Anais: Geomorfologia cárstica
Aspectos gerais da Furna do Bugio, Município de Ponta Grossa: novo registro de dolina em arenitos quartzosos nos Campos Gerais do Paraná
AUTORES
Pontes, H.S. (MESTRADO EM GEOGRAFIA - UEPG / GUPE) ; Massuqueto, L.L. (MESTRADO EM GEOGRAFIA - UEPG / GUPE) ; Köene, R. (MESTRADO EM GEOGRAFIA - UEPG / GUPE)
RESUMO
O presente trabalho relata a ocorrência de um novo registro de dolina no Município de Ponta Grossa, região dos Campos Gerais do Paraná. Formada em rochas areníticas da Formação Furnas, trata-se de uma cratera com 40 metros de diâmetro e 45 metros de profundidade, controlada por uma falha de direção N 75° E. Sua gênese ainda é discutida, mas ressalta-se a influência de estruturas tectônicas, da Depressão de Vila Velha e de processos hipogenéticos ocorrentes no corpo do próprio arenito.
PALAVRAS CHAVES
Furna do Bugio; sistema cárstico; arenito quartzoso
ABSTRACT
This paper reports the occurrence of a new record of sinkhole in the Ponta Grossa city, Campos Gerais region, Paraná State. Formed in the Furnas Formation sandstone rocks, the sinkhole is a crater with 40 meters diameter and 45 meters deep, controlled by a fault of direction N 75 ° E. Its genesis is still debated, but it emphasizes the influence of tectonic structures, of Vila Velha Depression and hypogenetics processes occurring in the body's own sandstone.
KEYWORDS
Bugio Sinkhole; karstic system; quartzose sandstone
INTRODUÇÃO
A região dos Campos Gerais, situada no Segundo Planalto Paranaense, borda leste da Bacia Sedimentar do Paraná, apresenta várias feições no relevo que possibilita classificá-lo como um relevo cárstico não carbonático. Dentre estas feições destacam-se sumidouros e ressurgências (drenagem subterrânea); lagoas; depressões úmidas e secas; túneis; caneluras; lapiés; bacias de dissolução (kamenitzas), alvéolos e túneis anastomosados, cúpulas e dutos de dissolução, espeleotemas, panelas e diversas cavidades subterrâneas (MAACK, 1956; MELO, MORO e GUIMARÃES 2007; PONTES et al., 2011, MASSUQUETO et al., 2011; e MELO et al., 2011).
Além das feições destacadas acima, a ocorrência de dolinas, regionalmente denominadas de furnas, desperta a atenção, principalmente no Município de Ponta Grossa, onde estas formações ocorrem concentradamente. Formadas em arenitos quartzosos da Formação Furnas, rochas não carbonáticas de idade Siluro/Devoniano (ASSINE, 1997), as furnas são cavidades naturais subterrâneas com desenvolvimento vertical e fazem parte do patrimônio espeleológico regional.
Atualmente, constam no Cadastro Nacional de Cavernas da Sociedade Brasileira de Espeleologia (CNC/SBE) quinze furnas, sendo doze no Município de Ponta Grossa, uma no Município de Jaguariaíva e duas no Município de Balsa Nova. Estas crateras apresentam diâmetro variando entre 5 a 400 metros e desnível entre 5 a 111 metros. Em seis furnas o lençol freático aparece, destacando que nas outras, conforme apresenta Soares (1988), ocorre densa vegetação, em alguns casos com presença de araucárias.
Visto o exposto acima, este trabalho tem como objetivo mostrar os aspectos gerais da Furna do Bugio, envolvendo descrição morfológica e espeleométrica, localização geográfica e discussão sobre seus aspectos genéticos. Este estudo é o primeiro registro desta nova furna situada nos Campos Gerais do Paraná.
MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE) financiado pela Fundação Grupo Boticário, denominado “Estudo espeleológico das cavidades subterrâneas areníticas do Município de Ponta Grossa, Campos Gerais do Paraná”
Para a realização deste estudo foram realizados trabalhos de campo para coleta de dados métricos, fotográficos e descritivos da furna. O levantamento topográfico da cavidade teve como base bibliográfica as técnicas apresentadas por Dematteis (1975) e a graduação de detalhamento do mapa espeleológico baseou-se nas propostas da BCRA (British Cave Research Association).
