Anais: Geomorfologia fluvial

CORRESPONDÊNCIA GEOLÓGICA DO ÍNDICE SL: UM EXEMPLO EM ROCHAS VULCÂNICAS E UMA ANÁLISE CRÍTICA

AUTORES
Lima, A.G. (UNICENTRO)

RESUMO
A razão do índice SL (índice de gradiente) é analisada em um rio desenvolvido sobre rochas vulcânicas da Formação Serra Geral. A razão SL possui tendências de aumento rio abaixo nos riodacitos e de diminuição nos basaltos. Esses comportamentos, devidos ao ajuste da declividade, impede que o estabelecimento de valores limite para a razão SL seja usado para detecção de deformações neotectônicas. É proposto um novo procedimento para esse tipo de análise, com resultados mais eficientes.

PALAVRAS CHAVES
Índice SL; Rochas vulcânicas; Neotectônica

ABSTRACT
The SL index ratio (gradient index) is analyzed on a river developed over volcanic rocks of the Serra Geral Formation. The results show that SL ratio tends to increase downstream in rhyodacites and to decrease in basalts. These behaviors are related to slope adjustments and prevent the establishment of limit values for the SL ratio are used to detect neotectonic deformations. We propose a new procedure for this type of analysis, with more efficient results.

KEYWORDS
SL ratio; Volcanic rocks; Neotectonics

INTRODUÇÃO
A busca por métodos eficazes e de baixo custo para levantamento de características geológicas de áreas com pouca disponibilidade de dados tem levado à aplicação de índices morfométricos como meio alternativo. Um desses meios é o índice de gradiente, ou índice SL, proposto por Hack (1973) para o estudo de perfis longitudinais de rios. O referido autor notou que o índice SL (produto da declividade, S, pelo comprimento do canal, L) possui relação com a litologia, sendo relativamente maior para trechos desenvolvidos em rochas mais resistentes e menor para trechos em rochas menos resistentes. Seeber e Gornitz (1983) ampliaram o uso desse índice ao aplicá-lo na análise tectônica em rios do Himalaia. Ao extrapolar determinados limites prefixados, o índice de certo trecho de canal poderia ser considerado anômalo e denunciaria a existência de controle tectônico sobre o declive. Etchebehere et al. (2006) utilizaram o mesmo procedimento em seus estudos de neotectônica na Bacia do Paraná, considerando as variações inferiores aos limites fixados do índice como relacionadas a diferenças de resistência das rochas. Os limites do índice SL são estabelecidos arbitrariamente ao dividir-se o valor obtido em cada trecho pelo valor obtido para o canal como um todo, o que resulta na razão SL. Razões menores que 2 são consideradas normais, maiores que 2 são anômalas e maiores que 10 são significativamente anômalas. Porém, até que ponto a aplicação desses limites obedece a um critério geomorfologicamente válido e, portanto, até que ponto a inferência geológica é fidedigna? No estudo aqui relatado aplicou-se a análise do índice SL ao longo de um canal fluvial, cujo substrato é formado por rochas vulcânicas. O perfil longitudinal desse rio possui, também, interferências produzidas por falhamentos. O objetivo foi verificar o comportamento do índice SL e a correspondência entre a razão do índice e as características geológicas da área.

