamento
remoto auxiliam no levantamento e tratamento de uma grande quantidade de dados,
mesmo antes de ir ao campo. Dentre as várias aplicações destas técnicas, a
análise morfométrica de feições cársticas tem sido reconhecidamente eficaz para
a compreensão do sistema cárstico de uma forma mais abrangente.
O relevo cárstico apresenta formas variadas como: lapies, poljé, cones
cársticos, dolinas, entre outros, (WHITE; WHITE, 1979; CHRISTOFOLETTI, 2003;
PILÓ, 2000; FORD; WILLIAMS, 2007). Por se tratar da feição mais característica
das paisagens cársticas, as dolinas têm recebido bastante atenção por vários
estudiosos desse ramo da geomorfologia (WALTHAN; BELL; CULSHAW, 2005; FORD;
WILLIAMS, 2007).
Martins et al. (2002), destacam que as ipucas (Figura 1), localizadas na
Depressão do Médio Araguaia, possuem formas de dolinas. Segundo os mesmos
autores, essas pequenas depressões apresentam alto teor de material orgânico
entre os períodos de seca e alagamento, respectivamente.
A palavra ipuca tem origem do tupi: ipuka, que significa água arrebentada, como
também, armadilha-guarda (MARTINS, 1999). Já para Ferreira (2003) citado por
Martins (2004), trata-se de um termo indígena regional da Floresta Amazônica, e
significa Furo no Igapó.
A partir das considerações de Martins et al. (2002), que consideram que tais
feições tem a forma de dolinas, o presente estudo visou fazer uma análise
morfométrica dessas feições situadas nas proximidades da Lagoa da Confusão, TO.
MATERIAL E MÉTODOS
Inicialmente, foi feita a digitalização da carta topográfica do Município da
Lagoa da Confusão, SC 22-Z-A-VI, na escala 1:100.000 para a criação do banco de
dados da área, com o uso do software SPRING 2.0, e elaboração dos mapas de
localização, uso e ocupação, geológico e drenagens. Para auxiliar a produção dos
mapas e a vetorização das ipucas, foi utilizada a imagem do Google Satellite
Maps, obtida com o uso do software Universal Maps Downloader 6.831.
Numa área de 747,33 km², foram vetorizados 2.428 polígonos (ipucas). Girardi e
Silva (1981) determinam que para uma população de 2.400 unidades, a amostra de
331 indivíduos é representativa do total. Desta maneira, para gerar a medida do
comprimento e da largura das feições foram vetorizadas 332 unidades.
A área total foi dividida em dezesseis quadrantes, sendo oito quadrantes à NE e
SE, com vinte e dois polígonos vetorizados em cada um. Nos quadrantes
localizados a NW e SW, a quantidade de polígonos foi de vinte um, exceto para um
deles, que por apresentar um baixo índice de ocorrência, só foram vetorizadas
nove unidades.
A partir dos trabalhos de vetorização das ipucas, foi possível levantar os dados
de área de cada individual, densidade, comprimento médio e direção do eixo
principal, confecção de roseta de azimutes, relação comprimento/largura e o
índice de circularidade.
Além dos dados morfométricos, foram feitas observações da geometria das ipucas,
buscando notar se existe uma tendência de aglomeração e coalescência das mesmas,
(formação de uvalas). Foi ainda feita a comparação de direção dos eixos
principais das feições com o trend das falhas geológicas regionais.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com 747,330 km², a área de estudo está situada no município de Lagoa da
Confusão, na porção Centro-oeste do Estado do Tocantins, a uma distância de 220
km de Palmas, a capital do estado. O acesso pode se dá a partir da cidade de
Nova Rosalândia, situada na rodovia BR-153 (Belém-Brasília), pela rodovia
estadual TO-255 em direção à Ilha do Bananal. Lagoa da Confusão dista 85 km da
rodovia federal supracitada (SEPLAN, 2008).
O clima da área é caracterizado como úmido, com pequena deficiência hídrica, por
apresentar seca no período entre maio a outubro. A temperatura média anual varia
em torno de 28°C, o índice pluviométrico entre outubro a abril concentra-se em
torno de 1.750 mm (MARTINS et al., 2002; MARTINS et al., 2006; SEPLAN, 2008).
A geomorfologia do ambiente hidromórfico da Depressão do Médio Araguaia é
caracterizada por topografia plana, com baixa altitude e nível do lençol
freático superficial elevado. A área está inserida entre as três unidades
geomorfológicas regionais, além dos Patamares do Interflúvio do Araguaia-
Tocantins e a Planície do Bananal (BRASIL, 1981; MARTINS, 2004; PIMENTA;
MARTINS, 2005).
