Anais: Geomorfologia fluvial
Caracterização socioambiental dos ambientes fluviais costeiros: um diagnóstico dos arroios urbanos de Rio Grande – RS
AUTORES
Bobadilho, R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE) ; Tagliani, C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE)
RESUMO
Consideradas como um sistema aberto, as bacias hidrográficas são influenciadas diretamente pelas atividades antrópicas, podendo sofrer transformações na paisagem. Em Rio Grande, fatores como densidade demográfica, expansão urbana e descuido com o ambiente estão aqueles que mais ameaçam os ecossistemas aquáticos. Esse diagnóstico mostrou a situação ambiental dos arroios urbanos, que ainda não estão comprometidos, porém, mostra a urgência de ações efetivas, visando sua a qualidade ambiental.
PALAVRAS CHAVES
arroios urbanos costeiros; geomorfologia fluvial; Rio Grande
ABSTRACT
Being considered as an open system, the watershed is influenced directly by the anthropical activities, which can cause transformations in the landscape.In Rio Grande, facts as demographic density, urban expansion and negligence with the environment are between the most threatening factors to the aquatic ecosystems. This diagnosis showed the environmental situation of urban streams, which are not yet committed, however, shows the urgency for effective action, seeking their environmental quality.
KEYWORDS
urban coastal streams; fluvial geomorphology; Rio Grande
INTRODUÇÃO
Os fatores climáticos, geológicos e geomorfológicos estão na gênese da formação de um sistema hidrográfico, o qual reflete a interação dos compartimentos litosfera, atmosfera, biosfera e hidrosfera. Consideradas como um sistema aberto (LIMA & ZAKIA, 2000:34), as bacias hidrográficas são influenciadas diretamente pelas atividades antrópicas podendo sofrer transformações na paisagem, mesmo com as trocas de matéria e energia para retornar ao seu equilíbrio dinâmico. Interagindo ativamente naqueles compartimentos é verificada a presença de um agente modelador do espaço: o homem. Sua ação significativa começa a ser considerada como um novo período geológico; o tecnógeno. Para Suertegaray (1997) esse período seria representado pelas mudanças espaciais em um tempo acelerado, devido ao desenvolvimento da sociedade por meio do seu fazer técnico. Notadamente, a ação humana é percebida desde a Antiguidade, porém, conforme Botelho (2011), são recentes os registros de maior magnitude, especialmente nos rios, consequência da busca por novos espaços de ocupação. Os rios, “espinhas dorsais das cidades que se desenvolvem às suas margens” (PORATH, 2003:13), enfrentam condições de mau uso pelos atores sociais, sendo esse o maior agravante da pressão humana. Em Rio Grande a situação dos rios não está tão distante disso. O município localiza-se em ambiente estuarino, com características geomorfológicas frágeis e de fácil perturbação ecossistêmica. Fatores como aumento da densidade demográfica, expansão urbana e descuido com o ambiente estão entre aqueles que mais ameaçam os recursos hídricos. Assim, dentro desse contexto, aliado à carência de informações atuais sobre as características dos rios urbanos da cidade, justificam-se os objetivos desse trabalho. A fim de suprir tal necessidade, se propôs a realização de um diagnóstico socioambiental das bacias hidrográficas, com vistas ao subsídio de futuros planos de gestão e tomadas de decisão no planejamento ambiental municipal.
MATERIAL E MÉTODOS
Em primeiro plano, foi escolhida a área de estudo através de imagens de satélite disponíveis no software livre Google Earth, sendo eleitos os 6 arroios (pequenos rios) que permeiam a urbanização: Bolaxa, Senandes, Vieira, Martins, Barrancas e Cabeças. Logo em seguida, foi realizada uma revisão bibliográfica detalhada sobre o assunto, sendo tomadas como base as publicações de Christofoletti (1980), Cunha (1994) e Suguio & Bigarela (1990) para fundamentar a descrição fluvial. Paralelamente aos levantamentos bibliográficos, foram realizadas saídas a campo ao longo de um ano, auxiliadas por mapas – base georreferenciados, confeccionados com imagens de satélite do software Google Earth e por um GPS. Em campo, o processo descritivo foi direcionado da montante à foz, apesar das dificuldades de acesso em alguns pontos. As observações, registradas em cadernetas e fotografia digital, incluíram: a) Caracterização geomorfológica fluvial; b) Caracterização qualitativa da paisagem pela observação das condições das margens e presença de mata ciliar, c) Caracterização do uso e ocupação marginal e condições das Áreas de Preservação Permanente, e d) Análises sedimentológica e climática, já no laboratório. Os mapas temáticos, por sua vez, foram elaborados com os softwares licenciados ArcGis 9.3® e Global Mapper 8 juntamente com o software livre Google Earth. Este foi essencial para a vetorização das feições fluviais e construção da base cartográfica. A partir destas informações os arquivos vetoriais gerados no Google foram transformados em shape (.shp) através do software Global Mapper, extensão compatível com o software ArcGis. Neste programa, por fim, foram adicionadas as informações para fins de mapeamento dos arroios de Rio Grande.