Os materiais utilizados durante o trabalho de campo foram: aparelho receptor GPS, modelo Map 62 Garmin; Bússula geológica Brunton 5008 Com-Pro Pocket Transit e; Trena a laser Leica Disto™ A6, mensuração com erro aproximado de 1,5mm.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Esta feição do relevo localiza-se na Fazenda Santa Mônica, situada ao lado do Parque Estadual de Vila Velha, Município de Ponta Grossa, a cerca de 100 km a noroeste da capital Curitiba (figura 1). No interior da propriedade há uma área com cerca de 350 hectares de mata nativa preservada, denominada Reserva Meia Lua, área que em breve será transformada em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).
A furna situa-se a cerca de 3 km da sede da fazenda, o acesso se faz por estrada não pavimentada e para chegar ao interior da furna utiliza-se uma trilha fortemente inclinada, apresentando pontos onde é necessário realizar pequenas escaladas e outros onde cipós e raízes de árvores são primordiais na descida. Seu interior apresenta diversos blocos de rocha, solo arenoso com presença abundante de matéria orgânica, presença de grandes árvores, umidade elevada e destacada beleza cênica. A furna é formada em arenitos da Formação Furnas, apresentando cerca de 40 metros de diâmetro e 45 metros de profundidade, tratando-se de uma cratera de contorno irregular em superfície, apresentando a face sul fortemente escarpada e a face norte com depósitos de talus e inclinação reduzida (figura 2).
Na porção leste da dolina há um pequeno abismo ainda não explorado e uma gruta com cerca de 10 metros de desenvolvimento linear que fornece acesso ao interior da furna, mas somente com a utilização de equipamentos de técnicas verticais. Estas duas pequenas cavidades e a furna estão encaixadas em uma falha geológica de direção N 75° E, destacando que a porção a norte da falha apresenta claro rebaixamento de aproximadamente 15 metros em relação à face sul, conforme observado no perfil longitudinal do levantamento topográfico. Esta falha ocasionou um rotacionamento das camadas geológicas apresentando inclinação de 18° com mergulho para NW.
Ressalta-se que o padrão espacial das furnas no Município de Ponta Grossa mostra que todas estão situadas em um falhamento de direção NE-SW relacionada com estruturas tectônicas presentes nas rochas do embasamento. Conforme apresentam Sallun Filho e Karmann (2007) a ocorrência das dolinas (furnas) de Ponta Grossa justifica-se por estarem distribuídas sobre rochas carbonáticas do embasamento, formando assim um sistema de carste subjacente. Os mesmos autores ressaltam a presença de um rebaixamento regional do relevo, com cerca de 4 km de largura e 15 km de comprimento, denominado de “Depressão de Vila Velha”, relacionando sua formação com o conjunto de falhas NE-SW e pela presença das rochas carbonáticas do embasamento, pertencentes ao Grupo Itaiacoca.
Trabalhos clássicos sobre a ocorrência das furnas nos Campos Gerais do Paraná são os de Soares (1988) e Soares (1989), o qual apresenta um modelo genético para estas feições, baseando-se na tectônica rígida. O autor propõe que as furnas são poços de desabamento, originadas em pontos de cruzamento de diáclases e que se formam a partir do desmoronamento de abóbodas subterrâneas.
A partir destas observações, propõe com este trabalho uma interpretação genética das furnas que dialoga com as duas propostas colocadas a cima, tratando que estas feições do relevo, dignas de serem tratadas como sistema cárstico não carbonático, possuam influência direta da tectônica rígida, da Depressão de Vila Velha, relacionando com as rochas carbonáticas do embasamento, mas também co-relacionando com processos ocorrentes no corpo do próprio arenito, destacando também uma possível influência de espeleogênese hipogenética. Justifica-se esta ideia a partir da ocorrência de dolinas nos Campos Gerais do Paraná em áreas que não apresentam rochas carbonáticas no embasamento, como as Furnas das Curucacas e Tamanduá 1 e 2, presença de dutos formados pela ação das águas subterrâneas, destacando que estas feições evidenciam o processo de hipogênese (formação em ambiente freático), presença de espeleotemas, cúpulas e outras feições que evidenciam a dissolução dos arenitos.
