Anais: Geomorfologia fluvial
Morfologia Antropogênica da Planície Fluvial do Rio Pinheiros em São Paulo.
AUTORES
Rodrigues, C. (USP) ; Alves da Luz, R. (USP)
RESUMO
Por meio de análise cartográfica e aerofotogramétrica de documentos históricos da
planície fluvial do Rio Pinheiros em São Paulo (SP) dois mapas morfológicos foram
produzidos: o Mapa da Morfologia Original (Pré-Perturbação); e o Mapa da
Morfologia Antropogênica no Estágio de Pertubação Ativa em 1948. Os produtos
cartográficos associados à análise dos geoindicadores evidenciaram a alta
magnitude de eventos antrópicos sobre as morfologias fluviais da área durante o
início de sua urbanização.
PALAVRAS CHAVES
Geomorfologia Fluvial; Antropogeomorfologia; Rio Pinheiros
ABSTRACT
Two morphological maps of the Pinheiros River fluvial plain (Sao Paulo-SP) were
made by means of cartographic and aerophotogrammetric analysis: Map of Original
Morphology (pre-disturbance stage); and Map of Anthropogenic Morphology in 1948
(active disturbance stage). The cartographic products were associated with the
geoindicators analysis, that revealed the high magnitude of anthropogenic events
on fluvial morphology during the early urbanization of this part of city.
KEYWORDS
Fluvial Geomorphology; Anthropogeomorphology; Pinheiros river
INTRODUÇÃO
As modificações impressas na paisagem pelas intervenções das sociedades humanas
ao longo do tempo podem ser avaliadas e dimensionadas por meio de técnicas e
metodologias comuns à ciência geomorfológica.
O reconhecimento integrado dos três elementos que constituem a essência da
pesquisa geomorfológica – formas, materiais e processos - é realizado, na maior
parte das vezes, pela determinação da espacialidade dos mesmos (Hart, 1986). A
principal técnica de obtenção deste reconhecimento espacial integrado advém da
cartografia geomorfológica, porém, consideramos que esse instrumental
metodológico vem sendo preferencialmente utilizado em sistemas e agentes
geomorfológicos ditos naturais ou àqueles pouco perturbados pela ação antrópica.
As ações antrópicas associadas ao processo de urbanização têm sido consideradas
ações de natureza geomorfológica efetiva por autores como Douglas & Spencer
(1982), Douglas & Lawson (2000), Gupta (2002), Rodrigues (2004). Desta maneira,
a pesquisa pretende explorar o aparato teórico-metodológico da Geomorfologia,
principalmente da cartografia geomorfológica, em análises voltadas às mudanças
espaciais no meio físico em áreas urbanas.
O artigo é parte da tese que vem sendo desenvolvida no Programa de Pós Graduação
em Geografia Física do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo,
cujo objetivo é avaliar mudanças em aspectos da morfologia e de processos
superficiais em uma planície fluvial urbanizada em meio tropical úmido. A área
de estudo é a planície fluvial do rio Pinheiros em São Paulo, palco de
intervenções antrópicas diretamente associadas ao processo de urbanização dos
últimos 100 anos da capital paulista.
MATERIAL E MÉTODOS
A cartografia geomorfológica pode ser utilizada para avaliar mudanças espaciais
a partir de análises históricas (Gregory, 1985; Gurnell et al., 2003; Trimble,
2008). Por meio do levantamento cartográfico retrospectivo e evolutivo das
feições geomorfológicas da planície fluvial do rio Pinheiros foram analisados
momentos históricos representativos dos principais estágios de intervenção
antrópica.
Aqui são apresentados os resultados já obtidos em dois estágios de intervenção
antrópica: o Estágio Pré-Perturbação (morfologia original) e em um dos Estágios
de Perturbação Ativa (Nir, 1983; Toy & Hadley, 1987).
Por meio desses produtos cartográficos foram determinadas categorias de mudanças
ocorridas em aspectos da geomorfologia da planície fluvial do rio Pinheiros.
Essas categorias foram parametrizadas por meio da definição de geoindicadores de
mudanças ambientais em meio tropical úmido, e em sistemas hidro-morfológicos
urbanizados (Coltrinari & Mccall, 1995; Berger, 1996; Coltrinari, 1996; Gupta,
2002; Rodrigues & Coltrinari, 2004; Rodrigues, 2010). Os produtos cartográficos
associados à análise dos geoindicadores permitiram então a interpretação e o
dimensionamento das transformações geomorfológicas ocorridas na área durante
parte de sua urbanização.