Na área de estudo predomina espécies com características dos biomas Cerrado e da
Floresta Amazônica, apresentando faixas de transição com características
fisionômicas ecotonais. Martins (2004) verificou nos fragmentos florestais
naturais a ocorrência de Campo Limpo (varjão limpo) e Campo Sujo (varjão sujo),
além de espécies como Calophylum brasiliense Camb. (landi), Vochysia sp.
(canjirana), Sclerolobium sp. (carvoeiro), Licania sp. (farinha-seca) na
Depressão do Médio Araguaia (MARTINS et al., 2002; BRITO, 2005; BRITO et al.,
2007).
A densidade de 2,25 ipucas por km² foi calculada a partir do tamanho da área
dividida pela amostragem. Com auxílio da figura 2, pode-se visualizar a
distribuição dessas feições pela área de estudo. Prieto (1991) afirma que para
os campos de dolinas que apresentam densidade baixa, menor que: 10dol./km², área
é considerada de carste parcialmente encoberto.
Williams (1972), Denizman (2003) e Christofoletti (2003) utilizam os dados de
comprimento para obter as informações da orientação de seus estudos. Assim, o
comprimento do eixo principal se deu a partir dos dois pontos mais distantes ao
longo do perímetro das feições. Com a soma de todos os comprimentos (68.534,09
m) divida pelo número das ipucas, o comprimento médio do eixo principal
calculado foi de 206,42 m.
A partir da análise da roseta de direções, pode-se notar que, do total de 332
feições amostradas, 56,02% das ipucas apresentaram seu eixo mais longo na
direção NE-SW, enquanto 43,98% estão alinhados na direção NW-SE.
Com o cálculo do perímetro da área de cada ipuca, pode-se avaliar o índice de
circularidade – Ic = A/Ac. Williams (1972) e Denizman (2003) afirmam que os
dados do índice são para avaliar a circularidade dos polígonos, com equivalência
próximo a 1 tendem a serem arredondadas. A área apresentou 92,15% da amostra com
índice acima de 0,5 configurando-se arredondadas e as demais com o eixo
alongado.
Denizman (2003) afirma que dados obtidos através do SIG – Sistema de Informações
Geográficas são de suma importância à uma abrangência ampla da área. Desta
maneira, pode-se observar na imagem de satélite que as ipucas têm tendência a se
aglomerarem dos quadrantes NW e SW, como também foi verificado que em alguns
locais as ipucas tendem a se coalescer.
Ambientes cársticos são suscetíveis a colapsos pela composição do material e
pelo seu contexto hidrológico. Sallun-Filho (2009) e Walthan, Bell e Culshaw
(2005) afirmam que as atividades de uso e ocupação acentuam alterações na
dinâmica da água subterrânea, como rebaixamento do lençol freático, que pode
ocasionar colapsos, surgindo feições típicas no relevo cárstico como as dolinas.
Figura 1
Exemplo de ipuca da região de Lagoa da Confusão, TO.
Figura 2
Mapa de distribuição das ipucas na área de estudo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o recurso do geoprocessamento foi possível a investigação de dados
morfométricos das ipucas na Depressão do Médio Araguaia. A densidade mostra que o
carste é considerado parcialmente encoberto. Com o índice de circularidade e a
razão comprimento/largura foi possível constatar que mais de 90% das ipucas
apresentam forma circulares.
Os dados da roseta de direções apontaram que os eixos estão associados ao
alinhamento das falhas geológicas da região.
A concentração de ipucas pode ser melhor visualizada nas áreas onde há o uso
agrícola. Na área de vegetação densa, nas proximidades dos canais dos rios Urubu e
Formoso há um número reduzido de ipucas.
Pelo fato da área apresentar colapsos recentes, entende-se que a mesma carece de
um estudo mais de talhado acerca dos riscos geológicos. Assim, estão sendo feitos
ensaios de resistividade elétrica para analisar a geometria interna das ipucas e
risco de colapsos.
AGRADECIMENTOS
O presente estudo foi desenvolvido com auxílio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq na forma de bolsa de produtividade
em pesquisa, processo nº 314759/2009-3 e financiado pelo Edital PPP 02/2010 da
SECT em parceria com o CNPq. Agradecemos ainda à CAPES – Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela bolsa de Mestrado da autora, e
aos alunos Arnon Nunes, Daniel Santos, Gilney C. Pereira, pela ajuda nos trabalhos
de campo e geoprocessamento.
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