Mapa de localização
Figura 1: Mapa de localização da Furna do Bugio indicando principais vias de acesso e perímetro urbano do Município de Ponta Grossa.
Mapa Furna do Bugio
Figura 2: Levantamento topográfico da Furna do Bugio, indicando planta baixa e
perfil longitudinal (acervo Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas - GUPE).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A gênese das furnas já vem sendo discutida a mais de cinco décadas, mas observa-se que, com os avanços dos estudos genéticos das feições presentes nas áreas carbonáticas, deve haver uma constante preocupação em relação à interpretação das formas e feições presentes em sistemas em rochas não carbonáticas, como os arenitos da Formação Furnas, pois se tratam de sistemas dinâmicos e complexos.
O estudo e descoberta desta nova furna, assim como outras novas cavernas e feições do relevo que estão sendo encontradas e estudadas na região, possibilitam novas perspectivas sobre a paisagem, expondo informações diferentes e possibilitando algumas mudanças na interpretação de gênese e evolução do sistema cárstico em questão. Destaca-se que as pesquisas na Furna do Bugio e em outras cavidades subterrâneas do Município de Ponta Grossa ainda estão em fase de andamento, ressaltando a elevada probabilidade de novas descobertas.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Fundação Grupo Boticário pelo financiamento às pesquisas, aos membros do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE) pelo auxílio nos levantamentos de campo e ao proprietário da Fazenda Santa Mônica, Fabiano Rosas Rocha, pela parceria e todo apoio cedido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
ASSINE, M. L. Aspectos da estratigrafia das seqüências pré-carboníferas da Bacia do Paraná no Brasil. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geologia Sedimentar, São Paulo, 1996.
DEMATTEIS, G.. Manual de la Espeleologia. Editorial Labor S.A., Barcelona, 1975.
MAACK, R. 1956. Fenômenos carstiformes de natureza climática e estrutural de arenitos do Estado do Paraná. Arquivos de Biologia e Tecnologia 11: 151–162.
MASSUQUETO, L.L.; GUIMARÃES, G.B.; PONTES, H.S. Geossítio do Sumidouro do Rio Quebra-Perna (Ponta Grossa, PR, Brasil): relevante exemplo de sistema cárstico nos arenitos da Formação Furnas. Espeleo-Tema: Campinas, SBE, v.22, n.1, 2011.
MELO, M.S.; MORO, R.S.; GUIMARÃES, G.B. 2007. Patrimônio natural dos Campos Gerais do Paraná. Ponta Grossa: Editora UEPG, 230p.
MELO, M.S.; GUIMARÃES, G.B.; PONTES, H.S.; MASSUQUETO, L.L.; PIGURIM, I.; BAGATIM, H.Q.; GIANNINI, P.C.F.. Carste em rochas não-carbonáticas: o exemplo dos arenitos da Formação Furnas, Campos Gerais do Paraná/Brasil e as implicações para a região. SBE – Campinas, SP | Espeleo-Tema. v.22, n.1. 2011. p. 81-97.
PONTES, H.S.; MELO, M.S.. Caverna da Chaminé, Ponta Grossa, PR, Brasil: potencial espeleológico, recursos hídricos subterrâneos e riscos geoambientais. SBE – Campinas, SP | Espeleo-Tema. v.22, n.1. 2011. p. 111-126.
SALLUN FILHO, W.; KARMANN, I.. Dolinas em arenitos da Bacia Sedimentar do Paraná: evidência de carste subjacente em Jardim (MS) e Ponta Grossa (PR). Revista Brasileira de Geociências, volume 37 (3), 2007. p. 551-564.
SOARES, O.. Furnas dos Campos Gerais (Paraná): depressões pseudocársticas. Anais do 1° Congresso de Espeleologia da América Latina e do Caribe, Instituto de Educação de Minas Gerais - Belo Horizonte, 1988. p. 40-54.
SOARES, Olavo. Furnas dos Campos Gerais, Paraná. Curitiba: Scientia et Labor, 1989.