MATERIAL E MÉTODOS
A área escolhida para o estudo situa-se no Planalto Basáltico do Estado do Paraná, no município de Guarapuava. O rio possui 2,9 km de extensão e se constitui a zona de cabeceira do Rio Guabiroba, cuja extensão total é cerca de 11 km. O segmento estudado se desenvolve, em sua parte inicial, sobre rochas vulcânicas ácidas e, na maior parte restante, sobre rochas básicas da Formação Serra Geral. A área conta com mapeamento planialtimétrico na escala 1: 10.000. Em estudo anterior (LIMA, no prelo) esse segmento de rio foi mapeado em termos de suas características geológicas (litologia e estruturas tectônicas). Dados de declividade e extensão do canal, necessários para o índice, conforme prescreveu Hack (1973), foram obtidos para cada trecho situado entre duas curvas de nível consecutivas (equidistância vertical de cinco metros) e para o rio integral. Para os trechos o cálculo foi efetuado multiplicando-se a declividade (S) pela extensão (L), sendo esta igual à distância da nascente até o ponto médio do trecho. Para o canal integral utilizou-se a seguinte equação: K = Hi – Hj/ln Lj – ln Li onde, K é o índice de gradiente, i e j são os pontos inicial e final do canal, H é a cota altimétrica e L é a distância da nascente. Para análise da correspondência entre os índices e as características geológicas adotou-se a metodologia preconizada por Seeber e Gornitz (1983), ou seja, dividiu-se o índice de cada trecho pelo índice do canal integral.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O perfil longitudinal do rio estudado apresenta, de modo geral, dois segmentos bem distintos. O primeiro se estende da nascente até cerca de 0,7 km (redução de altitude = 40 m) e se caracteriza por ser suavemente côncavo. O segundo segmento se estende até o final e também caracteriza uma concavidade no perfil, porém mais pronunciada (redução de altitude > 100 m). Neste segundo segmento aparecem cinco trechos com declives relativamente mais acentuados e que caracterizam zonas de ruptura (knickzones). Três dessas zonas estão associadas com falhas normais que cruzam o canal. O primeiro segmento do perfil é esculpido em rochas vulcânicas ácidas (riodacitos), exceto nos últimos 100 m onde aparece um nível de basalto com fraturamento irregular e horizontalizado. No segundo segmento aparecem somente basaltos vesiculares-amigdaloidais e maciços. No primeiro segmento os valores da razão SL, de modo geral, aumentam para jusante (Fig. 1). No segundo segmento a tendência é contrária, com os valores diminuindo para jusante. A explicação para esse comportamento divergente está no modo como a declividade diminui rio abaixo. Fazendo a regressão, pelo modelo potência, entre declividade e distância da nascente, de modo a separar os dados dos dois setores morfológicos, verifica-se que as taxas para os segmentos são, respectivamente, -0,7 e -2,4 (R² = 0,93 e 0,77). Isso é forte indicativo de que o comportamento geral da razão SL expressa os modos particulares que as duas litologias respondem ao processo de incisão fluvial. Apenas um trecho possui razão SL>10 e, portanto, somente esse se caracterizaria como significativamente anômalo (Fig. 1), conforme os critérios de Seeber e Gornitz (1983). Por outro lado, mais de 50% dos trechos possuem razão SL > 2. Pelas informações do mapeamento geológico (LIMA, no prelo) vê-se que os trechos anômalos (SL > 2) incluem zonas de ruptura de origem litológica (basalto maciço), trechos sem nenhum controle aparente, e trechos associados a falhas. Como há tendências de aumento ou de diminuição da razão SL dentro de determinada litologia, não é apropriado avaliar as oscilações de valores em termos de limites pré-fixados. As oscilações devem ser avaliadas com base no desvio em relação à tendência caracterizada para cada litologia. Quanto maiores forem as interferências tectônicas, maiores serão os desvios. Porém, é preciso estabelecer o modelo de variação, sem tectônica, para cada litologia. No caso estudado o procedimento envolveu: 1) excluir os valores correspondentes a zonas de ruptura seguramente originadas por falha; nas zonas de ruptura convexas excluíram-se os dois maiores declives; 2) determinar o modelo de relação entre valores da extensão do canal (L) e da razão SL para os litotipos ácido e básico separadamente (o modelo com melhor R² foi do tipo potência); 3) calcular a razão SL pelo modelo obtido e 4) estabelecer a diferença entre a razão SL real e a calculada. Com esse procedimento as zonas de ruptura originadas por tectônica foram identificadas com valores superiores a 2 (Fig. 2). Apenas uma ruptura de declive de origem litológica atingiu valor maior que 2. Comparado ao método de Seeber e Gornitz (1983) a nova proposta identifica com mais precisão os declives atribuíveis ao controle tectônico. A dificuldade maior é ter um modelo que caracterize a litologia com a qual se está trabalhando. Na ausência deste, a análise qualitativa da distribuição dos valores de SL – ou de igual modo, da razão SL – ao longo de um canal é uma alternativa para identificar os picos dos valores que correspondem a controles litológicos ou tectônicos. Embora sem diferenciar o tipo de controle, essa análise é melhor que o uso de limites pré-fixados.

Figura 1

Distribuição da razão SL no rio estudado.

Figura 2

Diferença entre a razão SL real e calculada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise apresentada revela que enquanto sobre os riodacitos o perfil longitudinal do rio assume valores crescentes da razão SL e valores decrescentes enquanto sobre basaltos. A explicação é que nos riodacitos a declividade do canal diminui rio abaixo a uma taxa menor que nos basaltos. Em função do comportamento crescente ou decrescente da razão SL não se considera aplicável o uso de valores-limite, como feito por Seeber e Gornitz (1983), para definir a existência de interferências tectônicas. No caso estudado o uso desses limites superestima o efeito da tectônica e não a distingue do efeito das diferenças de resistência litológica à erosão. As oscilações da razão SL devem ser avaliadas com base no desvio em relação à tendência caracterizada para cada litologia, em função exclusivamente de diferenças de resistência à erosão. A aplicação deste novo procedimento resultou em melhor detecção dos declives originados por tectônica. Porém, os modelos precisam ser melhorados com mais dados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
ETCHEBEHERE, M.L.; SAAD, A.R.; SANTONI, G.; CASADO, F.C.; FULFARO, V.J. Detecção de prováveis deformações neotectônicas no vale do rio do Peixe, Região Ocidental Paulista, mediante aplicação de índices RDE (relação declividade-extensão) em segmentos de drenagem. Geociências, v.25, p.271-287, 2006.
HACK, J. T. Stream-profile analysis and stream-gradient index. Journal of Research of the United States Geological Survey, v. 1, n. 4, p. 421-429, 1973.
LIMA, A.G. Erosão fluvial sobre rochas vulcânicas: algumas inferências a partir de segmentos côncavos de perfis longitudinais. Revista Brasileira de Geociências. No prelo.
SEEBER, L.; GORNITZ, V. River profiles along the Himalayan arc as indicators of active tectonics. Tectonophysics, v. 92, p. 335-367, 1983.