A análise cartográfica foi realizada a partir da produção de cartas morfológicas
de detalhe da área na escala de 1:25.000, considerando os dois estágios
representativos de intervenção antrópica citados. A restituição da morfologia
pré-perturbação foi realizada por meio de análise estereoscópica de fotografias
aéreas de 1933 da planície fluvial, correlacionada a cartas topográficas
históricas de 1930. Para a morfologia representativa do estágio de perturbação
ativa foram utilizadas fotografias aéreas de 1948, momento no qual a urbanização
estava avançando sobre a planície fluvial, implicando em grandes intervenções,
como a retificação do canal meândrico e aterramento da planície de inundação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados da pesquisa são apresentados nos mapas da Morfologia Original
(Pré-Perturbação) e da Morfologia no Estágio de Perturbação Ativa da Planície
Fluvial do Rio Pinheiros (Figura 1 e Figura 2).
As morfologias originais (estágio pré-perturbação) e antrópicas (estágio de
perturbação ativa) foram então correlacionadas, o que permitiu a quantificação
da intervenção antrópica na área de estudo até o estágio de perturbação ativa.
Foram analisadas as mudanças nos seguintes indicadores morfológicos: áreas dos
terraços e da planície de inundação; comprimento, largura média, sinuosidade e
padrão do canal.
Estes geoindicadores evidenciam que grandes mudanças na morfologia da planície
fluvial ocorreram em apenas 15 anos (1933-1948). Por causa da retificação do
canal do rio Pinheiros seu comprimento foi diminuído em 46,2% e sua largura
aumentada em 101,9%. A sinuosidade do principal canal fluvial do sistema, que
era de 1,88, típica de canais meândricos, foi reduzida para 1,01, evidenciando a
transformação do padrão do canal, que passou a ser retilíneo.
A retificação resultou em alargamento, aprofundamento e aumento da vazão do
canal, o que aumentou a sua capacidade de transporte fluvial. Isso alterou a
dinâmica das cheias na planície de inundação, que passa a ser inundada com menos
frequência, alterando, assim, o seu funcionamento dentro do sistema fluvial.
Estas modificações permitem a ocupação destes terrenos, pois os antigos níveis
da planície de inundação passam a se comportar como níveis terraceados (Terraços
Antrópicos de Nível 1). Em 1948, estes terraços já ocupavam 60,2% da antiga
planície de inundação.
Morfologias remanescentes da planície de inundação foram identificadas,
principalmente nos extremos norte e sul da planície fluvial, onde a urbanização
ainda não era significativa. Estas áreas remanescentes funcionavam como áreas de
amortecimento das cheias do canal principal ou afluentes.
A disposição de aterros na planície de inundação gerou um novo nível de terraços
que, topograficamente, se relaciona com os terraços fluviais originais de nível
1. Estes aterros representaram um aumento de 19,8% na área deste nível
terraceado, que passa então a configurar um segundo nível de terraço (Terraço
Nível 2 + Terraço Antrópico Aterro).
Os terraços fluviais originais de nível 2 tiveram um pequeno aumento de sua área
(1,87 %) devido a terraplanagens de terrenos limítrofes pertencentes às
vertentes de morros ou colinas, e que foram regularizados no mesmo nível
topográfico destes terraços. Dentro da classificação da morfologia
antropogênica, esta morfologia passa a representar um terceiro nível de terraços
(Terraço Nível 3 + Terraço Antrópico Corte de Vertente).
Como resultado das modificações antrópicas associadas a urbanização no estágio
de perturbação ativa, a planície de inundação original permanece como terrenos
remanescentes, que compõem 39,7% da área original. A área de terraços foi
aumentada em 62,7%, sendo 32,6% no nível 1, 32,9% no nível 2 e, 34,5% no nível
3.
A completa transformação do padrão do canal fluvial, ou a formação de terraços
fluviais em sistemas naturais, normalmente ocorrem em decorrência de eventos de
média a longa duração, como mudanças climáticas ou ações tectônicas. O processo
de urbanização da planície fluvial do rio Pinheiros gerou estas morfologias em
um curtíssimo período.
Em 15 anos, as intervenções de caráter antrópico relacionadas a urbanização
foram capazes de mudar significativamente o sistema geomorfológico da planície
fluvial do rio Pinheiros. Portanto, a pesquisa demonstra que as intervenções
antrópicas nessa área produziram, em um curto período de tempo, mudanças
geomorfológicas relacionadas a eventos que necessitariam de milhares a dezenas
de milhares de anos para ocorrerem em sistemas naturais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa evidencia então a alta magnitude de eventos antrópicos relacionados à
urbanização na formação dos relevos fluviais. Quando correlacionados aos eventos
geomorfológicos naturais, esses eventos antrópicos de curta duração possuem
magnitudes comuns aos eventos naturais de média a longa duração. Isso demonstra a
alta efetividade da ação antrópica urbana na geomorfologia fluvial de uma
determinada área.
Além disso, pesquisas que buscam o entendimento retrospectivo e evolutivo de
sistemas geomorfológicos geram resultados e produtos que poderão ser utilizados no
planejamento físico-territorial regional, tendo em vista as constantes e drásticas
modificações que ocorreram e que ainda ocorrem nestes sistemas (Verstappen, 1983;
Gregory, 2002).
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