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O município situa-se sobre depósitos sedimentares da Planície Costeira, onde estão dispostas feições morfológicas características de ambientes costeiros em regressão, como cordões litorâneos, dunas e banhados. Em meio a esses cordões nascem os pequenos rios – arroios, na nomenclatura regional – que atravessam os campos de dunas já estabelecidas e vegetadas formando “rasgos” no solo pouco compactado, figura 1. O diagnóstico dos seis arroios (Bolaxa, Senandes, Vieira, Martins, Barrancas e Cabeças) evidenciou uma sedimentologia predominantemente composta por areias finas quartzosas, (0,125 a 0,177 mm) em todos os canais fluviais, com pouca contribuição sedimentar nas frações dos extremos da escala de Wentworth – material grosseiro (cascalhos e areia grossa), material fino (silte e argila) e matéria orgânica. A contribuição de material exógeno das obras de duplicação da BR 392 e RS 734, que ultrapassam transversalmente todos os arroios, poderá provocar uma alteração na granulometria dos sedimentos disponíveis para transporte fluvial. Segundo Carvalho et al (2000), a erosão local provocada por essas construções podem trazer mudanças nas características hidráulicas e nos movimentos de erosão e deposição à jusante. Relativo à vegetação dos ambientes fluviais, observou-se que há distinções visíveis de espécies predominantes entre o alto, médio e baixo curso. No primeiro, o solo rico em matéria orgânica junto a alta disponibilidade de umidade e nutrientes proporciona o estabelecimento de vegetação bem desenvolvida (pequenas árvores, arbustos e gramíneas nativas). Em médio curso, o solo rico em sílica, pobre em nutrientes e umidade, como o das dunas e dos lençóis arenosos de deflação, se estabelecem apenas plantas bem adaptadas à essas condições. Em baixo curso, há o aparecimento de densa mata ciliar, constituída por grandes árvores e arbustos nativos, além de domínio do junco, os quais frequentemente impedem a visualização dos cursos d`água. A vegetação aquática do leito dos arroios apresenta uma estratificação topográfica da margem até o canal fluvial, como demarcam Cordazzo & Seeliger (1988), podendo ser encontradas espécies diferentes de emergentes e flutuantes fixas, submersas fixas e flutuantes livres. Com influência direta sobre a erosão do solo e distribuição vegetal, o regime climático também exerce uma função reguladora sobre os rios. No município, as variações de precipitação e temperatura são os responsáveis pela oscilação do nível das águas dos arroios e, consequentemente, pelo trabalho dos rios. Altas taxas de precipitação associadas ao El Niño (como nos anos de 2002, 1998 e 2009 com precipitação 2.260,2; 1.839,7e 1.577,6 mm anuais, respectivamente) fazem elevar as águas e exceder o leito excepcional em direção às planícies de inundação, o que ocasiona enchentes e transtornos nas porções urbanas, tombamento de margens e, não raro, o abandono de meandros. Sob o aspecto geomorfológico, é comum a todos os arroios os topos de diques marginais serem erodidos pelo pisoteio do gado, um fator catalisador nos processos erosivos marginais, devido a desagregação da fraca estrutura do solo, com utilização da mesma área fragilizada para a dessedentação animal. Nas concavidades dos meandros observa-se o perfil de solo exposto, provocado pela energia potencial (inicial) transformada em cinética pela fricção com as paredes do leito (SUGUIO & BIGARELLA, 1990: 25). O perfil do solo apresenta a intensa erosão lateral provocando solapamento basal seguido de pequenos tombamentos de margem. Somados a isso, as interferências humanas aparecem como agente principal de muitos processos de degradação ao longo dos arroios. Essas interferências são agrupadas em três tipos principais: o primeiro refere-se às atividades de pastoreio de alto impacto nas margens, o segundo referem-se às ocupações urbanas irregulares em médio curso e, terceiro, a disposição indevida de resíduos sólidos e efluentes clandestinos ao longo dos arroios.
Mapa de localização dos arroios de Rio Grande
Arroios urbanos de Rio Grande
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O diagnóstico realizado mostrou que a situação ambiental dos arroios urbanos de Rio Grande ainda não está comprometida. Os principais problemas encontrados dizem respeito a degradação ambiental ocasionada pelas atividades humanas, produtivas ou não – agropastoril, comércio, obras de engenharia, retilinizações, etc. Além disso, existem problemas relativos a contaminação das águas e do solo, reflexo das disposições indevidas de canais clandestinos de esgoto e de resíduos sólidos ao longo dos arroios. Entretanto, a realidade atual pela qual passa o município, com investimentos pesados na atividade naval e a consequente pressão que os recursos naturais já estão enfrentando, ocasionado pelo adensamento populacional e expansão urbana, mostram a urgência na definição e implementação de políticas públicas para manter a qualidade ambiental desses ecossistemas raros e tão significativos para o município.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BOTELHO, R.G.M. Bacias hidrográficas urbanas. In.: GUERRA, A.J.T. (org.). Geomorfologia urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. Cap. 3, p. 71-116
CARVALHO, M. N.O.; FILIZOLA JUNIOR, N.P.; DOS SANTOS, P.M.C.; LIMA, J.E.F.W. Guia de práticas sedimentológicas. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. 2000. 154p.
CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blücher, 1980.
CORDAZZO, C. V.; SELIGER, U. Guia ilustrado da vegetação costeira do extremo sul do Brasil. Rio Grande: FURG, 1988
CUNHA, S. B. Geomorfologia fluvial. In: GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. (orgs.). Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. Cap. 5, p. 211-252
LIMA, W.P. & ZAKIA, M.J.B. Hidrologia de matas ciliares. In.: RODRIGUES, R.R.; LEITÃO FILHO, H.F. (ed.). Matas ciliares: conservação e recuperação. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000, p. 33-43
PORATH, S.L. A paisagem de rios urbanos. A presença do rio Itajaí-Açu na cidade de Blumenau. 166f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
SUERTEGARAY, D.M.A. Geomorfologia: novos conceitos e abordagens. In: Anais do VII Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada e I Fórum Americano de Geografia Física Aplicada. Curitiba. Anais. UFPR, 1997. p. 9-24.
SUGUIO, K.; BIGARELLA, J. J. Ambientes fluviais. 2ª ed. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina: Editora da Universidade Federal do Paraná, 1990.